24 Julho 2025
"Há quem arrancou os cabelos ao ler a palavra genocídio usada por Francisco num livro, mas em Gaza estamos além da loucura, está em ação o mal mais desenfreado e sem lógica. O assassinato de crianças na fila por um punhado de arroz clama por justiça a Deus", afirma o Cardeal Augusto Paolo Lojudice, que acaba de completar 61 anos. Ele é juiz do Supremo Tribunal do Vaticano, colega de Robert Francis Prevost no Dicastério dos Bispos por cinco anos, presidente do Episcopado Toscano, arcebispo de Siena e Montepulciano, membro do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Italiana (CEI) e presidente honorário do Observatório sobre os Menores "Fonte d'Ismaele", seguindo os passos do missionário jesuíta Pe. Paolo Dall'Oglio, desaparecido na Síria em 2013.
A entrevista com Augusto Paolo Lojudic é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 21-07-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na Terra Santa, o senhor liderou uma delegação de bispos. Que realidades encontrou?
"A esta altura, a pedra já rolou e qualquer justificativa geopolítica desapareceu. Diante da atual escalada de atrocidades, ninguém mais diz que é justo que Israel se defenda. Li no La Stampa o diário lancinante de uma mãe na Faixa de Gaza; uma descrição vívida do massacre em curso. O massacre de inocentes clama aos céus por vingança. Não podemos mais deixar de denunciá-lo”.
Netanyahu não vai parar. Está realmente isolado?
“Ele não vai parar porque é um tirano que persegue um projeto sombrio e sangrento de poder. Exceto por Donald Trump, a quem só interessa vender armas, ninguém mais aceita suas autolegitimações. Na outra noite, na Abadia Cisterciense de San Galgano, a Caritas organizou um concerto beneficente. No final, veio falar comigo uma senhora da comunidade judaica, quase em lágrimas, em tom de desculpas. Abracei-a e disse-lhe que a pertença religiosa não tem nada a ver com isso. Como pode alguém que comete tais atrocidades e tem dezenas de milhares de vítimas na consciência se olhar no espelho? Não há nada de razoável numa carnificina; é a maldade se instalando e apagando qualquer senso de humanidade".
O bíblico "olho por olho, dente por dente"?
"Estamos muito além disso. Nenhuma violência pode instrumentalizar o nome de Deus. Em Jerusalém, ouvi grupos fundamentalistas usar as Escrituras como escudo para desrespeitar os direitos humanos. Na realidade, não há mais como tentar uma explicação. A leitura fundamentalista da Bíblia clama pela destruição total do inimigo? Uma mistificação, porque fala em abater o mal, não em exterminar crianças. Quando se distorce o Antigo Testamento, se faz com que diga o que se quer. Nem todos os judeus fazem isso. Em Israel, setores fundamentalistas estão agora no comando, que combinam o fundamentalismo com políticas de extrema direita em uma busca insana pelo poder absoluto. O direito da força humilha a força do direito. Por causa de escolhas insensatas, cometem as mesmas atrocidades cometidas contra eles. Se o tirano não for detido, não há saída. A vida perdeu todo o valor diante do ganho econômico da indústria da morte e da riqueza usada como opressão”.
E os bombardeios contra as igrejas?
“Leão XIV invocou a proteção dos lugares sagrados. Não creio que tenha sido um ataque direcionado, mas sim o resultado do caos em que a situação descambou. Tudo estão sendo alvejado indistintamente. Netanyahu teve que pedir desculpas e, em um clima envenenado, tal ato não era conveniente para ninguém. O cristianismo tem uma força que transcende todas as fronteiras. Derruba os muros do ódio a que primeiro Francisco e agora Leão opõem as pontes do diálogo. O sonho de ver Gaza pacificada foi negado a Bergoglio, esperemos que do alto ele nos ajude a realizá-lo. Não há necessidade de se questionar sobre as causas de ações criminosas como as da Faixa. O desenrolar de uma violência cega e cruel reverberará através das gerações por décadas, semeando a discórdia. A presença cristã se destaca como um oásis profético que testemunha a possibilidade de outro modo de viver na mesma terra”.
O que pede à comunidade judaica com a qual dialoga?
“O momento de consciência que tiveram poucos intelectuais que foram imediatamente injuriados por se recusarem a aceitar as atrocidades que ocorrem em Gaza. Espero pouco, porém, daqueles que do outro lado do oceano só têm interesse em vender armas. Mas, a longo prazo, a guerra cansa a todos. Os estadunidenses puderam ver isso no Vietnã. E o déspota Vladimir Putin está vivenciando isso, prevalecendo a um preço altíssimo na Ucrânia, enquanto o país exausto não aguenta mais e os jovens russos gostariam de virar a página. Em Gaza, o horror terminará quando o interesse dos mercadores da morte não será mais vantajoso comparado com os danos causados às sociedades e à comunidade internacional. Eu também falaria com Netanyahu sobre isso”.
O que gostaria de dizer a ele?
"Não é possível que a consciência de um crente em Deus possa ir tão longe. Se um ser humano afirma crer em Deus, não pode cometer tamanha quantidade de atrocidades. A menos que sua consciência esteja obnubilada como aquela do Rei Davi, que tirou a única ovelha do pobre. Mas ele, quando percebeu isso, começou a sua conversão".
Ontem, Leão disse não à barbárie das punições coletivas e do deslocamento forçado da população...
"Não é caçando um povo que se pacifica uma terra. Trabalhar juntos é a única maneira de proteger os inocentes. O que vi na Terra Santa é inaceitável, é uma devastação ética e material que corrói você por dentro e nunca poderá esquecer. Em Gaza, os civis são as vítimas do conflito e a dignidade humana é pisoteada mais a cada dia. Devemos nos mobilizar para deter a tragédia de uma guerra horrível, cada vez mais insensata e totalmente desprovida de qualquer justificativa humana e moral. Não podemos nos permitir esquecer que não são alvos que estão sendo atingidos, mas pessoas com uma alma e uma dignidade. O uso e a posse de armamentos capazes de arrasar a ‘casa comum’ é uma abominação para a qual virá o juízo divino".