30 Outubro 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste domingo, 1º de novembro de 2020, Solenidade de Todos os Santos (Mateus 5,1-12a). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A celebração da comunhão de todos os santos do céu e da terra é memória da Igreja una e santa. Os fiéis que, reunidos em torno do altar eucarístico, participam das coisas santas e comungam Aquele que é a fonte de santidade, conhecem a comunhão com os santos que já vivem em Deus: nesta celebração, a Igreja peregrina está mais do que nunca em comunhão com a Igreja celeste, formando juntas o único e total corpo do Senhor.
Mas qual é o anúncio evangélico da santidade? Ele encontra uma síntese muito eficaz nas Bem-aventuranças, as aclamações com as quais Jesus abre o “discurso da montanha” ( Mt 5,1-7.27). Bem sabemos que as Bem-aventuranças dizem respeito à relação entre fé e felicidade: o primeiro e mais elementar sentido das Bem-aventuranças é a felicidade, a alegria de descobrir que, graças à assunção de alguns comportamentos, pode-se entrar em relação com o Senhor Jesus, ele que é o Homem das Bem-aventuranças.
Porém, facilmente nos esquecemos de que as Bem-aventuranças também são paradoxais, são “linguagem da cruz” (1Cor 1,18), capaz de confundir a sabedoria humana (cf. 1Cor 1,19-25)! De fato, quem perscruta a realidade cotidiana naturalmente se pergunta como é possível proclamar bem-aventurados, felizes aqueles que são pobres, aqueles que choram, aqueles que estão famintos de justiça a ponto de serem perseguidos...
No entanto, essas bem-aventuranças saíram da boca de Jesus em uma cultura e em uma sociedade semelhante à nossa, na qual vigorava a lei da força, na qual o que importava era a riqueza, na qual a violência estava a serviço do poder.
Portanto, é preciso reiterar com força que, ontem como hoje, as Bem-aventuranças são escandalosas; e, assim como Jesus, Aquele que as viveu em plenitude, pela sua revelação de Deus, acabou na cruz, então – repito – as Bem-aventuranças são linguagem da cruz.
Porém, não devemos cometer o erro de ler a vida de Jesus Cristo a partir da cruz. Não, o caminho a percorrer é exatamente o contrário: é preciso olhar para a cruz a partir de Jesus, que só chegou a esse fim ignominioso por causa do seu amor vivido “até o fim” (Jo 13,1), um amor capaz de transformar um instrumento de condenação à morte em um trono do qual ele reinou glorioso.
Com toda a sua vida, ele nos revelou que a bem-aventurança não vem de condições externas, mas nasce de alguns comportamentos pelos quais a felicidade é prometida por Deus, comportamentos que devem ser assumidos no coração e devem ser vividos realmente, encarnados dia após dia.
Ser pobre de espírito, antes mesmo de designar uma relação com os bens, indica a condição de quem é livre no coração a ponto de se sentir pobre e é tão pobre no coração a ponto de se sentir livre para aceitar a própria realidade, livre para aceitar as humilhações e para se submeter todos os dias aos outros.
Ser capaz de chorar significa conhecer as lágrimas que brotam não por razões psicológicas ou afetivas, mas porque o nosso coração treme meditando sobre a miséria própria e alheia.
Assumir a mansidão em profundidade significa lutar para renunciar à violência em todas as suas formas, tanto no conteúdo quanto no estilo.
Ter fome e sede de que a justiça e a verdade reinem significa desejar que as relações com os outros sejam regidas não pelos nossos sentimentos, mas pelo ser, pelo querer e pelo agir de Deus.
Ser puro de coração é ter o olhar de Deus sobre tudo e todos, participando da sua makrothymía, do seu pensar e sentir grande.
Praticar a misericórdia e fazer ações de paz significa ser capaz de esquecer o mal que os outros nos fizeram, à imagem de Deus que não se lembra dos nossos pecados (cf. Is 43,25).
Ser perseguido e caluniado por amor de Jesus significa ter uma prova de que verdadeiramente se segue o Senhor, porque nem todos falam bem de nós (cf. Lc 6,26).
Quem se encontra nessas situações, quem luta para assumir tais atitudes, ouvindo as palavras de Jesus, pode se sentir em comunhão com ele e, assim, experimentar a bem-aventurança: é uma alegria profunda, uma alegria que pode ser sentida também chorando, uma alegria que nada nem ninguém pode nos roubar (cf. Jo 16,23).
Então, realmente “não estamos sós, mas nos sentimos envolvidos por uma grande nuvem de testemunhas” (cf. Hb 12,1) que nos precederam, os santos. E a bem-aventurança é aquilo que nos une a eles: eles, porque a vivem plenamente no céu; nós, porque começamos a experimentá-la aqui na terra, na nossa vida cristã.
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Uma comunhão mais forte do que a morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU