23 Julho 2025
Entrevista com o pai da menina que morreu de desnutrição no domingo: "Alguém nos deu leite, mas não foi suficiente. Os últimos três meses foram um inferno".
A entrevista é de Fabio Tonacci, publicada por La Repubblica, 23-07-2025.
“Eu vi minha filha Razan morrendo de fome. Eu estava lá ao lado dela e não consegui evitar. Eu não tinha nada para lhe dar, nem leite, nem um pedaço de pão. Como você pode deixar um pai nesse estado de desamparo? Por que o mundo não nos vê? Por que o mundo não vê Gaza? Eu me sinto culpado, eu me odeio. Eu sei que há guerra, eu sei que não há comida porque Israel nos trancou aqui, mas eu não fui capaz de alimentar minha pequena Razan”. Maher Abu Zaher, 43, tinha cinco filhos até alguns dias atrás. Razan, de 4 anos, morreu de desnutrição no domingo, 20 de julho, às 6h. Um mês atrás, quando ela já estava esquelética, ela foi hospitalizada e sua condição piorava dia a dia.
Maher Abu Zaher conta sua história ao Repubblica.
Como ela era antes da guerra?
Ela estava bem, uma criança como qualquer outra. Morávamos na aldeia de Almoghraga, no centro da Faixa de Gaza. Então, a força aérea israelense começou a bombardear aquele mesmo lugar, então nos abrigamos em uma escola da UNRWA no campo de refugiados de Nuseirat. Durante um dos muitos ataques, Razan teve um ataque de pânico. Ela tinha cólicas e tremia de medo. Sua saúde começou a piorar, mas inicialmente a mantivemos sob controle, levando-a ao Hospital Al Aqsa, onde lhe deram leite, comida e remédios. Ainda tínhamos suprimentos.
Razan Abu Zaher bebê (Foto: Arquivo pessoal).
Era o você quem cuidava dela ou sua esposa Tahir?
Trabalhávamos em turnos. Durante o dia, eu ficava no hospital com ela e, à noite, voltava para o campo de refugiados para dormir com meus outros filhos, enquanto minha esposa ficava com Razan. As internações duravam duas ou três semanas. Quando levamos Razan de volta para a escola da UNRWA, ela estava assustada. Meus outros filhos também estavam apavorados com as bombas, mas não tanto quanto ela. Por muito tempo, recebemos ajuda de ONGs palestinas e internacionais; às vezes, eu recebia comida de cozinhas comunitárias. Nos últimos três meses, porém, as coisas pioraram.
O que aconteceu?
Israel bloqueou as travessias e impediu que ajuda e medicamentos chegassem a Razan. A saúde de Razan estava se deteriorando; ela precisava de sustento, mas nada entrava na Faixa de Gaza. Onde eu poderia encontrar comida? Algumas cozinhas estavam fechadas, outras bombardeadas. No início, alguns amigos e parentes arrecadaram dinheiro e trouxeram comida para Razan, mas, a certa altura, todos ficaram sem comida.
Ela não comeu nada?
Eu não tinha nada! Não tinha leite, nem farinha, nem arroz, nem macarrão. Nem fraldas. Minha esposa embrulhou Razan em papel higiênico, e depois ficamos sem ele também, e um rolo custa 20 shekels (cerca de 5 euros, segundo apuração), então usamos trapos que depois lavávamos em poças d'água e reutilizávamos.
Você já tentou ir a um dos centros da Fundação Humanitária de Gaza?
Meu filho de 15 anos foi embora sem me avisar; não conseguiu levar nada, nem um saco de farinha. Quando voltou, ordenei que nunca mais fizesse isso, porque nesses lugares a vida corre risco. Às vezes, algumas pessoas vinham até nós com latas de leite, dando uma colherada para cada um dos meus filhos. Não era o suficiente. Os últimos três meses foram um inferno.
O que você fez?
Quando foi hospitalizada pela última vez, a saúde de Razan estava comprometida. Nem os médicos e enfermeiros tinham comida para alimentá-la. Quando penso em Razan, penso que a vida comigo era dura. Antes do conflito, eu era dono de restaurante, cozinhando shawarma para todos, agora sou pai de uma filha que morreu de fome. Ela morreu diante dos meus olhos. E eu me odeio.