06 Novembro 2007
As primeiras coberturas específicas do jornalismo ambiental foram feitas após a Segunda Guerra Mundial, quando a questão do meio ambiente ganhou relevância global. Passados mais de quarenta anos desde as primeiras coberturas e reportagens, a prática do jornalismo ambiental ainda engatinha no Brasil. As notícias publicadas estão, direta e praticamente, ligadas apenas à mobilização da sociedade acerca do tema, mas, ainda assim, as ONGs enfrentam dificuldades para publicar seus manifestos e opiniões em todo o País. É nas mídias mais alternativas, como a internet, que o jornalismo ambiental tem maior espaço. Sobre este assunto, a IHU On-Line conversou, por e-mail, com Wilson Bueno. Ele falou sobre o desenvolvimento científico e teórico em relação ao jornalismo ambiental no Brasil, de como deseja mudar a forma como o País trata a prática e de como a questão do meio ambiente deveria ser tratada pela mídia brasileira.
Wilson da Costa Bueno é graduado em Comunicação e especialista em Comunicação Rural, pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou o mestrado e o doutorado em Comunicação. Atualmente, é professor da Universidade Metodista de São Paulo e diretor executivo da Contexto Comunicação e Pesquisa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Para o senhor, como está o desenvolvimento científico e teórico em relação ao jornalismo ambiental no Brasil?
Wilson Bueno - O jornalismo ambiental tem, gradativamente, mudado de patamar em relação à qualificação da cobertura, mas ainda encontramos desafios imensos a serem vencidos. Não dispomos, no caso da mídia impressa, de veículos com penetração nacional e dependemos, portanto, para o nosso diálogo com a sociedade dos veículos regionais e locais. Com raras exceções, não há jornalistas capacitados na área nesses veículos e, com isso, a cobertura ainda é precária. Na televisão e no rádio, tem havido algumas mudanças importantes (cito os casos da Globo News, com o excelente trabalho feito pelo André Trigueiro [1], e os do Repórter Eco [2], da TV Cultura, entre outros), mas ainda o meio ambiente é visto como espetáculo, o que é típico da mídia eletrônica. As mídias ambientais, pelo menos as legítimas, têm cumprido um papel importante, especialmente na Web, mas em geral tem atingido pessoas já despertas ou comprometidas com a temática. As universidades ainda não acordaram para a formação na área e há poucos cursos (uns cinco no máximo) na graduação e raras linhas de pesquisa ou projetos na pós-graduação. Mas aposto que a situação deve mudar nos próximos anos, se nós fizermos o trabalho bem feito e não assumirmos o meio ambiente como mais uma pauta que dá audiência.
IHU On-Line – Alguns de seus alunos afirmam que o senhor deseja mudar a forma como o jornalismo ambiental é feito no Brasil. O jornalismo ambiental brasileiro é fragmentado? De que forma ele precisa ser melhorado?
Wilson Bueno - O jornalismo ambiental precisa mudar por vários aspectos. Em primeiro lugar, não se pode praticar o jornalismo ambiental sem compromisso, apostando numa pretensa neutralidade, objetividade etc. Em segundo lugar, o jornalismo ambiental não pode focar-se apenas no aspecto técnico, porque o importante, se quisermos efetivamente trabalhar para a solução dos problemas, é perceber as conexões entre o meio ambiente, a política, a economia, a cultura, a saúde e a sociedade. Esta perspectiva fragmentada, que vem a reboque da cobertura de grandes catástrofes, não contribui para fortalecer o jornalismo ambiental, apenas o coloca na agenda, sem comprometer-se com um debate sério, abrangente, como deve ser. Finalmente, o jornalismo ambiental deve atentar para os grandes interesses que rondam essa área e ter em mente que existe na prática a chamada praga do marketing verde.
Trata-se de uma estratégia de comunicação e de marketing bem orquestrada, sob a responsabilidade de determinadas empresas e segmentos industriais (agroquímica, celulose e papel, biotecnologia, petroquímica, mineração etc), que têm como objetivo manipular a opinião pública e escamotear o problema, que é dramático. Quando se identifica uma empresa como a Monsanto (3), presente em nossas escolas, patrocinando uma educação ambiental transgênica; quando se observa a invasão das agroquímicas nos cursos de Agronomia e o lobby poderoso das corporações para que os seus interesses continuem prevalecendo em detrimento do interesse público, não se pode ficar calado. Não queremos que o País se transforme num canavial ou numa imensa plantação de eucaliptos.
IHU On-Line – Como o jornalista ambiental deve contextualizar a população sobre esse modelo desenvolvimentista?
Wilson Bueno - O jornalista deve trabalhar adequadamente os conceitos (plantação de eucaliptos não é floresta, nunca será; as mineradoras não produzem minério, apenas o extraem e assim por diante), evitar o sensacionalismo presente na cobertura das catástrofes ambientais, cada vez mais comuns, buscar fontes independentes, valorizar o conhecimento tradicional, denunciar os lobbies e ficar atento à ação de agências e assessorias que fazem o trabalho sujo de limpeza de imagem de empresas predadoras. O jornalista não pode ficar em cima do muro. Ele deve tomar partido, porque, afinal de contas, o Planeta está mesmo sendo destruído, aqui e lá fora. A farsa da redução do desmatamento no Brasil, as soluções cosméticas e cínicas que pregam a neutralização do carbono como aval para a continuidade da poluição, o uso indiscriminado de agrotóxicos e o cinismo de empresas como a Monsanto (transgênicos vão mesmo matar a fome ou encher o bolso de seus acionistas?) precisam ser denunciados. Temos que defender uma perspectiva plural, não transgênica, não celulósica, não agroquímica. O jornalista precisa esclarecer a população sobre o mito do desenvolvimento sustentável e colocar a mão na ferida: o modelo de desenvolvimento é insustentável e pronto e não há saída se não usarmos o bisturi. Com mertiolate e band-aid, a sangria não estanca.
IHU On-Line – A cobertura sobre meio ambiente na imprensa brasileira tem crescido, pautada principalmente por temas polêmicos, como transgênicos, mudanças climáticas, biodiversidade e biopirataria. De que forma as mudanças climáticas têm sido abordadas pela mídia nacional e internacional?
Wilson Bueno - A imprensa já fez o seu papel, alertando para os problemas relacionados com as mudanças climáticas, e agora precisa encaminhar bem o projeto para sua solução. Não é plantando árvores depois de poluir o mundo (a campanha da Ipiranga é terrível, porque quer vender gasolina usando o apelo ecológico!) ou apostando que haverá no futuro uma solução tecnológica para a crise que ela irá contribuir para o debate. Não é fazendo apologia do carro biocombustível (quando as pessoas continuam enchendo o tanque com gasolina) ou comendo docinho orgânico que o mundo será salvo. Essa solução fácil, sem dor, não existe e a imprensa precisa trabalhar esta questão de maneira direta. Com neutralidade, não dá. Infelizmente, ela tem recorrido, sobretudo, a fontes comprometidas com os grandes interesses (inclusive pesquisadores financiados pelas corporações) e enreda-se na armadilha que ela mesma tem criado. Ela precisa abrir a pauta, ouvir as ONGs, conversar com os cidadãos, colocar o pé na estrada e ver o que anda acontecendo com as nossas florestas, o cerrado, o mar, os rios etc. Jornalismo ambiental de gabinete não funciona: é, como nós dizemos em São Paulo, frescura. Talvez alguém queira nos convencer de que isso é que neutralidade jornalística.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre os fóruns locais sobre o meio ambiente? São formas de informar e chegar mais próximo da população ou também fragmentam a informação?
Wilson Bueno - Sim, dependendo evidentemente de quem organiza os fóruns locais (se for a Bayer [4], a Monsanto ou a Aracruz [5] será um horror!), mas o importante é que esta discussão seja mesmo feita localmente, envolvendo a comunidade, tratando, sobretudo das questões que a afligem.
IHU On-Line – O que as pessoas entendem e pensam sobre meio ambiente?
Wilson Bueno - Ainda muito pouco porque os conceitos (sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, agrotóxicos , transgênicos etc.) são mal trabalhados pela mídia e a educação ambiental ainda não ganhou a dimensão devida. A televisão continua fazendo a apologia do consumo não consciente (haja baterias de celulares e fast food!), e as empresas mantêm sua disposição de ludibriar a opinião pública com seus produtos e posturas insustentáveis. É preciso que fique claro: agrotóxico é veneno e não remedinho de planta; plantação de eucalipto não é floresta, porque afronta a biodiversidade e só serve para atender a objetivos comerciais e transgênico usa pesticida, herbicida “pra burro”. O jornalismo ambiental tem um papel importante e esperamos que ele cumpra esse papel. Afinal de contas, a sociedade e a legislação não delegaram privilégios aos jornalistas (como o diploma e a exclusividade do exercício) para que eles façam o jogo do bandido. Jornalismo ambiental e qualquer jornalismo exigem compromisso com o interesse da comunidade. O resto é balela, conversa para boi dormir ou para engordar os lucros de empresas predadoras. Que o governo também assuma o seu papel e não continue utilizando o meio ambiente como plataforma política. Olho vivo com parlamentares verdes (o Partido Verde já amarelou faz tempo!) e com empresas que se proclamam ambientalmente responsáveis. Abaixo o marketing verde!
Notas:
(1) André Trigueiro é um jornalista brasileiro especializado em Jornalismo Ambiental. É repórter e âncora da Globonews. Possui pós-graduação em Gestão Ambiental, pela COPPE/UFRJ. É professor e um dos criadores do curso de Jornalismo Ambiental da PUCRio. É autor do livro Mundo sustentável: abrindo espaço na mídia para um Planeta em transformação (Editora Globo, 2005).
(2) O Repórter Eco é uma revista semanal, atual, especializada em meio ambiente. Aborda, de forma aprofundada, pesquisas para o desenvolvimento sustentável e conservação dos biomas brasileiros, proteção da rica diversidade biológica e cultural do País, projetos para manter para o futuro os recursos hídricos, estudos de controle da poluição do ar, solo, terra e água, ecologia urbana, fontes de energia alternativas e renováveis, astronomia, antropologia, arqueologia, arquitetura ecológica, redução, reuso e reciclagem de resíduos sólidos, comércio justo, patrimônio histórico, cultural e arquitetônico e ecoturismo. Além da revista semanal, são produzidos programas temáticos a partir de viagens nacionais e internacionais. O Repórter Eco mantém um quadro específico de reportagens sobre a biodiversidade brasileira.
(3) A Monsanto é uma indústria multinacional de agricultura e biotecnologia. Seus produtos e suas agressivas práticas legais e de lobby têm feito da Monsanto um alvo primário do movimento antiglobalização e de ativistas ambientais.
(4) A Bayer é um conglomerado farmancêutico alemão, conhecido por ser o fabricante da Aspirina.
(5) A Aracruz Celulose é a maior produtora mundial de celulose branqueada de eucalipto, respondendo por 27% da oferta global do produto. Possui uma unidade fabril de Aracruz, em Guaíba no Rio Grande do Sul e em Eunápolis, na Bahia. A Aracruz é criticada internacionalmente por ativistas de movimentos sociais por ocupar terras de povos indígenas e quilombolas. Também é criticada pela poluição das águas e do ar e por causar poluição devido a dioxinas, material cancerígeno gerado pela produção de celulose..
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As mudanças do jornalismo ambiental. Entrevista especial com Wilson da Costa Bueno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU