22 Agosto 2025
“A prática da justiça é a chave que abre a porta estreita. A justiça está vinculada ao esforço por uma vida de conversão diária. Somente por meio da prática da justiça o Reino se faz presente entre nós e nos torna aptos a atravessar a porta para o banquete celestial.”
A reflexão é de Marcela Machado Vianna Torres. Ela possui graduação em teologia (2021) e mestrado em teologia bíblica pela PUC-Rio (2021). É catequista de Iniciação cristã para crianças na Escola da Fé, no Centro de Evangelização Nossa Senhora de Guadalupe desde 2017, onde atualmente atua na formação das catequistas através do estudo bíblico. Mestra em Teologia com ênfase em Teologia Bíblica. É membro do Grupo de Pesquisa de Análise Retórica Bíblica Semítica (ARBS), constante no Diretório do CNPq e membra da Rede Brasileira de Teólogas (RBT) onde atualmente atua na Comissão jurídico-financeira.
Is 66,18-21
Sl 116 (117),1.2 (R. Mc 16,15)
Hb 12,5-7.11-13
Lc 13,22-30
O texto está inserido texto está inserido na última parte do livro de Isaías. É obra de um profeta anônimo ou uma escola profética inspirada pelos ensinamentos de Isaías do período pós-exílico. Trata-se de um oráculo de salvação com caráter escatológico e universalista. O texto é dirigido ao povo de Israel em comunhão com outros povos que reconhecem a grandeza de Deus. O oráculo apresenta uma imagem idealizada com o objetivo de animar o povo que retorna do exílio para Jerusalém, principalmente diante de um quadro desolador de destruição da cidade santa e do templo. O oráculo chama a atenção de que Deus conduz o seu povo e que sua ação na história possui dimensões que extrapolam o território de Israel. Os povos estrangeiros que experimentam o Deus de Israel compartilham essa vivência com seus irmãos entre as nações, num movimento que os reúne aos filhos de Israel para formar um único povo. [1]
O Sl 116 (117 na Bíblia Hebraica) é o salmo mais curto das Sagradas Escrituras, com apenas dois versículos, e que reforça a ideia de universalidade presente no texto de Isaías. É uma convocação para que todas as nações louvem a Deus e que todos os povos o glorifiquem por seu amor e fidelidade. [2]
O autor de Hebreus é herdeiro da sabedoria judaica presente em Provérbios 3,11-12, que exorta sobre a relação entre pais e filhos, como uma forma de encorajamento para a vida de toda a comunidade. Para o autor, a disciplina é constantemente necessária porque as pessoas têm uma dificuldade em perceber de imediato o valor desta. O amor necessita de limites e correção. O princípio definido aqui é que o relacionamento determina o propósito da disciplina. Segundo a tradição judaica, os pais que negligenciam a correção dos filhos são deficientes na sua capacidade como pais, e os filhos que escapam a disciplina perdem sua capacidade de entender o valor da sua filiação. [3] Jesus, neste contexto, torna-se um modelo desta relação com o Pai por sua entrega e perseverança.
Jesus atravessa cidades e povoados ensinando ao longo de sua jornada para Jerusalém.
O caminho percorrido por Jesus não é só geográfico, é teológico também. Alguém pergunta a ele se é verdade que são poucos os que se salvam. Jesus responde indiretamente, trazendo a imagem de uma porta estreita que deve ser atravessada para entrar no banquete celestial. No entanto, duas condições são necessárias para a passar por essa porta: a vontade que se desdobra em esforço contínuo, e a conversão que se realiza a partir desse esforço.
A pergunta se poucos serão salvos evidencia uma dificuldade presente dentro do judaísmo e das primeiras comunidades cristãs, a crença de que a totalidade de Israel seria salvo apenas por fazer parte do povo eleito, com exceção de poucos pecadores. O ensinamento de Jesus, em forma de parábola com imagens escatológicas, é ilustrado por um banquete no qual alguns tentam entrar, mas não conseguem, pois, a porta havia sido fechada pelo dono da casa. O diálogo entre o dono da casa e os que desejavam entrar revela que estes o conheciam, tinham aprendido e convivido com ele. Por esse motivo, acreditavam ter direito de participar do banquete. No entanto, o dono da casa argumenta que não os conhece e ordena que se afastem. Jesus fala de uma realidade histórica, pois ele veio para seu povo, os primeiros e foi rejeitado por muitos. Embora sejam herdeiros do Reino, os filhos de Israel que não se esforçarem serão excluídos do banquete escatológico.
O “choro e ranger de dentes” corresponde ao sofrimento dos condenados, que, por não terem acolhido a mensagem de Jesus, tornaram-se os últimos. O fato de serem filhos de Abraão, Isaac e Jacó não garante que se sentarão à mesa com os pais da fé no banquete do Reino. A tradição, por si só, não garante a salvação. Os pagãos, por sua vez, se tornam os primeiros por crerem que Jesus é o Senhor.
A menção da vinda de pessoas do oriente, do ocidente, do norte e do sul, no v.29, evoca as profecias do Antigo Testamento, que anunciam o Senhor reunindo os filhos exilados de Israel dos quatro pontos cardeais. O banquete escatológico reunirá israelitas e gentios numa única família de Deus.
O Reino de Deus é dom, mas é preciso esforço para passar pela porta estreita. Essa porta estabelece um julgamento, pois nem todos conseguirão atravessá-la.[4] A prática da justiça é a chave que abre a porta estreita. A justiça está vinculada ao esforço por uma vida de conversão diária. Somente por meio da prática da justiça o Reino se faz presente entre nós e nos torna aptos a atravessar a porta para o banquete celestial. [5]
Que a liturgia de hoje nos leve a renovar o nosso compromisso com a conversão diária e com a prática da justiça. Que a nossa adesão ao Reino de Deus aqui seja a chave que abre a porta que nos leva ao banquete da comunhão dos santos.
[1] VERMEYLEN, J., Isaías, p. 405-406.
[2] KSELMAN, J. S.; BARRÉ, Michael L., Salmos, p. 1074.
[3] GUTHIRIE, D., Hebreus, p. 237.
[4] MAZZAROLO, I., Lucas, p. 189.
[5] NOLLAND, J., Luke 9:21-18:54, p. 734-735.
GUTHIRIE, Donald. Hebreus: introdução e comentário. São Paulo: Ed. Vida Nova; São Paulo: Ed. Mundo Cristão.
KSELMAN, John S.; BARRÉ, Michael L. Salmos. In: BROWN, Raymond E.; FITZMYER, Joseph A.; MURPHY, Roland E. Novo Comentário Bíblico São Jerônimo: Antigo Testamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2015.
MAZZAROLO, Isidoro. Lucas: a antropologia da salvação. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2004.
NOLLAND, John. Luke 9:21-18:54. Word Biblical Commentary, 35a. Dallas: Word books, 1995.
VERMEYLEN, Jacques. Isaías. In: RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2010, p. 401-418.
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