10 Julho 2025
Jornalismo tem a obrigação de destacar que desastre no Rio Grande do Sul afetou fortemente populações marginalizadas.
O artigo é de Nico Costamilan e Eloisa Beling Loose em colaboração com o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental, publicado por ((o))eco, 09-07-2025.
Nico Costamilan é estudante de Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e bolsista de extensão do Observatório de Jornalismo Ambiental, vinculado ao Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS).
Eloisa Beling Loose é professora e pesquisadora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS) e coordenadora do Laboratório de Comunicação Climática (CNPq/UFRGS). Doutora em Comunicação pela UFRGS e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Há pouco mais de um ano, o Rio Grande do Sul foi atingido pela maior crise climática de sua história. Conforme os estudos na área, quando um desastre eclode, os mais impactados são os segmentos sociais mais vulneráveis. O relatório da Anistia Internacional Brasil “Quando a água toma tudo – Impactos das cheias no Rio Grande do Sul”, lançado no final de maio deste ano, reitera como as desigualdades no Estado foram expostas com as inundações de 2024.
No artigo “Environment Journalism from Brazil: trajectory and challenges for research”, desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS), é discutida a influência do Norte Global na cobertura jornalística de países do Sul Global, destacando assim a colonialidade, também presente na prática jornalística. O texto resgata a história do jornalismo ambiental brasileiro e coloca em evidência um olhar que questiona a estrutura estabelecida. A partir da perspectiva decolonial, podemos pensar sobre o modo que a cobertura de desastres climáticos é abordada no Brasil: quem são as fontes autorizadas a explicar ou solucionar a questão? O quanto as causas estruturais aparecem (ou não) na apresentação do acontecimento? De que modo o sentido é construído para naturalizar algo que é fruto de decisões políticas e econômicas?
Com o crescimento da discussão da emergência climática na imprensa – como a necessidade de cobrir eventos extremos –, emergem questionamentos de quais soluções são possíveis. O texto indica que muitos caminhos apresentados para o enfrentamento das mudanças climáticas são originárias do Norte, baseadas em tecnologias externas – enquanto iniciativas locais são frequentemente desvalorizadas. Também destaca um dos pressupostos do jornalismo ambiental: a necessidade de incluir vozes diversas nas matérias, a fim de melhor retratar a realidade, que é diversa e complexa.
No artigo, é criticada a ideia de um conhecimento único, muito influenciada pela visão eurocêntrica, apagando manifestações que não se alinham à perspectiva de produção capitalista hegemônica. Essa visão inclui a homogeneização de abordagens e de fontes. Isso reflete ainda nas políticas públicas, que muitas vezes não entendem a cidade como um ambiente plural de pessoas que vivem e interagem com o seu ambiente, mas somente uma série de investimentos financeiros.
Em tempo de crise climática, torna-se fundamental que o jornalismo tenha espaço para pessoas e grupos historicamente invisibilizados. A produção midiática deve considerar quem já passa por processo de vulnerabilização socioambiental, que tende a agravar suas fragilidade e capacidades de lidar com as consequências de situações extremas. Na cobertura da imprensa, a depender do veículo, o foco no factual tende a não revelar as injustiças que compõem o cenário dos fatos noticiados.
A situação da agricultura familiar, por exemplo, foi pouco abordada durante a cobertura do desastre em questão. Ainda em junho de 2024, a Emater/RS-AScar divulgou que mais de 2026 mil propriedades rurais foram afetadas pelas enchentes. Mesmo assim, o enfoque majoritário foi econômico: as dívidas dos agricultores, as ações do governo do Estado em relação ao crédito rural e ao Plano Safra. Os agricultores são mencionados ao tratar de suas dívidas, seus prejuízos nas colheitas, e a consequência no preço dos alimentos.
A agricultura pode ser tema de muitas pautas, mas poucas se debruçam sobre as famílias que vivem no campo. Em contraste, veículos independentes como Brasil de Fato e Matinal, publicaram no último ano várias matérias sobre a temática, em tom de denúncia, procurando valorizar essas fontes nas reportagens.
No relatório da Anistia Internacional, já mencionado, ressalta-se: o racismo ambiental fica mais evidente quando há um desastre. No Brasil, o racismo está costurado em todas as camadas da vida em sociedade: acesso à moradia, à saúde, à educação. O abandono estatal de áreas de menor renda se mostra com o pouco investimento em infraestrutura urbana, o que deixa a sua população mais exposta aos riscos e desastres ambientais.
Outros grupos vulnerabilizados incluem pessoas em situação de rua, com deficiência, quilombolas, indígenas, idosos, mulheres, crianças, migrantes, refugiados, população LGBTQIAPN+, povos de comunidades tradicionais, entre outros. No relatório, são citados dados do Cadastro Único (CadÚnico) que indicam o aumento de 14,88% da população em situação de rua de Porto Alegre após as enchentes. O número indica o agravamento do problema e, segundo a Anistia Internacional, “aponta para a urgência de respostas estruturais por parte do Estado, com políticas públicas voltadas tanto à proteção imediata em contextos de crise quanto à superação das condições que levam à exclusão e à pobreza extrema.”
As inundações no Rio Grande do Sul podem se repetir e, se não houver esforços de prevenção e mitigação correspondentes à necessidade da sua terra e da sua população, novos desastres virão. Mudanças estruturais são essenciais para que o clima extremo possa ser enfrentado e, para isso, alternativas diferentes precisam ser amplificadas.
O jornalismo ambiental, pelo seu viés questionador, pode contribuir com a visibilização de iniciativas desde o Sul que façam a diferença. Reconhecer os saberes e práticas dos povos e das comunidades que possuem uma relação menos distante e fragmentada da natureza potencializa os discursos acerca de futuros possíveis.