24 Junho 2025
"Algo se repete em uma diferença. É a diferença e o resto que qualificam todo legado e que, como tais, nos lembram que nossas origens jamais podem ser apagadas, que ninguém pode moldar a própria vida sem passar pelo encontro com o outro, que ninguém pode pretender construir um nome sozinho", escreve Massimo Recalcati, psicanalista italiano, em artigo publicado por La Repubblica, 23-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Chega de mestres!” é um slogan que remonta ao grande protesto estudantil de 1968 e que parece ressoar em uníssono com outro semelhante: "Chega de pais!". Seu conteúdo ideológico implícito é que toda educação autêntica deve ser, antes de tudo, uma autoformação: nenhuma origem, nenhuma dependência, nenhuma dívida simbólica. Trata-se, em vez disso, de construir por si só o próprio nome. O princípio liberalista do self-made man funda-se, assim, no princípio anarquista de uma liberdade sem vínculos. Mas a ilusão da autoformação aos olhos da psicanálise sempre se revela fundamentalmente perversa, pois afirma uma autonomia do sujeito que gostaria de prescindir completamente de qualquer vínculo. Pelo contrário, todo processo de formação se desenrola necessariamente passando pela mediação do outro. É uma tese reiterada por Lacan: para poder prescindir da dependência do outro, é preciso reconhecê-la e saber fazer uso positivo dela. Toda formação é, nesse sentido, sempre uma heteroformação.
A experiência da Escola, apesar de sua tendência contemporânea à tecnologização e à digitalização, confirma a evidência desta verdade: não existe didática sem relação entre o sujeito e o outro. Mas que outro? Um professor-educador que afirma conhecer o bem ou o caminho certo para seus alunos? Um professor-dono, proprietário de um saber objetivo e codificado de uma vez por todas? Nesse caso, o professor (educador ou dono), em sua exemplaridade idealizada ou em seu exercício de maestria, prolongaria fatalmente uma dependência que entregaria o aluno a uma condição de menoridade crônica. Mas o encontro necessário com a pessoa e o saber do professor não implica de forma alguma sua idealização. O professor não é de modo algum obrigado a encarnar um saber sem falha, compacto, exemplar de fato, mas a se oferecer justamente em sua falta, testemunhando em primeira pessoa que nunca se pode conhecer todo o saber. Ao contrário, os professores que se apresentam como exemplares tornam-se, em vez disso, como fatalmente também acontece com os pais que cometem o mesmo erro com seus filhos, pesadelos atrozes para seus alunos.
Por serem ideais inatingíveis, eles apenas geram medo e inibição. Nesse sentido, um professor sempre trabalha contra si mesmo e contra os processos de idealização que inevitavelmente tendem a investi-lo. Por isso, o verdadeiro legado de um mestre nunca consiste na monumentalização idólatra de seu ensinamento, mas em um resto que resiste, em um pequeno traço, em algo que não podemos esquecer porque deixou em nós uma marca indelével. O ensino, de fato, carrega em sua própria etimologia a experiência de uma marca que permanece, que não se apaga: quem ensina é aquele que soube deixar uma marca.
Por exemplo, a de um simples pó de giz. Foi o que me contou certa vez um professor do ensino médio, professor de física. Ele havia identificado o nascimento de sua paixão pelos estudos científicos a partir da impressão que as aulas de seu antigo professor de física lhe deixaram, tão imerso em suas explicações no quadro-negro que todas as vezes saía da sala de aula coberto de giz branco. Mas de que era sinal aquele pó de giz que permanecia na jaqueta do idoso professor? Certamente não de um conhecimento anônimo e objetivamente completo, mas sim de uma materialização do desejo singular do próprio mestre, de sua vocação mais profunda.
Quando o jovem professor percebeu que a mesma coisa acontecia toda vez que terminava suas aulas, compreendeu que naquele pó de giz estava tudo o que havia herdado de seu mestre.
Eis um exemplo simples de como o desejo de saber é transmitido de uma geração para a outra. Eis um exemplo do que deveria ser a vida escolar. Mais do que a transmissão de um conhecimento consolidado, o que está em jogo é um resto que se torna o traço indelével do desejo vivo de saber próprio do professor: o pó de giz que antes estava na jaqueta do idoso professor agora se encontra naquela de seu aluno.
Trata-se de um exemplo luminosos do movimento mais típico da herança. Toda verdadeira herança é, na verdade, composta de quase nada. Não de bens, genes, propriedades ou rendas. De fato, nada se herda, exceto o próprio ato que nos constitui como herdeiros. Como também acontece com Philip Roth em Patrimônio: o que resta do pai é sua merda, o resíduo muito humano e indelével de sua presença no mundo. É aquele resto carbonizado que, como afirma o profeta Isaías, é tarefa dos verdadeiros herdeiros transformar em uma “semente santa”. A ironia benevolente que o idoso professor provocava em seus alunos ao sair da sala de aula embranquecido pelo pó de giz é a mesma que o jovem professor provoca agora ao final de suas aulas.
Algo se repete em uma diferença. É a diferença e o resto que qualificam todo legado e que, como tais, nos lembram que nossas origens jamais podem ser apagadas, que ninguém pode moldar a própria vida sem passar pelo encontro com o outro, que ninguém pode pretender construir um nome sozinho.