28 Agosto 2025
No país sul-americano, a comunidade LGBTQ+ enfrenta desafios crescentes, incluindo violência, discriminação e falta de apoio institucional. Organizações como Sí, Acepto – Perú e Generación Orgullo estão se mobilizando para promover a igualdade e a inclusão, apelando também ao Papa para que garanta que a Igreja Católica tome uma posição clara contra a homofobia e a transfobia.
A reportagem é de Flavia Bevilacqua, publicada por Domani, 27-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Plaza San Miguel, em Lima, mulheres vestidas de vermelho distribuem panfletos aos transeuntes. Os panfletos trazem frases como “Voss* filh* aguardam aceitação e compreensão” e “Buscamos respeito e empatia para noss* filh*”.
Entre elas está Mirtha: ela é voluntária da Sí, Acepto – Perú, uma organização da sociedade civil peruana que promove a igualdade de direitos para casais do mesmo sexo, mas também catequista católica há mais de quarenta anos. Para ela, as duas situações não estão em conflito. "Nada que está escrito na Bíblia pode ser usado contra ninguém, porque a Bíblia não é uma arma nem serve para criar demônios imaginários. Eu sei disso porque sou uma crente", diz ela.
Após a eleição do Papa Leão XIV, ex-cardeal Robert Prevost e o primeiro pontífice da história com dupla cidadania estadunidense e peruana, Sí, Acepto - Perú, lançou campanhas convidando os católicos a participar das atividades de conscientização da associação.
No Peru, a Igreja Católica historicamente exerce uma influência social e política muito forte. Mas, enquanto o país registra um aumento preocupante de crimes de ódio contra as mulheres e a comunidade LGBTQI+, a eleição do Papa Leão XIV reacendeu o debate sobre o papel que o Vaticano pode desempenhar no combate a essa violência.
Discriminação Sistêmica
Além da Sí, Acepto - Peru, são muitas as associações peruanas que defendem os direitos das pessoas LGBTQI+ e que nos últimos meses têm apelado ao Papa para que se posicione em relação às discriminações contra pessoas com sexualidade e identidade de gênero não conformes. As associações ressaltam como a inércia ou o silêncio da Igreja diante de casos de violência homofóbica e transfóbica acabam legitimando comportamentos de ódio, além de aumentar a sensação de isolamento dos indivíduos vulneráveis.
"A Igreja Católica sempre se manteve em silêncio sobre as nossas vidas. O Papa Francisco foi o primeiro líder católico a se aproximar das nossas comunidades, representando um marco na relação da Igreja com as comunidades LGBTQI+", publicou em suas redes sociais a Más Igualdad - Perú, associação feminista fundada em 2017 e comprometida com a promoção dos direitos das pessoas LGBTQI+ no país. "Com a chegada do Papa Leão XIV em um contexto adverso e conservador, renovamos a esperança de que sua liderança continue no caminho do reconhecimento e da igualdade", acrescenta a associação.
Os crimes de ódio e as discriminações sistêmicas enfrentadas pela comunidade LGBTQI+ no Peru aumentam cada vez mais. Em 2024, o país registrou 168.492 casos de violência contra mulheres e grupos vulneráveis, incluindo 32.388 casos de violência sexual (dos quais sete em cada dez eram menores de 17 anos).
De acordo com o Observatório de Direitos TLGBI, 54 assassinatos de pessoas LGBTQI+ foram registrados no Peru entre 2020 e 2023, e um aumento de nada manos que 19 assassinatos somente em 2023. A Anistia Internacional também assinalou o assassinato de mulheres trans no Peru sob o silêncio das autoridades locais, enquanto o Relatório Mundial de 2024 da Human Rights Watch denunciou a persistente falta de proteção legal para pessoas LGBTQI+ no país.
Por ocasião do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres em 2023, a Conferência Episcopal Peruana enfatizou a necessidade de uma Igreja mais respeitosa e inclusiva, reconhecendo o papel das mulheres na sociedade e na própria Igreja.
Mas, apesar das declarações oficiais contra a violência de gênero, a Igreja Católica no Peru tem frequentemente apoiado políticas que limitam os direitos das mulheres e da comunidade LGBTQI+, como iniciativas legislativas que permitem o bloqueio de programas de educação para a afetividade e a sexualidade nas escolas. Também se manteve oficialmente contrária ao reconhecimento legal de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a leis que facilitam a mudança legal de identidade para pessoas trans. Em resposta à falta de inclusão por parte das instituições religiosas tradicionais, iniciativas alternativas surgiram ao longo dos anos, permitindo que católicos da comunidade LGBTQI+ professem sua religião.
Por exemplo, a Comunidade Cristã Ecumênica Inclusiva El Camino, fundada em 2009 em Lima por pessoas LGBTQI+, oferece um espaço inclusivo de culto e espiritualidade aos membros da comunidade LGBTQI+. Na Itália, foi uma associação com propósito semelhante, La Tenda di Gionata, fundada em 2018 que promoveu o acolhimento de pessoas LGBTQI+ na Igreja, organizou a primeira peregrinação jubilar de cristãos LGBTQI+ e suas famílias, prevista para Roma em 6 de setembro.
"Isso acontece porque, embora seja verdade que nos empenhamos por um Estado laico, três quartos do país se declaram cristãos praticantes. A maioria dos membros da nossa associação também vem de famílias católicas ou tiveram uma educação católica desde a infância. Alguns desses jovens, ao longo dos anos, depois se identificaram como LGBTQI+ e, apesar disso, quiseram ainda continuar a professar a sua fé", explica Fhran Medina, presidente da Más Igualdad - Peru e advogado especializado em direitos humanos.
"O Papa Francisco foi tão popular entre nós porque nos fazia sentir bem-vindos, mas também aproximou sacerdotes e fiéis à questão." Em um país católico, o que o Papa diz tem um impacto: a experiência do Papa Leão XIV fora da capital, em áreas mais pobres e discriminadas, é uma grande oportunidade para enviar uma mensagem àqueles que professam a fé católica naquelas áreas", acrescenta Medina, referindo-se ao ministério que Prevost desempenhou ao longo da costa norte do Peru, de Chulucanas, onde começou como missionário agostiniano, a Trujillo e Chiclayo, onde foi nomeado bispo.
A Importância de uma posição
Alex Nuñez nasceu perto de Chulucanas, em Piura, e frequentou uma escola e universidade católicas lá. "Na escola nunca se falava sobre LGBTQI+ e na universidade se falava mal. Crescer em Piura como membro da comunidade LGBTQI+ significa enfrentar muitas barreiras, entre as quais a rejeição e a falta de apoio. No entanto, por meio da nossa organização, estamos assumindo uma postura mais ativa na defesa dos nossos direitos, para que as gerações futuras possam crescer em um ambiente melhor." Nuñez é presidente da Generación Orgullo, uma associação civil peruana fundada em 2020 em Piura, no contexto da pandemia e da crise política do país, dedicada a visibilizar e defender os direitos das pessoas LGBTQI+.
Nuñez relata a importância da eleição do Papa Leão XIV para a associação: "Foi surpreendente porque sabíamos que ele havia trabalhado perto de Piura, onde grupos religiosos conservadores como a Opus Dei criaram um ambiente cada vez mais hostil à diversidade sexual, mas também onde diversas organizações juvenis LGBTQI+ cresceram nos últimos cinco anos", explica Nuñez.
Quando era bispo de Chiclayo, Prevost falou contra o que chamava de "ideologia de gênero" na educação pública e, mais recentemente, referiu-se forma crítica ao "estilo de vida homossexual", explica Nuñez. "Mas também é verdade que ele recomendou a remoção de José Antonio Eguren, Arcebispo de Piura e Tumbes entre 2006 e 2024, fundador do grupo religioso católico Sodalício de Vida Cristã, cujos membros cometeram uma série de casos de abusos contra menores ao longo dos anos e que usou sua influência pública para se opor ao reconhecimento das pessoas LGBTQI+ no Peru", acrescenta.
"Jovens católicos LGBTQI+ existem: estamos nas cidades rurais, entre as populações migrantes e entre os pobres. E enfrentamos violência em nossas famílias, nas universidades, no local de trabalho, de parte do Estado e da Igreja. Mas estamos abertos a nos empenhar com a Santa Sé e as dioceses locais para defender a plena dignidade e a inclusão das pessoas LGBTQI+ na Igreja", diz Nuñez. "Esperamos que o Papa Leão XIV combata ativamente o fundamentalismo cuja influência perpetuou a discriminação contra nós em nossas próprias regiões. Precisamos disso", diz Nuñez.
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