11 Junho 2025
Com a esquerda dividida e dividida, a direita lidera as pesquisas para as eleições de 17 de agosto na Bolívia, algo que não acontecia há 23 anos. Em um distante sétimo lugar (2,3%) está o partido governista Movimento ao Socialismo (MAS).
A reportagem é de Caio Ruvenal, publicada por El Diario, 10-06-2025.
Tensão máxima na Bolívia. As estradas que ligam o centro ao oeste do país estão bloqueadas há uma semana por cocaleiros e outras organizações sindicais ligadas ao ex-presidente Evo Morales. Eles expressam seu descontentamento com o veto à reeleição do líder indígena, que o deixa fora das eleições de 17 de agosto. Eles também exigem a renúncia do atual presidente, Luis Arce, devido à profunda crise econômica que assola o país, com uma inflação de quase 10% até agora neste ano. Isso foi acompanhado por outras manifestações independentes de diferentes setores em várias cidades, em um contexto em que a redução nas vendas de gasolina levou à falta de dólares, aumento de preços e escassez de combustível.
Na tentativa de limpar as estradas, a polícia se envolveu em violentos confrontos com grupos pró-Evo. Assim que as estradas foram limpas, os manifestantes montaram novos bloqueios. Em resposta, o governo mobilizou um contingente de 500 militares uniformizados, incluindo policiais e membros das Forças Armadas, desde domingo.
"Armas de fogo não devem ser usadas para reprimir os protestos. Há muitas maneiras de dispersar os protestos; a menos inteligente seria atirar à queima-roupa. O Estado deve buscar outros meios de pacificação. Será necessário fazer certos acordos com os apoiadores de Evo", disse a cientista política Natalia Aparicio ao elDiario.es.
A situação levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a "monitorar" as manifestações, segundo comunicado da instituição divulgado nas redes sociais. No mesmo texto, a Corte insta o Estado a "observar os padrões interamericanos em matéria de protestos e direitos humanos, e a facilitar a condução pacífica das manifestações". Também na rede X, Morales denunciou à comunidade internacional o deslocamento militar, que, segundo ele, está sendo realizado sem "justificação legal e constitui uma grave ameaça à ordem constitucional e à paz social".
O presidente Arce se defendeu argumentando que o objetivo de Morales é desestabilizar e convulsionar o país. Uma decisão ecoada pelos candidatos presidenciais. O ministro da Justiça, César Siles, apresentou uma denúncia formal contra o líder cocaleiro ao Ministério Público na sexta-feira por oito crimes, incluindo terrorismo e incitação pública à prática de crimes. A decisão foi tomada após um líder camponês apresentar à imprensa uma suposta gravação de áudio de Evo Morales na qual ele ordena a mobilização de La Paz, sede do governo: "Está tudo acabado, irmãos. É a batalha final. Vejo que a situação vai piorar. Ninguém acredita em Lucho [Arce]", ouvem-se as vozes.
As novas acusações agravam ainda mais a situação jurídica do ex-presidente. Ele enfrenta um processo pendente por suposto abuso de menor, pelo qual, devido à sua ausência, foi expedido um mandado de prisão contra ele. O caso foi investigado há cinco anos, sem resultados, e reaberto no início deste ano como parte da perseguição judicial que Arce vem travando contra seu antecessor desde que se desentenderam em 2022. Suas esperanças de retornar à cadeira presidencial que ocupou por 13 anos (2006-2019) foram finalmente frustradas na última sexta-feira, quando ele não apareceu na lista oficial de 10 candidatos publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A desqualificação de Morales se baseia em uma decisão do Tribunal Constitucional de 2023 que estabelece que o presidente e o vice-presidente não podem exercer mais de dois mandatos, contínuos ou não. A confirmação de sua exclusão das eleições levará a uma escalada de protestos, segundo Lorgio Orellana, pesquisador e professor da Universidade Mayor de San Simón (UMSS).
"A intervenção do exército pode contribuir para a radicalização do conflito", observa. Embora ainda não tenham sido registrados confrontos durante o deslocamento militar, mais de 30 manifestantes já foram presos. Além disso, Morales afirmou em uma entrevista de rádio que "esta semana é decisiva... é um jogo do povo contra o império".
Somando-se às preocupações políticas, há também a questão econômica. Na semana passada, a população recebeu com apreensão o relatório anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), que concluiu uma desaceleração do Produto Interno Bruto (PIB) e um alto déficit fiscal. Grande parte da esperança está depositada na mudança que um novo governo poderá trazer após as eleições de agosto, as mais importantes dos últimos 20 anos, segundo analistas e os próprios candidatos.
"Este é um período de alta volatilidade política, refletida nas pesquisas por uma fragmentação significativa das preferências eleitorais e uma concentração significativa de votos em branco, nulos e indecisos", explica Orellana.
A primeira pesquisa realizada por uma empresa endossada pelo TSE (Tribunal Supremo Eleitoral da Espanha) é liderada por dois candidatos de direita, algo que não acontecia no país andino há 23 anos. São eles Samuel Doria Medina e Jorge Tuto Quiroga, com 19,1% e 18,4% das intenções de voto, respectivamente. Em terceiro lugar, com 14,2%, está Andrónico Rodríguez, um protegido de Morales que decidiu seguir seu próprio caminho e é o foco do otimismo da esquerda. Em um distante sétimo lugar (2,3%) está o Movimento ao Socialismo (MAS), que tinha Arce como candidato, mas — devido à sua baixa popularidade — cedeu a indicação ao seu Ministro de Governo, Eduardo del Castillo. Votos indecisos, nulos e em branco representam 27%.
"O discurso de Tuto é mais radical e inclui figuras como o empresário libertário Branko Marinkovic [ministro durante o mandato de Jeanine Áñez]. Doria é mais de centro-direita, com muitas indicações a setores progressistas", analisa Aparicio. O primeiro, de 64 anos, foi vice-presidente (1997-2001) do ditador militar Hugo Banzer, durante um segundo mandato que conquistou por meio de eleições democráticas.
Doria, um ano mais velho, foi Ministro do Planejamento em 1991, onde promoveu reformas de livre mercado e privatizações. Tuto é um ferrenho opositor da produção de folha de coca e, devido à sua proximidade com Washington, está disposto a trazer a Agência Antidrogas dos EUA (DEA) de volta à região do Chapare — o reduto político de Morales.
“Se um governo reacionário chegar ao poder, a violência aumentará e a crise econômica e social se aprofundará. É essencial evitar a radicalização”, alerta o analista Aparicio. Do outro lado do espectro ideológico está Rodríguez, que aos 36 anos é presidente do Senado. Seus colegas parlamentares reconhecem sua capacidade de negociação e, em seus discursos, ele evoca constantemente uma esquerda mais “democrática e inovadora” do que a de seu mentor, Evo Morales.
As declarações de Rodríguez, indicando que devemos seguir o legado de Morales, parecem convidar a uma possível reaproximação com o evoísmo. Se houver um acordo entre Evo e Andrónico, os protestos camponeses poderiam encontrar um canal de expressão por meio de políticas oficiais que desarmassem suas mobilizações. Mas isso não é garantido", acrescenta Orellana.
Del Castillo, por sua vez, tentará reanimar o MAS. Seu modelo de segurança, com forte controle estatal, às vezes visando os cocaleiros, irritou Evo Morales e foi o primeiro gatilho para sua ruptura com o governo Arce. O que une todos os candidatos é a resignação em adotar medidas de contenção dos gastos públicos para aliviar a crise. Orellana explica: "Independentemente de quem chegue ao poder, é previsível que medidas drásticas de disciplina fiscal sejam tomadas. O critério de distinguir entre a esquerda reformista e a direita oligárquica não é mais um arcabouço adequado para interpretar a política oficial."