"A vulnerabilidade da qual Roth nos fala nesta resposta, com absolutamente todas essas fragilidades humanas, são visíveis nas personagens de sua obra, como é o caso do protagonista de o Homem comum, cujo nome o leitor desconhece, mas a vida, em inúmeros aspectos, se assemelha a de qualquer um de nós, comuns, como sugere o título".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Em torno da sepultura, no cemitério malcuidado, reuniram-se alguns de seus ex-colegas de trabalho", "sua filha Nancy", "a comunidade de aposentados", "dois filhos" do "turbulento primeiro casamento", que "só estavam ali por obrigação, mais nada", "o irmão mais velho", "a cunhada", "e também uma de suas três ex-esposas". Esta é, resumidamente, a cena de abertura de o Homem comum (Everyman, no original) (2006), do escritor norte-americano Philip Roth, ganhador do Prêmio Faulkner de Ficção e do Prêmio Pulitzer de Ficção.
Capa de Homem comum (Foto: Reprodução)
Autor de mais de 30 livros, sendo 27 deles de ficção, em entrevista concedida ao jornalista Daniel Sandstrom, em 2014, quatro anos da sua morte, aos 85 anos, Roth esclareceu as opiniões equivocadas de parte da crítica a respeito das suas personagens, destacando o traço comum que há entre elas:
"A vulnerabilidade impera. Não sou um fazedor de mitos. Minha intenção é apresentar meus homens ficcionais não como eles deveriam ser, mas frustrados, como eles são. O drama resulta da fragilidade de homens vigorosos e tenazes, com suas cargas de peculiaridades, que não estão nem paralisados pelas fraquezas nem são feitos de pedra; homens que, quase sempre, são vitimados por visões morais nebulosas, culpas reais ou imaginárias, lealdades conflitantes, desejos incisivos, ânsias incontroláveis, amores impossíveis, paixões culposas, transes eróticos, raivas, cismas, traições, perdas drásticas, vestígios de inocência, crimes de amargura, envolvimentos lunáticos, graves erros de avaliação, compreensões abaladas, dores prolongadas, acusações falsas, esforços intermináveis, doenças, cansaços, afastamentos, loucuras, envelhecimento, morte e, reiteradamente, o dano inescapável, o rude toque da surpresa terrível – homens valentes porém atordoados ao se verem indefesos diante da vida e sobretudo da história: o imprevisto que acontece a cada instante".
A vulnerabilidade impera. Não sou um fazedor de mitos. Minha intenção é apresentar meus homens ficcionais não como eles deveriam ser, mas frustrados, como eles são – Philip Roth
Nesta obra está publicada a entrevista completa de Roth ao jornalista Daniel Sandstrom (Foto: Reprodução)
A vulnerabilidade da qual Roth nos fala nesta resposta, com absolutamente todas essas fragilidades humanas, são visíveis nas personagens de sua obra, como é o caso do protagonista de o Homem comum, cujo nome o leitor desconhece, mas a vida, em inúmeros aspectos, se assemelha a de qualquer um de nós, comuns, como sugere o título.
As primeiras e as últimas palavras do texto giram em torno da morte, mas o enredo narra a história de um homem, que nos é apresentada desde a infância, pelas lembranças do irmão mais velho, Howie, e a vida adulta através da filha, Nancy, o único acontecimento de sua vida que ele tinha a impressão de não ter sido um "erro". Como registra o narrador:
"Nunca parou de se preocupar com Nancy, e também nunca chegou a compreender como pôde ter uma filha como aquela. Não havia necessariamente feito as coisas apropriadas para que ela desse certo, mesmo que Phoebe [mãe de Nancy] as tivesse feito. Mas há pessoas assim, pessoas de uma bondade espetacular – milagres na verdade –, e ele tinha a sorte incrível de ter uma dessas pessoas milagrosas e incorruptíveis como filha. Ficava perplexo quando olhava a seu redor e via tantos pais terrivelmente decepcionados – tal como ele se sentia decepcionado com os dois filhos homens, que continuavam a agir como se o que havia acontecido com eles jamais tivesse ocorrido antes ou depois com outras pessoas –, e ele tinha uma filha que era a melhor em tudo."
A si próprio, ele dizia que só "se preocuparia com o fim quando estivesse com setenta e cinco anos", mas, no primeiro ano de sua aposentadoria, a hospitalização a que foi submetido o transformou no "homem mais solitário" e "menos confiante" que conhecia. Ao constatar sua própria impotência diante da doença e também a de amigos que passavam pela mesma situação, pensava:
"Quando a gente é jovem, é o exterior do corpo que é importante, a aparência externa. Quando envelhecemos, é o que está dentro que importa, e as pessoas não ligam mais para a aparência."
Agora, que "lhe faltavam todas as formas de alívio, vivia uma esterilidade disfarçada de consolo, e não era possível voltar atrás. Uma sensação de alteridade o dominava – 'alteridade', uma palavra de sua linguagem particular que se referia a um estado de ser que lhe era quase inteiramente desconhecido até que sua aluna de pintura Millicent Kramer a usara".
Refletindo sobre sua própria vida a partir desta palavra, sem sequer compreender o seu significado, iludia-se:
"Meu Deus, o homem que fui! A vida que me cercava! A força que eu tinha! Não havia 'alteridade' em lugar nenhum! Era uma vez o tempo em que eu era um ser humano completo."
Numa manhã de quarta-feira, sem avisar ninguém, dirigiu-se ao hospital para ser submetido a uma cirurgia da carótida direita. Subjugando os pensamentos negativos e sentindo-se "animado e indestrutível", partiu igualmente sem compreender nada:
"Ele perdeu a consciência, sentindo-se longe de estar derrubado, de estar condenado, ansioso para realizar-se mais uma vez, e no entanto nunca mais despertou. Parada cardíaca. Deixou de ser, libertou-se do ser sem se quer se dar conta disso. Tal como ele temia desde o início."