24 Junho 2025
Nos últimos dois anos, a economia boliviana tem se deteriorado gradualmente. A queda nas exportações de gás gerou uma escassez de dólares no país, o que resultou em dificuldades para importar combustível e, sobretudo, em uma forte inflação. O custo de vida aumentou significativamente nos últimos meses na Bolívia. Em maio, a inflação anual chegou a 18,4%, o nível mais alto em pelo menos 17 anos.
A reportagem é de Nils Sabin, publicada por RFI, 23-06-2025.
Em La Paz, o clima é de desânimo nos mercados municipais. Vendedores e clientes sentem os efeitos da alta nos preços. “Para alguns produtos, como o óleo, precisamos aumentar quase todos os dias. Um boliviano (equivalente a R$ 0,40) aqui, outro ali”, lamenta Magali, vendedora no mercado de Sopocachi, no centro da capital administrativa. Como consequência, “os clientes não vêm tanto quanto antes e compram quantidades menores, porque o dinheiro deles não dá mais”.
Em maio de 2025, a inflação mensal na Bolívia foi de 3,65%, a maior em 40 anos. Desde janeiro, o índice de preços ao consumidor subiu 9,81%, segundo o Instituto Nacional de Estatística. Mas para Silvia, vendedora de verduras, alguns preços simplesmente dobraram. “É o caso dos brócolis e das ervilhas, e ainda assim, eu vendo com margem mínima”, conta ela diante de uma pilha de batatas, tomates e cebolas.
A inflação é apenas um dos sintomas da crise econômica. O país também sofre com recorrentes faltas de combustível, que obrigam a população de várias cidades a enfrentar longas filas nos postos de gasolina.
Ambos os problemas têm a mesma raiz: a falta de dólares na Bolívia. “A empresa estatal de petróleo, YPFB, admitiu que não tem mais liquidez – ou seja, dólares – para importar combustível suficiente”, explica o economista Luis Fernando Romero, do Colégio Departamental de Economistas de Tarija. “Da mesma forma, todas as importações ficam mais caras por causa dessa escassez de dólares, o que explica o aumento nos preços.”
Na Bolívia, o Banco Central fixa a taxa de câmbio boliviano/dólar desde 2011 em 6,96 bolivianos por dólar. No entanto, no mercado paralelo, a moeda americana está sendo vendida por 15 a 16 bolivianos. Ou seja, os bolivianos estão dispostos a pagar muito mais caro para obter dólares e importar produtos. “Isso fez os custos dos importadores explodirem, e eles repassaram isso aos preços de venda”, diz Jorge Akamine, presidente do Colégio de Economistas da Bolívia.
Mas como a Bolívia chegou a esse ponto, sendo que há poucos anos sua estabilidade econômica era elogiada? O chamado “milagre econômico boliviano” era visto como exemplo da gestão eficaz de um governo de esquerda, com um dos maiores crescimentos da América Latina, inflação baixa e a pobreza caindo de 60% da população em 2006 para 40% em 2016.
“Em 2006, Evo Morales e o Movimento ao Socialismo (MAS) chegam ao poder e nacionalizam os recursos de hidrocarbonetos. Essa riqueza vai ser a base de sua política econômica”, lembra Romero.
O Estado boliviano passou a redistribuir grande parte dessa renda por meio de benefícios econômicos, subsídios (sobretudo ao combustível), comprando parte da produção agrícola por preços altos e revendendo a preços baixos. Foram construídos hospitais, estradas, escolas, além de fábricas de açúcar, óleo e fertilizantes, financiadas pelo Estado.
No entanto, a exploração e prospecção de gás foram negligenciadas, segundo o atual presidente Luis Arce, que foi ministro da Economia entre 2006-2017 e em 2019. Como resultado, as exportações de gás começaram a diminuir.
“Desde 2018, alertamos sobre os riscos econômicos causados pela queda das reservas de gás. Sem essa renda, o modelo do MAS se tornava insustentável”, afirma Akamine. Mas não houve corte nos gastos públicos. Para manter o modelo de redistribuição, o governo passou a usar as reservas internacionais do Banco Central. Em 2014, essas reservas eram de quase US$ 15 bilhões (R$ 81 bilhões), mas caíram para menos de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,64 bilhões) em fevereiro de 2023, o que levou a população a correr atrás de dólares.
Desde então, o Banco Central reconstituiu ligeiramente suas reservas, principalmente comprando ouro de cooperativas mineiras, mas a escassez de dólares persiste.
A população já saiu às ruas várias vezes exigindo soluções ou até mesmo a renúncia do presidente Luis Arce, como aconteceu no início de junho. “O governo só adota medidas paliativas, para tentar chegar às eleições gerais (presidenciais, legislativas e senatoriais) sem maiores problemas”, analisa Romero. Mas o próximo governo terá de lidar com a crise.
Segundo Akamine, isso levará vários anos e exigirá medidas impopulares, como cortar total ou parcialmente o subsídio aos combustíveis, que custa mais de US$ 3 bilhões (R$ 16,2 bilhões) por ano aos cofres públicos; e reduzir o tamanho do Estado, algo que não se faz da noite para o dia.
Para os dois economistas, a governabilidade será essencial para superar a crise. “Desde o ano passado, cerca de US$ 1,6 bilhão (R$ 8,64 bilhões) em créditos estão bloqueados no Parlamento por falta de maioria”, diz Romero. “Se essa situação continuar após as eleições, o novo governo terá enorme dificuldade para reformar o modelo econômico e resolver a crise.” Além disso, manifestações e bloqueios de estradas são esperados caso medidas de austeridade sejam tomadas. A tarefa do próximo governo promete ser extremamente desafiadora.