18 Junho 2025
Às vésperas da COP30 e diante de protestos no Brasil e no exterior, a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) concedeu 19 áreas para exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas em leilão realizado nesta terça-feira (17/6).
A reportagem é de Rodrigo Vargas, publicada por Observatório do Clima, 17-06-2025.
Foram arrematados 40% dos 47 blocos ofertados na nova fronteira exploratória. O resultado amplia a área concedida na Foz do Amazonas de 5,7 mil km² para 21,9 mil km². Quatro petroleiras (Petrobras, as americanas Exxon e Chevron e a estatal chinesa CNPC) pagaram R$ 844 milhões pela concessão dos blocos na bacia – a eventual exploração ainda depende de licenças do Ibama.
No total, o governo brasileiro ofertou 172 blocos em cinco bacias sedimentares: Foz do Amazonas, Potiguar, Parecis, Santos e Pelotas. Trinta e quatro (20%) foram concedidos para nove empresas do setor. Realizado em um hotel na zona oeste do Rio de Janeiro, o leilão foi marcado por protestos do lado de fora. Cerca de 250 manifestantes, entre lideranças indígenas e representantes da sociedade civil, ergueram faixas pedindo a interrupção do pregão.
Na abertura, a diretora interina da ANP, Patrícia Baran, disse não ver contradição na busca por expandir as áreas de exploração de petróleo e gás em meio ao “ambiente de transição para energias limpas e de baixo carbono”. “Os grandes produtores de petróleo continuam a anunciar o desenvolvimento de novos campos, incluindo novas fronteiras exploratórias, ao mesmo tempo em que implementam políticas de transição energética que visam alcançar no futuro o nível de emissões que a matriz energética brasileira já possui hoje”, alegou.
Na Conferência de Bonn (Alemanha), principal evento climático preliminar à COP30, que será realizada em novembro na capital do Pará, a venda dos blocos de exploração também foi alvo de manifestação organizada por 350.org, Oil Change, Coiab e OC.
O coordenador de política internacional do OC, Claudio Angelo, participou do protesto e classificou o leilão como ato de “dupla sabotagem”. “As emissões resultantes da exploração desses blocos podem chegar a 11 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, o que é aproximadamente duas vezes o que os EUA emitem anualmente. A outra sabotagem é contra os diplomatas do meu país, que estão aqui em Bonn tentando unir o mundo para resultados ambiciosos na COP que vai acontecer em alguns meses em Belém”, criticou.
O cacique Ninawá Huni Kui, liderança do povo Huni Kui (Acre), chamou de “contradição energética” a posição do país. “O Brasil pode ser parte da solução, mas isso exige coragem política para dizer não aos leilões fósseis, e sim à proteção permanente de todos os biomas e de seus povos. Estamos aqui para lembrar: a COP não pode ser palco de marketing climático. Ela precisa ser ponto de virada. E a virada começa agora.”
Ilan Zugman, diretor da 350.org para América Latina e Caribe, avaliou que o país “não será um líder climático enquanto continuar alimentando essa crise”. “Não se trata apenas de emissões, mas de injustiça. Ao leiloar a floresta e o litoral amazônico para petroleiras, o governo viola os direitos dos povos indígenas, coloca comunidades tradicionais em risco e acende o pavio da destruição que diz querer evitar. Precisamos ver um plano real para uma transição energética justa – e sem fósseis”, afirmou.
Apesar das novas frentes de exploração arrematadas, a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, avaliou como positiva a ausência de interessados nos blocos sobrepostos a Áreas de Influência Direta (AID) de Terras Indígenas e nos blocos da bacia Potiguar —localizados na cadeia de montes oceânicos de Fernando de Noronha, que tem ligação ecológica com o arquipélago e o Atol das Rocas. “Dos 118 blocos considerados litigiosos, apenas 23 foram arrematados, o que representa um índice de sucesso de mais de 80% nas ações de resistência articuladas por organizações e comunidades. Isso mostra que a mobilização da sociedade civil tem impacto real”, disse a diretora.
Para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC, todo o processo demonstra na prática negacionismo climático. “O Brasil não precisa abrir novas fronteiras de exploração de petróleo e muito menos em áreas ambientalmente sensíveis como a bacia sedimentar da Foz do Amazonas e outras áreas da Margem Equatorial. Temos de explorar as áreas já abertas de forma estratégica, olhando nossa demanda, e ter um plano de descarbonização transparente. Temos também de debater claramente a redução dos gigantescos subsídios que o Brasil concede aos fósseis”.
Os 34 blocos arrematados renderam quase R$ 1 bilhão de bônus, com ágio de 534%. Simultaneamente ao leilão, o governo brasileiro apresentou na manhã desta terça-feira o Balanço Ético Global (BEG), “um chamado mundial à ação climática rumo à COP30”. O objetivo é que as discussões levantadas pelo BEG “contribuam para alinhar o arcabouço e os processos de negociação” da Convenção sobre Mudança do Clima da ONU. Segundo o MMA, os encontros reunirão líderes religiosos, artistas, representantes de povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes, jovens, cientistas, empresários, mulheres, formuladores de políticas públicas e ativistas.