17 Julho 2025
"A história da Terra já possui 4,45 bilhões de anos e conheceu pelo menos 5 grandes extinções em massa de vidas, a maior dela no Permiano-Triássico há 252 milhões de anos. Mesmo assim, como asseverou o biólogo Edward Wilson, a vida parece ser uma praga que não se deixa extinguir, mesmo quando outrora, cerca 70-80% da massa biótica foi extinta. Mas a Terra sempre se refez. Depois de cada grande catástrofe biológica, parece que a própria Terra se vingava e cobrava mais força para refazer toda a sua biodiversidade", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros, de Cuidar da casa comum: como protelar o fim do mundo (Vozes, 2024), e Pequeno tratado sobre a paz, a sair em breve.
Na segunda quadra do século XXI está perpassado por conflitos e por guerras de grande letalidade. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, publicado em 2024, refere que 60 dos 193 países estão envolvidos em conflitos e guerras, o que equivale 13% da humanidade. Frustraram-se as esperanças de grande parte da população mundial que imaginava que com a derrocada da União Soviética e o fim da Guerra Fria, inauguraríamos tempos de colaboração, de convivência e de paz.
Nada disso ocorreu. Ao invés, entramos num tempo sombrio e ecologicamente ameaçador, com grandes eventos extremos, tufões, inundações e nevascas, invasão do vírus Covid-19 que dizimou milhões de pessoas em três anos, o crescente aquecimento global e, o que é pior, a ameaça de guerras que incluem na Faixa de Gaza um genocídio a céu aberto, in conspectu omnium, o risco que uma beligerância entre as potências militaristas, que uma vez escalada, pode originar uma guerra nuclear, com efeitos letais e inimagináveis para a biosfera e para a vida humana.
É neste contexto que os anseios, verdadeiros clamores por paz, sobem de todas as partes. No entanto, há uma inconsciência geral na população e um verdadeiro negacionismo por parte de alguns governantes e CEOs de grandes empresas, acerca dos riscos sob os quais estamos submetidos. Mas cabe registrar que, lentamente cresce também numa parte significativa da humanidade a consciência de que estamos num caminho perigoso, talvez sem retorno, roçando um abismo no qual poderemos cair. Caso venhamos a cair, significaria que grande parte da espécie humana estaria fadada a desaparecer.
A história da Terra já possui 4,45 bilhões de anos e conheceu pelo menos 5 grandes extinções em massa de vidas, a maior dela no Permiano-Triássico há 252 milhões de anos. Mesmo assim, como asseverou o biólogo Edward Wilson, a vida parece ser uma praga que não se deixa extinguir, mesmo quando outrora, cerca 70-80% da massa biótica foi extinta. Mas a Terra sempre se refez. Depois de cada grande catástrofe biológica, parece que a própria Terra se vingava e cobrava mais força para refazer toda a sua biodiversidade.
Por ano, de forma normal, deixam de existir cerca de 100 espécies de seres vivos. Alcançaram seu clímax e desaparecem, naturalmente, da face da Terra. Outros virão. Não são poucos que se perguntam: será que não chegou a nossa vez de termos atingido o nosso clímax? Então desapareceríamos. Um dos indicativos alegados é o crescimento exponencial da população humana de mais de 8 bilhões e que já ocasionou a Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot), quer dizer, a exaustão daqueles bens e serviços naturais não renováveis que garantem a continuidade e a reprodução de nossas vidas. O fato é que já tocamos nos limites da Terra. Sete dos 11 elementos fundamentais para a vida já caíram. Ascenderam-se todas as luzes vermelhas.
Cabe ainda referir que construímos os instrumentos de nossa autodestruição, que ativados voluntariamente, ou por uma IA autônoma ou por um acidente qualquer, poria em risco a aventura humana sobre o planeta Terra.
Por outro lado, considerando a resiliência da vida em todas as dizimações havidas, tudo leva a crer que o ser humano não irrompeu no processo avançado da evolução para liquidá-la nem para se autodestruir. O que nos parece uma tragédia, poderia ser uma crise de passagem de um modo de vida para outro, possivelmente mais alto, cobrando graves sacrifícios a serem pagos. Mas a vida-praga, uma vez mais, resistiria e salvaria grande parte da vida e da civilização. Inauguraria outra era geológica, aquela que o grande cosmólogo Brian Swimme chama de a era ecozoica. O ecozoico-ecológico, aquilo que está ligado ao planeta Terra como Casa Comum (oikos = eco: casa em grego) ganharia centralidade, como foi maravilhosamente proposto pelo Papa Francisco na encíclica Laudato Si': sobre o cuidado da Casa Comum (2015).
A tecnociência, a economia, a política e a cultura em geral estariam a serviço do cuidado e da proteção desse dom sagrado que o universo ou Deus nos tem galardoado: o planeta vivo Terra, Grande Mãe, Pachamama e Gaia.
Então algo inédito poderia acontecer. Todos os humanos, sentindo-se partes da natureza e seus guardiães, conviveriam em sinergia com o todo. O reino das necessidades teria ficado para trás e todos gozariam dos benefícios do reino da liberdade, agradecidos ao Criador, vivendo felizes e em paz perene, sob a luz e o calor benfazejos do sol.
Essa utopia está nos arquétipos mais ancestrais do inconsciente coletivo de todos os povos. E esse arquiarquétipo poderá irromper de dentro da atual crise planetária para fazer a sua história junto com a natureza e a espécie humana. Seria a pazisfera (em português) ou pacisfera (em latim), a esfera da paz, da pax Terrae, sempre sonhada e ansiada, desde o irromper das estruturas mentais e da consciência humana, há milhões de anos na África, de onde surgimos.
Então, não se falará mais de paz, pois ela se transformou no ar que respiramos e no alimento que nos sustenta. Um sonho que vale a pena ser sonhado para acelerar, quem sabe, a sua realização.