16 Junho 2025
Os resultados do censo demográfico 2022 vieram atualizar o debate sobre a dinâmica do campo religioso no Brasil
O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, publicado por EcoDebate, 16-06-2025.
O município de Japeri, localizado na Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, passou à condição de município independente de Nova Iguaçu em 2 de dezembro de 1991. Segundo as estimativas municipais do IBGE, Japeri tinha uma população de 102 mil habitantes em 2024.
A cidade de Japeri apresenta rápidas mudanças no cenário religioso municipal. Os dados do Censo Demográfico 2022 mostram que, no plano nacional, houve uma desaceleração no ritmo da transição religiosa no Brasil. A Igreja Católica demonstrou resiliência, registrando uma queda menor do que o esperado em nível nacional e o Brasil continua sendo o maior país católico do mundo.
No entanto, a situação não é favorável à Igreja Católica na Baixada Fluminense. Em Japeri (RJ), as filiações católicas estavam em 54,9% em 1991, caíram para 36,8% em 2000, para 26,3% em 2010 e diminuíram para apenas 19% em 2022.
No mesmo período, as filiações evangélicas aumentaram de 17,5% em 1991, passaram para 32,9% em 2000, para 38,2% em 2010 e atingiram 41,5% em 2022. As pessoas que se declaravam sem religião eram 21,8% em 1991, passaram para 26,1% em 2000, para 29,8% em 2010 e alcançaram 31% em 2022.
O percentual das outras religiões estava em 5,8% em 1991, passaram para 4,2% em 2000, para 5,6% em 2010 e alcançaram 8,5% em 2022. Portanto, o percentual de católicos de Japeri em 2022 foi superado não apenas pelo percentual de evangélicos, mas também pelo percentual do grupo sem religião, conforme mostra o gráfico abaixo.
Gráfico da pluralidade religiosa em Japeri (RJ). Fonte: IBGE
Os resultados do censo demográfico 2022 vieram atualizar o debate sobre a dinâmica do campo religioso no Brasil. Alguns pesquisadores aproveitaram a desaceleração do aumento das filiações evangélicas para negar que o Brasil possa completar a transição religiosa, com uma mudança de hegemonia entre os dois maiores grupos religiosos do país.
O sociólogo Paul Freston é um dos principais autores da tese de que o Brasil dificilmente terá uma maioria evangélica. Ele afirma que existe um piso católico e um teto evangélico que está em torno de 35%. Eu respeito muito a formulação do colega sociólogo Paul Freston. Ele apresenta argumentos em favor de uma tese que é falseável, no sentido da metodologia da ciência de Karl Popper. O que eu não aprecio é a situação gerada por alguns estudiosos de religião que ficam em cima do muro e não indicam uma conclusão que possa ser refutável na análise concreta.
Eu considero que existe uma possibilidade de Paul Freston estar certo e interpreto sua tese como um cenário possível. Mas é pouco provável. E falo isto com base em evidências. A maior evidência é que os evangélicos já ultrapassaram os católicos em 2 estados e em 245 cidades do país.
No ano 2022, as filiações evangélicas superaram as filiações católicas em 40 cidades fluminenses, somando 6,3 milhões de habitantes (representando 40% da população estadual). Em três municípios havia mais de 200 evangélicos para cada 100 católicos. A relação entre evangélicos e católicos atingiu 236 em Seropédica, 227 em Silva Jardim e 219 em Japeri. Portanto, nestas 3 cidades o número de evangélicos é mais do dobro do número de católicos.
No estado de São Paulo os evangélicos já ultrapassaram os católicos em 24 cidades. No município de Cajati o percentual de católicos caiu para 19,9% e o percentual de evangélicos subiu para 53,3% e há quase 3 evangélicos para cada católico. No município de Itaquaquecetuba (de cerca de 400 mil habitantes) os evangélicos, com 38%, já superam os católicos com 36% da população municipal. A transição religiosa caminha a passos largos na periferia das duas maiores regiões metropolitanas do Brasil.
A cidade de Alto Caparaó, que fica no segundo estado mais populoso do país, Minas Gerais, apresentou uma percentagem de 25,4% de católicos em 2022 e 63% de evangélicos. Há 2,5 evangélicos para cada católico em Alto Caparaó.
A realidade é que a transição religiosa brasileira, com os evangélicos superando os católicos, já ocorreu no Acre e Rondônia e em mais de duas centenas de cidades. Na cidade de Serra, no Espírito Santo, com 520 mil habitantes (a maior cidade capixaba) os evangélicos marcaram 40,1% em 2022, contra 35,7% dos católicos. Números semelhantes ocorreram em Cariacica também no Espírito Santo. A mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos, não apenas é possível, como tem se tornado cada vez mais provável.
O Brasil continua majoritariamente católico e as mudanças na dinâmica das filiações religiosas tem importância no cenário latino-americano e também no contexto internacional.
O que está em discussão no cenário religioso brasileiro não é se os evangélicos vão superar os católicos, mas sim quando isto ocorrerá. Nas minhas novas projeções esta ultrapassagem irá ocorrer até 2049.
Tomando como base a variação percentual anual dos quatro grandes grupos entre 2010 e 2022, o gráfico abaixo apresenta uma projeção até o ano de 2049 quando as filiações evangélicas podem ultrapassar as filiações católicas se o ritmo da última variação intercensal for mantida. O gráfico mostra que o percentual nacional de católicos deve cair para 51,2% em 2030, para 44,3% em 2040 e para 38% em 2049. O percentual de evangélicos deve subir para 30,4% em 2030, para 34,7% em 2040 e para 38,6% em 2049. O percentual de pessoas que se declaram sem religião deve chegar a 12,5% em 2049 e o percentual das demais religiões deve chegar a 10,9% em 2049.
Gráfico da transição religiosa no Brasil. Fonte: Censo demográfico de 1872 e 1890 e Censo demográfico de 1940 e 2022.
Os dados do censo 2022 não possibilitam uma análise definitiva sobre a transição religiosa no Brasil. Novas pesquisas serão necessárias para se traçar um quadro mais amplo do cenário atual e das perspectivas futuras. O debate está aberto e é preciso mais tempo para se analisar todos os aspectos da transição religiosa no maior país católico do mundo.
ALVES, JED et al. Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 29, n. 2, 2017, pp: 215-242
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), (com a colaboração de Francisco Galiza), maio de 2022.