24 Julho 2025
Estudo inédito da organização Conservação Internacional confirma atuação dos povos afrodescendentes como guardiões da natureza e mostra que territórios quilombolas no Brasil, Colômbia, Equador e Suriname preservam mais floresta do que áreas semelhantes nos mesmos países amazônicos.
A reportagem é publicada por InfoAmazonia, 23-07-2025.
Os territórios quilombolas em quatro países amazônicos podem ser, agora, oficialmente considerados como guardiões da floresta – fenômeno similar ao que já acontece nos territórios indígenas. Estudo inédito da organização Conservação Internacional, publicado ontem (22) na revista Communications Earth and Environment, do grupo Nature, revela que o desmatamento em territórios afrodescendentes titulados no Brasil, Colômbia, Equador e Suriname, têm taxas de 29% a 55% menores do que áreas similares.
“Os povos afrodescendentes das Américas serviram por muito tempo como guardiões do meio ambiente sem reconhecimento nem compensação, inclusive, a maioria de seus territórios nem sequer está formalmente reconhecida”, lamenta Martha Cecilia Rosero Peña, Ph.D., diretora de Inclusão Social na Conservação Internacional. “No entanto, a evidência é indiscutível; o mundo tem muito a aprender com suas práticas de gestão territorial.”
O estudo compara quilombos titulados de todos os biomas dos quatro países latinoamericanos com áreas parecidas, exceto territórios indígenas. “São áreas fora dos territórios quilombolas que apresentam características mensuráveis semelhantes, incluindo cobertura florestal inicial, uso e proteção da terra, tempo de viagem até cidades, elevação, entre outros”, explica Sushma Shrestha, diretora de Ciência Indígena, Pesquisa e Conhecimento na Conservação Internacional e principal autora do artigo.
No Brasil, apenas 4,3% da população quilombola reside em territórios titulados segundo dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população total quilombola do país, o que inclui territórios não titulados, é de 1,32 milhão de pessoas, ou 0,65% do total de brasileiros.
De acordo com o levantamento da Conservação Internacional, além do desmatamento menor, esses territórios latinoamericanos têm maiores quantidades tanto de biodiversidade quanto de carbono irrecuperável (o carbono armazenado em ecossistemas naturais que, se perdido, não pode ser recuperado em menos de 30 anos). Mais da metade dessas terras (57%) estão entre os 5% de áreas mais biodiversas do planeta – no Equador, esse índice chega a 99%. Ao todo, esses territórios quilombolas armazenam mais de 486 milhões de toneladas de carbono irrecuperável, o que torna sua preservação, sob gestão das comunidades, essencial para prevenir os efeitos mais graves das mudanças climáticas.
O artigo é a primeira pesquisa que combina dados estatísticos, espaciais e históricos para quantificar o papel dos povos afrodescendentes na proteção da natureza. A pesquisa é publicada após o reconhecimento formal do ano passado pela Convenção sobre Diversidade Biológica na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16), sobre o papel vital que pessoas afrodescentes possuem na conservação da biodiversidade e nas metas de conservação global. A sua divulgação acontece enquanto o Brasil se prepara para sediar a cúpula climática da ONU (COP30), colocando o foco internacional no papel das Américas diante das mudanças climáticas.
As descobertas do estudo ressaltam uma lacuna. Embora quase uma em cada quatro pessoas na América Latina se identifique como afrodescendente, esses povos estão sub-representados em fóruns ambientais globais, incluindo as cúpulas de clima e biodiversidade da ONU, onde são definidas políticas, financiamento e decisões de liderança.
“Durante séculos, as comunidades afrodescendentes têm gerido paisagens que sustentam tanto as pessoas quanto a natureza, no entanto, suas contribuições continuam sendo e grande parte invisíveis”, lamenta Shretha. “Esta pesquisa deixa claro que sua gestão ambiental não é apenas histórica. Está em curso e deve ser reconhecida, apoiada e tomada como exemplo.”
O estudo faz um chamado à adoção de medidas similares às que ainda são necessárias para os povos indígenas e comunidades locais, cujas contribuições para a conservação e direitos sobre a terra seguem sem ser plenamente reconhecidas, apesar da sólida evidência científica existente. A recomendação da organização é que esses territórios quilombolas sejam reconhecidos, que exista mais pesquisa e financiamento para apoiar os afrodescendentes e seu trabalho de conservação e que as práticas sustentáveis desses povos sejam integradas pelas políticas climáticas e de biodiversidade globais.
“As comunidades afrodescendentes protegem ecossistemas críticos. Este estudo pioneiro quantifica seu impacto e demonstra que justiça, segurança da posse da terra e ganhos em biodiversidade estão alinhados. As negociações globais que buscam impacto real deve colocar a liderança afrodescendente no centro, e o Fórum Permanente as apoia para garantir esse espaço”, disse o Embaixador Martin Kimani, Presidente do Fórum Permanente da ONU para Pessoas de Ascendência Africana.
“A titulação coletiva de terras para comunidades afrodescendentes é um mecanismo comprovado e eficaz para a conservação ambiental, contribuindo significativamente para a preservação de ecossistemas estratégicos na América Latina e no Caribe”, disse Angélica Mayolo, ex-ministra da Cultura da Colômbia e bolsista MLK na Iniciativa de Soluções Ambientais do MIT, originária do centro afrodescendente de Buenaventura, Colômbia.
A pesquisa foi realizada pela Conservação Internacional, em colaboração com a Iniciativa de Soluções Ambientais do MIT, o Smithsonian Environmental Research Center, a Universidade da Flórida e a Universidade de Nova York.