Maior retrocesso ambiental em décadas, PL da devastação abre caminho para consolidar o Brasil como país negacionista. Destaques da Semana no IHU Cast

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 19 Julho 2025

No Sul Global, guardadas as proporções, diferentes formas de genocídio. Seja por meio de leis, de bombas ou de jagunços. Esses atos, que parecem pequenos, somados, inviabilizam não só a vida humana, mas também o círculo de biodiversidade que forma a Terra. Podemos tomar os ataques e os assassinatos brutais aos povos indígenas como exemplo. Bem como a fome, a sede e o confinamento que Israel usa como arma de guerra em Gaza. Podemos citar os ataques à população em situação de rua, na negação de dignidade no acesso à água, comida ou um cobertor em noite de frio. E não podemos esquecer das leis, que uma vez aprovadas, vão provocar a morte de milhares de pessoas, animais e plantas por conta de desastres ambientais.

#PLdaDestruição

Se antes o Brasil assumia o protagonismo de cuidado com o meio ambiente, ao promover conferências do clima como a Eco92 e a Rio+20, agora, às vésperas da COP30, derrapa ao atender a ganância do agronegócio, de políticos e do empresariado, tornando-se país sede do negacionismo.

O Congresso brasileiro abriu de vez as porteiras para passar o estouro da boiada ao aprovar essa semana, na calada da noite, o PL da Devastação, que implode o licenciamento ambiental. O ClimaInfo destacou: “em todos os parágrafos do projeto, não há uma citação sequer à palavra ‘clima’. Uma lei que se pretende moderna, mas que ignora um dos principais desafios contemporâneos da Humanidade. ‘A falta de menção à emergência climática em que o mundo se encontra indica o rumo destas regras, que olha para um Brasil do passado e é entendido como um dos mais graves retrocessos socioambientais da história’”.

Insegurança jurídica

O constitucionalista Fabio Feldmann foi enfático ao afirmar que “o projeto tem uma visão equivocada, que não compreende a importância da avaliação ambiental, exclui a sociedade de participação e tem um desejo íntimo de acabar com o licenciamento”. Segundo o ambientalista, “o PL tem muitos dispositivos inconstitucionais e vai ser levado para o STF. E vai haver muita judicialização nos casos concretos quando for se aplicar a lei. Quando começar a pipocar questionamentos judiciais, vai aumentar a insegurança dos empreendimentos. Só vai ser bom para os advogados”.

Retrocesso ambiental

Parecer técnico dos professores Luís Sánchez e Alberto Fonseca adverte sobre os retrocessos à vista. “Ao subestimar os potenciais impactos dos projetos sujeitos a licenciamento ambiental simplificado e superestimar a capacidade dos órgãos licenciadores de fiscalizar e controlar os impactos na etapa de pós-licença, deverá incentivar um modelo de desenvolvimento econômico mais retrógrado, como se via das décadas de 1960, 70 e 80, nas quais diversas obras e projetos eram implementados aceleradamente”, explicam os pesquisadores.

Rifando a vida do povo

“O passivo que o Brasil deixará ao destruir o meio ambiente, que mantém nossa qualidade de vida possível, não entrará na contabilidade do crescimento do PIB, na estabilidade da inflação ou nas melhores taxas de emprego”, disparou Carolina Mattar. “É no ar que respiramos e na água que bebemos que sentiremos os efeitos da irresponsabilidade do poder público com a nossa saúde e nosso futuro”. Segundo aponta, trata-se de uma coalizão de forças omissas, ao faltarem vozes em defesa do meio ambiente, da saúde dos rios, de uma nova economia verde, que mantenha as florestas em pé”, ponderou.

Barbárie no Paraná

Mais uma vez assistimos à brutalidade e à barbárie das milícias contratadas pelo agronegócio. “Um jovem indígena Avá Guarani de 21 anos, filho do cacique da comunidade indígena Tekoha Yvyju Awary, foi encontrado decapitado no dia 12 de julho, na cidade de Guaíra, no oeste do Paraná. O corpo de Everton Lopes Rodrigues foi abandonado em um milharal na entrada da aldeia. Ao lado de sua cabeça, foi encontrada uma carta com ameaças às comunidades indígenas que lutam pela retomada de seus territórios na região”.

Documento histórico

As pessoas em situação de rua, como afirmou o padre Júlio Lancelotti, são “o documento histórico da nossa perversidade”. Os pobres, são os corpos indigentes que escolhemos excluir, matar. “Uma ‘operação integrada de segurança' no Loteamento Santa Terezinha, conhecido como Vila dos Papeleiros, em Porto Alegre, resultou na destruição de carrinhos usados por moradores para a coleta de resíduos. Imagens e vídeos feitos pelos moradores mostram retroescavadeiras recolhendo os carrinhos e colocando-os na caçamba de um caminhão do Departamento Municipal de Limpeza Urbana”.

Em São Paulo e Porto Alegre, a prefeitura recolhe os cobertores da população em situação de rua, mesmo em dias frios. Em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, remove os sem-teto. E nessa conjunção de manobras que visam a higienização das cidades, misturadas a uma arquitetura hostil, a polis não é mais um direito de todos.

Gaza: paróquia bombardeada

Continuamos acompanhando o drama em Gaza. Essa semana, nem a casa de Deus foi poupada pelo ódio de Netanyahu, que atacou a paróquia da Sagrada Família, ferindo inclusive seu pároco, Gabriel Romanelli. Após o ataque, o Patriarca Latino de Jerusalém, Pierbattista Pizzaballa, manifestou-se novamente: "é uma situação desesperadora, não só para os cristãos. Este conflito está matando todo mundo. Não ficaremos em silêncio; é hora de parar a guerra em Gaza".

Gaza: experimento dos super-ricos

Na conferência do Grupo de Haia, bloco de mais de 30 países reunidos para propor ações concretas contra Israel para frear Holocausto Palestino, o presidente da Colômbia, Gustavo Preto, foi enfático: “Gaza é experimento dos super-ricos contra o Sul Global. Querem bombardear todos nós".

Na mesma ocasião, em Bogotá, Francesca Albanese, bradou: “Todos os Estados devem suspender imediatamente todos os laços com Israel”. Segundo ela, "quanto mais tempo os Estados e outras partes permanecerem engajados, mais essa ilegalidade será legitimada em sua essência. Isso é cumplicidade. Agora, a economia se tornou genocida. Não existe um Israel bom e um Israel ruim".

O genocídio, no entanto, segue em andamento. Em mais uma semana com mortes na fila de comidas, assistimos a diferentes formas de massacres.

Corrida contra o tempo

Em Gaza, há urgência. A desnutrição infantil se torna uma sentença de morte para centenas de pequenos. Em meio à transmissão diária ao vivo dos horrores de Gaza em nossas telas, o tempo está se esgotando para as crianças famintas. Por isso, não podemos deixar de nos perguntar se o mundo agirá para salvá-las? A dúvida ecoa de Juliette Touma, diretora de comunicações da agência da ONU para a Palestina.

Efeito colateral do tarifaço

A família Bolsonaro dobrou a aposta ao pedir a taxação às importações brasileiras nos Estados Unidos. A interferência direta, culminou em nova investigação da polícia federal, que na manhã dessa sexta-feira, 18 de julho, fez buscas e apreensões na sede do PL e na casa de Jair Bolsonaro, que está sob medidas restritivas e agora passa a usar tornozeleira eletrônica.

Por falar em tarifaço, em um fio publicado na rede social X, Gilberto Maringoni chamou a atenção para um “nacionalismo sem povo” que emergiu a partir do tarifaço trumpista.

"A exagerada elevação das tarifas nos EUA suscitou a reação 'União nacional contra agressão externa', impulsionada pelo governo federal. Ela mostra inegável força para a consolidação de uma ampla frente anti-imperialista. Porém, tanto as intervenções do presidente quanto a ação governista trafegam no sentido de um nacionalismo sem povo. Há acordos com as classes dominantes sem articulação na base da sociedade. Não há pronunciamentos dirigidos às maiorias e nem agenda com entidades populares e de trabalhadores. Não há apelo à mobilização social. O problema é que uma frente nesses moldes implica compromissos e seletividade de sacrifícios. Empresários terão quedas em seus ganhos, mas os trabalhadores podem amargar aumento de desemprego e de direitos diante do tsunami trumpista. Tirar os setores populares de cena torna a frente instável e suscetível a qualquer chantagem por parte de quem até ontem perfilava-se com o fascismo". 

Inspiração

O jornalista uruguaio Raúl Zibechi mostra o poder transformador do movimento zapatista. Em artigo publicado essa semana, ele afirma: “uma das maiores conquistas do zapatismo reside no fato de estar trabalhando, aqui e agora, para construir mundos novos sem criar mais pirâmides. Uma coisa é pensar, dizer e proclamar. Outra coisa muito diferente é agir, com coerência e ética, para não repetir a ‘troca de capatazes’”.

Esses e outros assuntos dos Destaques da Semana.

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