08 Agosto 2025
TPG e Brookfield, gigantes no ramo de energias renováveis, são financiadores e pretendem deslocar o foco da justiça climática para a rentabilidade de mercados
O artigo é de Melka Barros, publicado por ((o))eco, 07-08-2025.
Melka Barros é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará, mestre em ciências jurídico-econômicas pela Universidade do Porto, pesquisadora em direito socioambiental, regulação econômica e desenvolvimento territorial, membro do Instituto Vozes da Terra e da Teia dos Povos.
Muito tem se falado sobre a COP30 e a escolha da cidade amazônica de Belém com o objetivo de tornar esta uma “COP da Amazônia” com foco em justiça social e ambiental. Desde então, Belém está no centro do mundo e se transformou em um grande canteiro de obras para receber a trigésima Conferência das Partes. É inegável que a preparação para a COP aprofundou a especulação imobiliária, a desigualdade social e a urbanização das áreas de florestas que deveriam ser protegidas, consequências sempre presentes em grandes eventos internacionais, como a copa e as olimpíadas, por exemplo.
O contrato de R$ 478,3 milhões com a Organização dos Estados Ibero-Americanas (OEI) para realização de ações administrativas, organizacionais, culturais, educacionais, científicas e técnico-operacionais, em conformidade com o plano de trabalho da COP30 também esteve no centro das discussões desde março de 2025, quando o Tribunal de Contas da União apontou possíveis irregularidades e ausência de licitação.
No entanto, pouco tem se falado sobre o financiamento de um evento do porte da COP30 e do fundo climático que deve ser divulgado durante sua programação. O financiamento de uma COP é sustentado pelo tripé: país sede, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e patrocinadores privados.
No caso da COP30, os principais financiadores são dos setores de mineração, agronegócio e energias renováveis. A Vale é uma das patrocinadoras e lidera com 40% os conflitos no setor da mineração no Brasil, que até 2020 já havia atingido mais de um milhão de pessoas no país, e é responsável por 20,9% das ameaças a quilombolas que atuam em defesa de seus territórios, de acordo com o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
A JBS, outra patrocinadora, foi multada em R$ 615,5 mil pelo Ibama no ano passado por compra de carne de área desmatada. A Norsk Hydro, multinacional norueguesa, é outra patrocinadora da COP30 e está sendo processada na corte europeia com cinco ações da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama) por despejo de bauxita, um mineral tóxico, que atingiu em 2018 a comunidade Barcarena e vilas de Abaetetuba, no Pará. Esse tipo de patrocínio gera debates sobre greenwashing corporativo, que acontece quando empresas se posicionam como “verdes” mas mantêm operações prejudiciais para o meio ambiente e os povos e comunidades tradicionais.
Além do valor que grandes empresas destinam a patrocinar o evento, COPs movimentam centenas de bilhões de dólares em promessas de financiamento climático. O Brasil negocia com grandes investidores como TPG e Brookfield, com apoio do BNDES, para mobilizar cerca de R$ 20 bilhões para financiamento climático. A TPG é uma empresa norte-americana que investe em energias renováveis, baterias e hidrogênio verde. A Brookfield Corporation é uma empresa canadense que atua globalmente com foco em gestão de ativos alternativos, incluindo real estate, infraestrutura e energia solar, eólica, biomassa e hidrelétricas.
Teoricamente as COPS são reuniões de líderes internacionais para discutir e encaminhar assuntos importantes relativos às mudanças do clima e proteção ambiental, que contam com maior ou menor participação popular, mas sempre reduzida, seletiva e vigiada. Nos bastidores, no entanto, a COP é também uma feira internacional de negócios verdes, com pavilhões de representantes comerciais e reuniões entre grandes empresas e representantes dos governos.
E o nó da questão reside no fato de que megaempreendimentos de energias renováveis são a resposta do capitalismo às mudanças climáticas. A continuidade do modo de produção capitalista reside na capacidade que o mercado tem de responder às diferentes crises econômicas. Nesse contexto, usinas de energia renovável são apresentadas pelos governos e empresas como uma solução para o problema macroeconômico das mudanças climáticas, pois garantem a acumulação do capital, especialmente em tempos de crise, um negócio que mobiliza bilhões de dólares, vindo sobretudo de empresas estrangeiras que funcionam no país através de filiais e holdings. Portanto, não promovem nem buscam promover verdadeiramente justiça climática e sim o próprio lucro, mesmo que para isso causem desterritorialização de povos tradicionais e violação de direitos de comunidades locais, especialmente no Sul Global.
Os primeiros impactos ocorrem durante a instalação das usinas, com a ação grileira de empresas que tomam posse de terras ocupadas há centenas de anos por comunidades rurais ou da zona costeira. A ocupação pode se dar através da compra forçada da terra por meio de assédio ou técnicas violentas de convencimento, da desapropriação indireta por meio de ações judiciais em que alegam “interesse público” na produção de energia ou da incorporação das terras de posseiros ao patrimônio das empresas por meio de georreferenciamentos e fraudes cartoriais.
Quando as empresas não conseguem comprar ou se apropriar de forma ilegal das terras, impõem contratos de arrendamento abusivos que não preveem garantia de renda mínima, com prazos de vigência exorbitantes e multas unilaterais aos proprietários em caso de desistência, tornando gerações da mesma família reféns dessas empresas. A ação grileira de empresas desenvolvedoras de projetos de energia eólica e solar fazem com que muitas famílias percam suas moradias, o local onde plantam e criam animais, e o acesso à praia onde pescam, porque privatizam essas terras, comprometendo a qualidade de vida, a autonomia alimentar e a própria subsistência.
Um artigo publicado em 2024 na revista Nature Sustainability que cruza dados fundiários e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), aponta que 574 usinas de geração de energia eólica no Brasil ocupam um total de 2.148 km², a maioria na região nordeste, e que 64% dessas usinas estão sobre propriedades privadas em que a titulação ocorreu poucos anos antes ou logo depois dos primeiros investimentos, concluindo que grande parte das privatizações está diretamente ligada ao desenvolvimento do parque. Chamamos esse fenômeno de estrangeirização das terras. Mesmo que empresas estrangeiras não possam comprar mais de 50 módulos fiscais de terras no Brasil segundo a Lei 5.709/1971, suas filiais ou holdings brasileiros podem.
O processo de implantação de usinas de energia eólica e solar também impacta o aspecto espiritual do território na cosmovisão de povos indígenas: os cemitérios e os locais de culto e celebração (uma árvore, um olho d’água, uma serra, o mar), são frequentemente destruídos ou privatizados por empresas para desenvolvimento desses projetos. A memória também é impactada pelas obras que envolvem construção de usinas, pois os sítios arqueológicos são omitidos nos estudos ambientais e destruídos no processo de implantação. Por fim, a instalação de usinas de energia renovável provoca a supressão da vegetação local, de importância para o alimento e o espírito de povos tradicionais e também para captação de carbono.
Quando as usinas começam a operar, novos impactos surgem para vida de quem mora no entorno. No caso da energia eólica as consequências para a saúde humana de quem vive próximo a uma usina estão documentadas no dossiê da Fiocruz em que pesquisadores estudam a “síndrome da turbina”, causadora de insônia, irritabilidade, dores de cabeça e ansiedade, provocados pelo ruído constante e pelos infrassons emitidos pelo funcionamento das torres eólicas. Soma-se a isso, o desmoronamento de casas frágeis e o crescimento de doenças respiratórias associadas ao trânsito de caminhões nas estradas de terra dos povoados.
Os processos de estudo e implantação de usinas eólicas e solares em nossos territórios não estão precedidos pela consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades afetados, descumprindo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que foi internalizada através do Decreto 5.051/2004 e tem valor de emenda constitucional por força do art. 5º, §3º da Constituição15. Protocolos de consulta e consentimento são documentos elaborados por povos e comunidades tradicionais de forma autônoma, sem a participação do Estado ou empresas. Esses documentos definem como cada povo e comunidade deve ser consultado, respeitando suas cosmovisões, modos de vida, gestão do território e organizações políticas.
É possível e necessário se questionar se a transição energética da forma como está sendo planejada e executada no Brasil é realmente uma solução para o problema das mudanças climáticas ou um novo arranjo do latifúndio colonialista, por meio da estrangeirização de terras e mares brasileiros, um processo de controle do nosso território para geração de lucro das grandes empresas estrangeiras que atuam sob a justificativa de agenda contra o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Uma estratégia eficaz e com reconhecimento científico para combater os efeitos adversos das mudanças climáticas é a demarcação e proteção de territórios de povos e comunidades tradicionais e a criação de mais unidades de conservação. Um relatório econômico produzido pelo World Resources Institute atesta que a posse e o respeito aos direitos comunitários em áreas florestais indígenas bacia Amazônica em Bolívia, Brasil e Colômbia é uma solução de baixo custo, que pode ajudar governos a atingirem seus objetivos climáticos em suas Contribuições Determinadas Nacionalmente (CDNs).
Portanto, para discutir e encaminhar formas de financiamento para justiça climática, a COP30 deve se deter menos em compromissos com implantação de megaempreendimentos de energias renováveis e mais com a proteção das matas e dos povos tradicionais que nela habitam. No entanto, isso exige repensar o formato do próprio evento e a capacidade que os patrocinadores têm de influenciar as decisões e compromissos globais.