01 Setembro 2025
"Em seus primeiros 100 dias, Leão XIV provou ser um papa diplomático, sereno e prudente. Essa atitude pode ser útil para promover a unidade e evitar decisões precipitadas. Mas, ao mesmo tempo, deixa a sensação de que o mundo espera mais: mais coragem, mas palavras claras, mais empenho com aqueles que sofrem", escreve José Carlos Enriquez Diaz, em artigo publicado por Ataque al Poder, 29-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Os primeiros 100 dias do pontificado de Leão XIV suscitaram diversas análises. O texto de Juan Antonio Mateos Pérez, publicado hoje em sua página do Facebook, resume bem a diferença entre Francisco, o papa dos gestos proféticos e disruptivos, e Leão XIV, o papa da calma e da diplomacia.
Francisco irrompeu na cena com força: gestos de proximidade, palavras fortes contra as injustiças, viagens simbólicas como a de Lampedusa. Leão XIV, por outro lado, parece prudente, sereno, com um estilo de escuta e mediação, mas sem rupturas ou grandes denúncias. A comparação é lícita: Francisco elevou muito o nível com sua palavra profética, e Leão XIV preferiu começar sem surpresas, salvaguardando a unidade e a diplomacia do Vaticano. O resultado é o início de um pontificado que transmite paz, mas também deixa um sentimento de silêncio sobre questões sobre as quais o mundo espera clareza: a guerra em Gaza, os abusos, a situação das mulheres, os migrantes ou o reconhecimento da diversidade.
A análise de Mateos pode ser complementada por uma reflexão mais profunda: o que significa o papado hoje e em que medida a própria estrutura da Igreja favorece ou dificulta uma verdadeira liderança evangélica? Por séculos, o papado foi apresentado como o ápice de uma pirâmide eclesial: cardeais, bispos, arcebispos, monsenhores... uma cadeia hierárquica que separa o povo de Deus da cabeça visível. E aqui surge uma pergunta incômoda: essa forma de organização é fiel ao Evangelho?
O próprio Jesus rejeitou as tentações do poder, da grandeza e da glória. Não buscou tronos ou títulos, mas o serviço humilde, o lava-pés e a proximidade com os pobres e excluídos.
No entanto, a Igreja acabou por se configurar de uma maneira muito semelhante aos sistemas políticos: com graus, privilégios e promoções que, como acontece na política, muitas vezes geram ambições, sedes de poder e lutas internas.
A crítica não é insignificante. Um papa pode ser profético em suas ações e palavras, mas se a estrutura que o sustenta continuar a ser piramidal, rígida e cheia de pompa, sempre haverá um limite para a verdadeira conversão evangélica da Igreja.
Francisco intuiu isso quando se manifestou contra o clericalismo e sonhou com uma Igreja mais horizontal, sinodal.
Leão XIV, por enquanto, preferiu manter a calma, sem tocar nas estruturas básicas. Outra questão fundamental é a pertinência dessa burocracia eclesiástica. É indispensável ter cardeais, arcebispos, núncios e uma multidão de cargos? Em última análise, quanto mais nos distanciamos da base, mais difícil é ouvir o grito do povo de Deus. A experiência política demonstra algo semelhante: quanto maior o aparato de poder, maior o risco de desconexão da realidade cotidiana das pessoas.
Nesse ponto, surge uma questão que não pode mais ser ignorada: o papel da mulher na Igreja. Durante séculos, sua presença se limitou a papéis secundários ou subordinados, sem que se reconhecesse sua plena corresponsabilidade na missão evangelizadora. No entanto, a realidade é evidente: são as mulheres que sustentam a vida das paróquias, das comunidades, da catequese, da caridade, da educação e da vida consagrada. Que sua voz não esteja no mesmo nível daquela dos homens ordenados é um sinal de incoerência e injustiça que não corresponde ao Evangelho. Se a Igreja deseja ser fiel a Cristo, deve dar um passo claro: sem mulheres nos processos decisórios, não haverá verdadeira renovação.
Ao mesmo tempo, outra dívida permanece sem solução: a dos leigos. Fala-se muito de "Igreja como Povo de Deus", mas, na prática, a hierarquia continua a monopolizar a cena. Os leigos são a maioria na Igreja, mas são tratados como espectadores passivos ou executores do que os outros decidem. O Concílio Vaticano II abriu uma porta que nunca foi totalmente cruzada: a de uma Igreja na qual o sacerdócio comum de todos os batizados tenha um peso real na vida comunitária.
Reconhecer os leigos não como auxiliares, mas como corresponsáveis, seria um passo em direção a essa Igreja mais horizontal, tão necessária.
Voltando ao presente, Leão XIV parece querer começar seu pontificado focando na diplomacia.
Há algo importante nisso: em tempos de polarização e de guerras, alguém que construa pontes e evite fechar portas pode ser necessário. Mas há também um risco: que essa calma se transforme em tibieza, em um silêncio que fere mais do que o embate. O Evangelho não é uma mensagem de equilíbrio diplomático, mas de empenho profético. Jesus não se calou diante da injustiça; denunciou, com nome e sobrenome, aqueles que oprimiam o povo. É por isso que muitos hoje se sentem decepcionados: não basta invocar a paz em abstrato; espera-se que o Papa aponte com coragem as realidades de dor que clamam ao céu. Em seus primeiros 100 dias, Francisco surpreendeu com gestos que marcaram um rumo: a proximidade com os pobres, a denúncia da indiferença e a criação do Conselho de Cardeais para reformar a Cúria. Leão XIV, por outro lado, oferece um estilo mais diplomático, menos arriscado. É um papa que escuta, mas que ainda não fala com a força que muitos fiéis esperam.
Nesse contexto, talvez o grande desafio não seja tanto comparar Francisco a Leão XIV, mas nos perguntarmos: que tipo de Igreja queremos construir? Uma Igreja profética, sem medo de levantar a voz pelos povos que sofrem. Uma Igreja humilde, que renuncia a títulos e pompas que pouco têm a ver com o Evangelho. Uma Igreja sinodal, mais horizontal, na qual a corresponsabilidade dos leigos não seja decorativa, mas real. Uma Igreja que reconheça plenamente o papel das mulheres, não apenas no cuidado pastoral, mas também nos processos de tomada de decisão. Uma Igreja que deixe de se assemelhar a sistemas políticos de poder e se assemelhe mais ao Reino de Deus, no qual o mais grande é aquele que serve. Porque, afinal, a verdadeira mudança não virá apenas do que o Papa diz ou faz, mas de uma conversão estrutural e espiritual de toda a Igreja, desde as comunidades de base até a cúpula do Vaticano.
Em seus primeiros 100 dias, Leão XIV provou ser um papa diplomático, sereno e prudente. Essa atitude pode ser útil para promover a unidade e evitar decisões precipitadas. Mas, ao mesmo tempo, deixa a sensação de que o mundo espera mais: mais coragem, mas palavras claras, mais empenho com aqueles que sofrem. A Igreja precisa de serenidade, sim, mas acima de tudo, precisa de profecia; precisa lembrar que sua missão não é preservar equilíbrios políticos, mas proclamar o Evangelho com radicalidade. E esse Evangelho não é uma mensagem morna: é uma Boa Nova para os pobres, uma denúncia contra os poderosos, uma mensagem de esperança para os que sofrem.
Se o papado quer ser realmente evangélico, um papa diplomático não basta: é preciso uma Igreja menos piramidal, menos política e mais humilde, na qual a voz profética não dependa de uma única pessoa, mas brote de todo o povo de Deus. E nesse povo, as mulheres e os leigos têm um lugar central, não acessório. Esse, talvez, seja o verdadeiro legado pendente que Leão XIV poderia abraçar se quisesse passar da calma à profecia.
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