15 Agosto 2025
Um estudo inédito do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), obtido com exclusividade pela Repórter Brasil, mostra que partes da maior floresta do mundo encontram-se em estado de degradação mais intenso do que se estimava. Para produzir a publicação, pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras revisaram dados coletados ao longo de quatro décadas.
A reportagem é de Hélen Freitas, publicada por Repórter Brasil, 14-08-2025.
“O colapso da Amazônia está acontecendo agora, não daqui a 30 anos”, alerta Paulo Brando, professor da Universidade de Yale e pesquisador associado ao Ipam.
O alerta chega em um momento crítico. Em 8 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com 63 vetos, a nova lei de licenciamento ambiental, apelidada por ambientalistas de “PL da Devastação”.
O texto, que voltará a ser analisado pelo Congresso, contou com apoio da bancada ruralista — os parlamentares já sinalizaram o plano de derrubar parte dos vetos. O governo federal, por sua vez, busca manter a decisão de Lula e promete discutir alternativas.
Mesmo com a manutenção de alguns dispositivos de proteção, especialistas alertam que a lei pode acelerar a liberação de grandes empreendimentos na Amazônia, ampliando a pressão sobre um ecossistema que, segundo a pesquisa do Ipam, já dá sinais concretos de colapso.
Grande parte dos estudos sobre o futuro da Amazônia se concentra na hipótese de um “ponto de não retorno” climático — uma mudança abrupta e irreversível em toda a região, causada por um ciclo de retroalimentação entre desmatamento e alterações no clima local.
Nesse cenário, conhecido como “efeito dominó”, a derrubada de florestas em um ponto reduz a umidade, prejudica a regeneração da mata nativa e afeta áreas vizinhas, desencadeando uma degradação em cadeia.
A pesquisa liderada por Brando, no entanto, não encontrou evidências de que esse ponto único e simultâneo esteja prestes a ocorrer em toda a Amazônia. O que os pesquisadores apontam como mais urgente é outro mecanismo: o “efeito martelo”.
O conceito descreve as pressões diretas e contínuas exercidas pela ação humana, como desmatamento, queimadas, exploração madeireira, fragmentação e perda de fauna. Somadas, essas atividades degradam a floresta e reduzem sua capacidade de resistir a crises climáticas.
A diferença entre os dois cenários é decisiva para a política ambiental. Enquanto o “efeito dominó” representa um colapso irreversível depois de iniciado, o “efeito martelo” ainda permite reversão, desde que as diferentes fontes de pressão sobre o meio ambiente sejam contidas.
“Se a gente tira o efeito martelo, não necessariamente a bola de neve já foi. Ou seja, dá para recuperar. Tem uma grande chance de esse sistema sobreviver”, afirma Brando.
A área sob alertas de desmatamento na Amazônia aumentou 4% em 2025, alcançando 4.495 km² — o equivalente a três municípios de São Paulo. Os dados, divulgados pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) na última quinta-feira (7), referem-se ao período de 1º de agosto de 2024 a 31 de julho de 2025 e têm como base o sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
A novidade é a participação do fogo: ele foi responsável por 15% da área desmatada, ante 5% no ciclo anterior. Segundo o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, o aumento está diretamente ligado às secas históricas de 2024 e ao uso deliberado de incêndios como método de derrubada.
“Grileiros e os degradadores passam a contar com um aliado novo que é a mudança do clima, e passam a usar o incêndio como uma ferramenta de desmatamento porque sabem que o corte raso vai gerar uma punição intensiva”, afirmou o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, durante a coletiva de imprensa.
Para Brando, o fogo é hoje um “catalisador” da degradação, especialmente em áreas mais secas e fragmentadas. O estudo mostra como a interação entre mudanças climáticas, secas extremas e distúrbios florestais tem aumentado a inflamabilidade em toda a bacia.
O desmatamento, no entanto, segue sendo “o martelo mais potente”. A derrubada abre espaço para gramíneas invasoras. Somadas ao fogo, elas formam um ciclo vicioso que dificulta a regeneração da floresta.
Embora todo o bioma esteja sob pressão, a pesquisa aponta a região sudeste da Amazônia, que abrange o chamado “Arco do Desmatamento”, como a mais afetada. Ali, a combinação de desmatamento, mudanças climáticas, fogo e fragmentação está acelerando a perda de cobertura florestal e criando novos tipos de ecossistemas empobrecidos.
Hoje, cerca de 70% das chamadas “áreas convertidas” na Amazônia brasileira (onde a mata nativa já foi derrubada para atividades econômicas) viraram pastagens. Trata-se, em sua maioria, de perímetros degradados, de baixa produtividade e baixo retorno econômico.
Embora o Código Florestal permita o desmatamento de até 20% da vegetação nativa em propriedades privadas no bioma, Brando ressalta que a maior parte da derrubada na Amazônia é ilegal. A irregularidade está ligada a redes de grilagem (apropriação privada de terras públicas), exploração madeireira clandestina e avanço sobre áreas protegidas.
“Do ponto de vista climático, não importa se é legal ou ilegal: o impacto é o mesmo, mas desmatamento ilegal tem consequências adicionais mais graves, como aumento da violência e perda de governança, o que desestabiliza populações locais e ribeirinhos que têm uma forte conexão com a floresta.”, explica o pesquisador.
Um estudo recente do Instituto Serrapilheira mostra que 80% das áreas do agronegócio brasileiro dependem das chuvas geradas em terras indígenas da Amazônia. As precipitações irrigam 18 estados e o Distrito Federal, alcançando biomas como Cerrado, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica. Sem esse aporte, a produção agrícola de larga escala fica vulnerável a perdas e instabilidade.
Para conter o avanço do efeito “martelo”, Brando defende ações combinadas: compromissos de desmatamento zero em setores como soja, carne bovina, óleo de palma, cacau e madeira; incentivo a sistemas agroflorestais e de integração lavoura-pecuária; linhas de crédito e pagamentos por serviços ambientais; e o fim de subsídios a atividades destrutivas.
“Reduzir o desmatamento é a primeira linha de defesa para evitar o colapso da Amazônia. Sem isso, qualquer outra medida perde eficácia”, conclui o pesquisador.