25 Julho 2025
"É urgente que em toda a Europa levantemos a voz e obriguemos os nossos governos a não mais se esconderem por detrás de interesses e de uma culpa assumida, mas não resolvida. Se nada fizermos, amanhã teremos, além da culpa do Holocausto, a culpa de um genocídio. Haja coragem para salvarmos a nossa humanidade", escreve José Centeio, escritor português e colaborador do portal 7Margens, em artigo publicado por 7Margens, 24-07-2025.
Assuntos sobre os quais escrever infelizmente não faltam. Poderia escrever sobre a revisão do currículo da disciplina de Cidadania retirando dele a educação para a sexualidade – e afetividade acrescento eu, porque não existe uma sem a outra. Sobre essa ideia bacoca de que educar para a sexualidade é ensinar a perversão às nossas crianças. Poderia talvez escrever sobre o bairro do Talude, em Loures (7MARGENS), e a crise da habitação, sobre a indiferença dos políticos e decisores perante a urgência do problema e da pobreza que se alastra condenando muitas pessoas a uma existência indigna neste nosso século XXI.
Mas é sobre Gaza que quero falar, não porque os outros assuntos sejam menos importantes, mas porque em Gaza se joga definitivamente o nosso futuro enquanto sociedade de valores, de princípios e de direitos que muitas décadas levaram a construir com o esforço, compromisso e risco de gerações. No mínimo prestemos-lhes tributo honrando a sua memória e sendo-lhes gratos. Têm sido várias as notícias sobre Gaza no 7MARGENS. Relembro que o 7MARGENS e seis meios de informação religiosa da Europa e Brasil lançaram uma carta aberta aos governos e líderes da União Europeia pedindo o fim do comércio entre UE e Israel. Mas entre intenções e interesses tudo ficou na mesma. E os meios de comunicação social no nosso país ignoraram quase por completo a iniciativa (exceção à TSF e ao Sapo24), preferindo continuar a alimentar uma narrativa que em nada belisca as intenções de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel.
Infelizmente Gaza continua a alimentar as páginas dos jornais e a abertura dos telejornais, passando pelas redes sociais. Ainda infelizmente, continua a noticiar-se Gaza como uma guerra entre um Estado dito democrático e indefeso e um território que há muito luta pelo direito a ser Estado, mas que se tornou num antro de terroristas de que o 7 de outubro de 2023 foi a prova evidente que a todos chocou. E, na verdade, pelo ódio, pela raiva, pela crueldade, que esse horror, que essa violência transportava, tal ato não podia deixar ninguém indiferente. Todos nós condenámos o horror e outorgamos a Israel o “direito à defesa”. Acontece que Israel, com o apoio de uns e o silêncio de outros, se aproveitou do “direito de defesa” para continuar a limpeza étnica que sempre esteve no horizonte do atual governo. Aproveitou a seu belo prazer o motivo e a oportunidade que, segundo algumas teses, foi pelo próprio governo de Israel consentida. Recordo que antes do 7 de outubro, circulavam notícias de que o governo israelense procurava estabelecer acordos com outros países para a deslocação dos palestinos.
E, de repente, esqueceu-se a história, a ocupação, os ataques quase quotidianos dos colonos israelenses na Cisjordânia, as resoluções das Nações Unidas (UE) e o seu não acatamento, para existir apenas um Estado com direito a defender-se e um grupo de terroristas malfeitores incapazes de respeitar a vida humana. Como por milagre, parecia que a história tinha começado nesse dia e tudo o que estava para trás era esquecido num ápice. A Nakba (Tragédia) há 77 anos (1948) e a expulsão de 750.000 palestinos dos territórios que foram ocupados por Israel durante a primeira guerra israelo-árabe parece nunca ter existido. Os ataques dos colonos israelenses – quase uma espécie de milícia – que sempre entraram pela Cisjordânia dentro, ultimamente têm aumentado as suas investidas com o beneplácito do mundo. Na imprensa portuguesa têm sido vários os relatos dessa violência fingida e hipocritamente ignorada.
Deixemo-nos de subterfúgios e de discussões semânticas. Ao contrário do que nos querem fazer crer, Gaza não é uma guerra, é um genocídio de um povo. Não existem contendores, mas uma força militar, um país, um governo, que em nome de um “direito de defesa” e chantageando a culpa ocidental pelo Holocausto, se julga autorizado ao extermínio de um povo, seja pelas bombas sobre populações indefesas, seja pela imposição da fome, seja ainda pelo inaceitável assassínio de quem procura comida em lugares a isso destinados. Gaza é o cemitério da nossa humanidade. E quando escrevo “nossa” é a de todos, desde o anónimo cidadão até aos decisores, sem esquecer a responsabilidade da UE e dos seus governos.
Não podemos continuar a ser cúmplices deste genocídio e deixar que o mal continue a achar que o seu poder é maior que qualquer força do bem. É urgente que levantemos a voz, que façamos da rua (como fizemos noutras situações) o nosso espaço público e afirmemos o quanto nos envergonha a posição do nosso Governo e da UE. É urgente que em toda a Europa levantemos a voz e obriguemos os nossos governos a não mais se esconderem por detrás de interesses e de uma culpa assumida, mas não resolvida. Se nada fizermos, amanhã teremos, além da culpa do Holocausto, a culpa de um genocídio. Haja coragem para salvarmos a nossa humanidade.