16 Junho 2025
"Devemos prestar atenção à agenda de Netanyahu, que os EUA e os europeus de fato apoiam para conter o enriquecimento de urânio iraniano. O primeiro-ministro quer a destruição das instalações nucleares e a decapitação da liderança de Teerã. Ele encaminhou ambos os objetivos dando um viés existencial à guerra: só termina com a vitória de Israel".
O artigo é de Alberto Negri, filósofo italiano, publicado por Il Manifesto, 15-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O tigre da guerra saiu da jaula e colocá-lo de volta será muito difícil. Além disso, são os próprios domadores, encabeçados pelos Estados Unidos, que o soltaram com o fracasso diplomático intencional de Trump. Ele, e agora também os europeus, com uma liderança desinformada e sem influência e a contribuição das direitas soberanistas-populistas, que aceitaram de fato a agenda bélica de Netanyahu.
Mais um golpe no direito internacional e na diplomacia, que o Ocidente outrora defendia e que, em vez disso, agora abandonou completamente qualquer vislumbre de humanitarismo e legalidade, como demonstrado pela tragédia desumana de Gaza: a chamada "Europa dos valores" aceitou o genocídio palestino e agora, enquanto fala em desescalada, aprova o ataque israelense ao Irã dos aiatolás, que serve para manter Netanyahu politicamente no cargo e distrair o mundo da tragédia imparável da Faixa de Gaza. O primeiro resultado negativo é que a guerra afundou temporariamente a conferência sobre a Palestina e os dois Estados, agendada para esta semana em Nova York.
Estamos apoiando uma lógica bélica e de extermínio que não levará a uma nova ordem no Oriente Médio, mas a mais uma temporada de desestabilização, o mesmo caos que causamos por quase duas décadas na região com a guerra no Iraque em 2003, desencadeada com a desculpa de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas. O caos tem apenas um propósito: fazer de Israel, como os Estados Unidos querem, e não de hoje, a única superpotência na região, para aniquilar um mundo árabe já inerte e indefeso, destruindo, se possível, também o Irã e dividir a Síria, mando sob controle a Turquia de Erdogan, membro relutante da OTAN.
Aqui não somos espectadores, mas participantes voluntários desse infeliz projeto de destruição das nações do Oriente Médio. Um plano que pode naturalmente sair do controle, como demonstra o passado recente.
Com o contra-ataque do Irã às cidades israelenses, os EUA já entraram em campo para defender Israel, mobilizando navios e aviões não apenas para proteger as bases no Golfo, mas também apoiando as operações de Tel Aviv. Pelo mesmo motivo, Macron também se alinhou e será seguido, de diferentes maneiras e nuanças, por outros países europeus: Teerã ameaça colocá-los na mira das retaliações. A Itália está em risco porque tem um forte contingente militar na UNIFIL no Líbano, onde Israel já mobilizou os reservistas, como fez na Síria. Depois, há o Mar Vermelho, onde os navios de guerra italianos no Estreito de Bab el-Mandeb enfrentam, juntamente com outras nações, incluindo Israel, os Houthis do Iêmen, aliados de Teerã e que já entraram em ação contra o Estado judeu.
A guerra também tem, evidentemente, um impacto econômico: mais de 20% do suprimento mundial de energia passa pelo Golfo, onde o Irã ameaça fechar Ormuz, pelo Mar Vermelho e pelo Canal de Suez onde passa mais de 60% a 70% do tráfego naval no Mediterrâneo. Não apenas os preços do petróleo e do gás estão disparando, mas também as ações das indústrias bélicas, especialmente as estadunidenses, que, como Trump se gabou, fornecem armamentos sofisticados aos israelenses. Isso é um indicador de que a guerra está destinada a continuar, mas também um sinal político de que o complexo militar-industrial israelense-estadunidense é uma realidade dominante, mesmo para nós, que participamos dele com receitas e lucros.
Devemos prestar atenção à agenda de Netanyahu, que os EUA e os europeus de fato apoiam para conter o enriquecimento de urânio iraniano. O primeiro-ministro quer a destruição das instalações nucleares e a decapitação da liderança de Teerã. Ele encaminhou ambos os objetivos dando um viés existencial à guerra: só termina com a vitória de Israel. A destruição das instalações nucleares, no entanto, não é completa; algumas delas são protegidas por túneis escavados em profundidade.
São necessárias bombas poderosas, que os israelenses possuem apenas em parte: portanto, é necessário o apoio dos estadunidenses e Trump já ameaçou, se não retomar as negociações com a rendição de Teerã, uma destruição total.
Quanto à decapitação do regime, Israel já atingiu a linha de frente militar e deixa claro que está pronto para atingir também a político-religiosa, ou seja, Khamenei. O alerta veio ao tomar como alvo sua residência em Teerã, Shamkani, conselheiro histórico do Líder Supremo, mas também em Qom, o vaticano do xiismo. Netanyahu tem algumas cartas importantes na mão, pois, por meio de infiltrados de alto escalão, conseguiu atingir os líderes do Pasdaran em sua casa. Uma mudança de regime com uma revolta da população, como o primeiro-ministro judeu gostaria com seu apelo à população iraniana, contudo não é provável: os iranianos temem o regime, mas talvez temam ainda mais o destino do Iraque e a queda no caos e na anarquia.
Os próprios países árabes e do Golfo, sauditas na frente, contrários à guerra, receberam uma mensagem inequívoca: ou aceitam a supremacia israelense ou eles mesmos poderiam acabar na mira; certamente não se trata de um viático para o famoso Pacto de Abraão patrocinado por Trump.
E chegamos às soluções diplomáticas e ao papel da Rússia e da China, os dois países mais próximos de Teerã. O mediador Omã não conseguiu trazer estadunidenses e iranianos de volta à mesa de negociações; Trump reivindica que a guerra de Israel forçará Teerã a negociar.
Mas sobre o quê? Até agora, ele não ofereceu um acordo, mas uma rendição: bloqueio do programa nuclear sem nada em troca em termos de cancelamento ou flexibilização das sanções. Mais do que um negociador, ele pareceu ser uma espécie de carteiro de Netanyahu. Conseguirá sair desse papel humilhante? Precisa conseguir, caso contrário, perderá credibilidade dentro e fora dos EUA. Mas qualquer lógica política aplicada a esse presidente depende de seu comportamento errático e imprevisível.
Quanto à reação de Putin ao ataque ao aliado que lhe fornece drones contra a Ucrânia, nos leva a uma reflexão paradoxal. Ele é o único que falou tanto com Netanyahu quanto com o presidente iraniano Pezeshkian. Quase surreal: Putin e Netanyahu, dois homens procurados pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, discutem mediações diplomáticas. A realidade é que Putin, mas também os chineses, que se opuseram às resoluções da AIEA, não parecem dispostos a arriscar nada de concreto para defender os aiatolás. E quanto ao G-7 que começa hoje no Canadá, já se depara com problemas: talvez nem haja um comunicado conjunto final.
Só uma coisa une Netanyahu e Khamenei: a vontade incansável de permanecer no poder, à custa de guerras, conflitos, massacres. Uma vontade de sobreviver que, como diria um filósofo há dois séculos, se traduz numa pulsão cega, irracional e insaciável que está na origem de todo sofrimento. Os palestinos exterminados por Netanyahu entendem muito bem isso.