‘Modus operandi’ dos megaeventos é potencializado em Belém. “A COP como negócio está acontecendo em todas as esferas”. Entrevista especial com Olga Lucia Castreghini de Freitas

“A sociedade é externalizada do processo. Esse é o maior problema que temos enfrentado em Belém e que é comum também, infelizmente, em procedimentos de organização das cidades em megaeventos”, diz a geógrafa

Foto: Agência Pára

Por: Patricia Fachin | 12 Junho 2025

Se nacionalmente a COP30 é desconhecida por mais de 70% dos brasileiros, como informam os dados do Instituto LACLIMA, publicados pelo jornal O Globo, em Belém, sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, dois mundos paralelos se manifestam. De um lado, o slogan “Bora ganhar com a COP” está na boca daqueles que veem o evento apenas como uma oportunidade de negócio. De outro, jovens, mulheres e grupos alternativos das baixadas, como são conhecidas as zonas periféricas da cidade paraense, propõem a criação de Yellow Zones, zonas amarelas, em contrapartida às oficiais Zona Azul e Zona Verde, para discutir os efeitos sociais das mudanças climáticas nas periferias da cidade. “Isso é inovador. É um movimento de uma parcela da sociedade civil, de ambientalistas e ativistas para o meio ambiente”, destaca Olga Lucia Castreghini de Freitas.

De acordo com a geógrafa, apesar de a ministra Marina Silva reiterar que a COP não é uma festa, mas “uma reunião séria que envolve o momento dramático que vivemos”, a maioria da população “está muito mais focada na euforia de que a COP vai significar um aumento de caixa do que nas discussões das mudanças climáticas que já bateram na nossa porta”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Olga destaca alguns pontos da pesquisa “COP30 das oportunidades de transformações urbanas aos desafios para a participação e o controle social”, realizada nos meses que antecedem a Conferência. Até o momento, menciona, tem sido possível observar em Belém o mesmo modus operandi que marcou a realização de megaeventos em outros estados do país dez anos atrás. “Uma coisa que chancela nossa ideia de megaeventos é a mudança de valor dos projetos. Primeiro, os projetos tinham um valor inicial e esses valores foram sendo modificados ao longo do tempo. Essa é uma característica dos megaeventos”, exemplifica.

Outra característica das obras em preparação para a COP30 é um traço do rodoviarismo. “As soluções para algumas das obras não tem, necessariamente, uma perspectiva sustentável como gostaríamos que tivessem. Estão construídos viadutos e avenidas. Inclusive, a avenida da Liberdade e a rua da Marinha cortam uma área de remanescente florestal. Ora, isso é contraditório com os pressupostos da Conferência e com as discussões que aqui se darão”. Além disso, acrescenta, “tem outras obras de asfaltamento das ruas. Ou seja, as ruas em Belém estão sendo asfaltadas. A menos que estejam fazendo isso com um tipo de compostos diferentes – e não há indícios disso –, nós estamos voltando para o estímulo do uso do carro. O asfalto estimula o uso do carro. As soluções que estão sendo implementadas em Belém estão longe daquilo que imaginávamos que poderia incorporar elementos da floresta e da vida desse lugar do país”. A COP30 será realizada de 10 a 21 de novembro.

Nesta quinta-feira, 12-06-2025, a COP30 será tema do IHU ideias promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e integrante do Observatório do Clima, ministrará a videoconferência “A COP30 no contexto do PL da Devastação e da geopolítica global. Possibilidades e limites”. O evento será transmitido nas redes sociais, no YouTube e na página eletrônica do IHU às 17h30min. Acesse aqui.

Olga Lucia Castreghini de Freitas (Foto: Arquivo pessoal)

Olga Lucia Castreghini de Freitas é graduada e mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP, com pós-doutorado pela Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne. É professora titular aposentada do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Confira a entrevista.

IHU – O que tem sido feito de inovador em termos de projetos sustentáveis ou de discussões sobre políticas de mitigação e enfrentamento das mudanças climáticas em Belém, em preparação para a COP30?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Muito pouco e essa é uma das maiores frustrações de todo mundo. Uma coisa interessante, que tem a ver com tecnologias sociais, é a reação das “baixadas” – em Belém, as periferias e favelas são chamadas de baixadas, exatamente porque estão nas áreas baixas, perto dos canais. O que tem surgido na cidade é o movimento de lideranças jovens dessas comunidades, que estão discutindo, de forma séria, as questões climáticas e como as mudanças climáticas afetam as áreas de baixada, as periferias e os pobres. Tem uma coalizão chamada COP das baixadas, que não surgiu em função da COP30, mas está atuante. Ela é formada por jovens, mulheres e grupos alternativos, que estão propondo as chamadas Yellow Zones. Isso é inovador. É um movimento de uma parcela da sociedade civil, de ambientalistas e ativistas para o meio ambiente.

A COP tem a Zona Azul, a das negociações, restrita à diplomacia, aos chefes de Estado e ao governo, e a Zona Verde, gerenciada pelo governo anfitrião, que é o lugar onde acontecem os eventos e uma série de atividades que tentam inserir a comunidade na COP30. Esse grupo está propondo a zona amarela, que seriam áreas nas periferias voltadas a discutir os problemas das mudanças climáticas no lugar onde elas acontecem e como afetam as periferias.

Estou na expectativa de que esse movimento tenha visibilidade nas atividades paralelas à COP30. Esse não é um movimento que surge do Estado e implica em obras. É um movimento que implica em circulação de ideias. No restante não tem inovação. São apresentadas soluções que todo mundo conhece. Daquilo que vejo, eu não me empolgo com nada do ponto de vista da inovação.

IHU – Para além desse grupo, como a população de Belém está reagindo à realização da COP30 na cidade?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Algumas instituições estão fomentando a COP como uma oportunidade de negócio. Tem sido  notícia o preço da hospedagem, que é estratosférica. Tem um segmento, muito fomentado por alguns sistemas, como o Sistema S, por exemplo, que promove, pelo próprio governo estadual, um processo de qualificação, de formação de pessoas no campo do turismo, para que os taxistas e motoristas de aplicativos minimamente compreendam uma língua estrangeira. Tudo isso é positivo.

Mas há um outro movimento que adotou o slogan: “Bora ganhar com a COP”. Isso implica inventar milhões de coisas para ganhar dinheiro com a conferência, perdendo o sentido do que é a COP. A Conferência das Partes como um negócio está acontecendo em todas as esferas. Uma rede de restaurantes, num shopping da cidade, divulgou um cartaz enorme: “Faça aqui seu evento da COP30”. A COP é, sim, uma oportunidade, mas ela não é só isso. A população não pode entender a COP unicamente como um jeito de ganhar dinheiro porque a COP vai passar.

Donos de apartamentos alugados estão pedindo os imóveis de volta. Ou seja, tem gente que não tem como prover outro contrato de aluguel agora porque está todo mundo enlouquecido com a ideia de que vai ficar milionário com a COP. Quem precisa morar de aluguel está tendo dificuldade. É um absurdo, mas é a ideia do “Bora ganhar com a COP”.

Outros estão criando produtos relacionados à COP, como o sorvete COP30, com aval do governador. A ministra Marina Silva sempre diz que a COP não é uma festa; a COP é uma reunião séria que envolve o momento dramático que vivemos. Mas a população está muito mais focada na euforia, na ideia de que a COP significará um aumento de caixa, e menos centrada nas discussões das mudanças climáticas que já bateram à nossa porta.

IHU – Qual a sua crítica relativa ao modelo de obras adotado em Belém para receber a conferência?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Temos uma crítica, uma observação: do ponto de vista conceitual e teórico, estamos enquadrando a COP como um megaevento. A dinâmica dos megaeventos tem se repetido em Belém. Apesar disso, a COP é um megaevento diferente. Ela não é um megaevento esportivo, como aqueles com os quais o Brasil teve experiência dez anos atrás e terá novamente com a Copa Feminina em 2027.

Megaevento diferente

A COP é um megaevento de natureza diferente: envolve pessoas que participam de um debate político. Pactos e acordos sobre os rumos do planeta em termos do aquecimento global serão firmados na Conferência. Isso faz com que a COP tenha uma preocupação fundamental com as questões de sustentabilidade.

Vou dar um exemplo: uma das exigências da Organização das Nações Unidas – ONU é que o transporte dos participantes seja feito em ônibus elétrico exatamente para virar a chave da matriz energética e do uso dos combustíveis fósseis. Estes veículos serão providenciados em todas as cidades onde a COP é realizada. Mas isso não implica dizer que, necessariamente, os ônibus elétricos passarão a ser a principal modalidade de ônibus a circular em Belém no futuro próximo. Então, existem inciativas que são pensadas para a COP e iniciativas que deveriam estar sendo pensadas para além da COP.

Soluções não sustentáveis

As soluções para algumas das obras não têm, necessariamente, uma perspectiva sustentável como gostaríamos que tivessem. Estão construídos viadutos e avenidas. Inclusive, a avenida da Liberdade e a rua da Marinha cortam uma área de remanescente florestal. Ora, isso é contraditório com os pressupostos da Conferência e com as discussões que aqui serão feitas. Há outras obras de asfaltamento das ruas. Ou seja, as ruas em Belém estão sendo asfaltadas.

A menos que estejam fazendo estas coisas com um tipo de compostos diferentes – e não há indícios disso –, nós estamos voltando para o estímulo do uso do carro. O asfalto estimula o uso do carro. As soluções que têm sido implementadas em Belém estão longe daquilo que imaginávamos que poderia incorporar elementos da floresta e da vida desse lugar do país.

Ao mesmo tempo, precisamos fazer a seguinte ponderação: a COP foi anunciada a menos de dois anos atrás. Então, também temos uma questão de tempo. Para que houvesse vários compromissos com sustentabilidade, materiais alternativos, soluções que ressaltassem as características próprias desse lugar, era preciso mais tempo para pensar sobre essas soluções, o que não existiu. Portanto, algumas soluções muito comuns foram adotadas.

Obras para receber a COP30

A cidade passa por um intenso burburinho por causa das obras. É um campo de trabalho. A seis meses da COP muitas obras estão em andamento e entrando na reta final. A perspectiva é de que as obras se encerrem antes de novembro, porque tem outro evento importante para acontecer em Belém no segundo domingo de outubro: o Círio de Nazaré. A expectativa de término dos novos hotéis está prevista para a realização do Círio, que acontece um mês antes da COP.

Tem uma série de obras sendo feitas. Algumas são importantes para a realização da COP e outras estão ligadas à rede hoteleira, a transformações de avenidas e canais da cidade. Uma obra importante para a realização da COP é o Parque da Cidade, local onde a Zona Azul e Zona Verde – que são exigências da ONU – vão se concentrar. Para termos uma ideia de tamanho, essas áreas estão no local do antigo aeroporto de Belém, que foi desativado. O terreno era da Aeronáutica e, por uma série de negociações, o estado conseguiu a concessão para construir um parque, ainda bem antes da COP.

Com a definição de Belém para receber a COP, acelerou-se o processo de obtenção de recursos para a viabilização do parque. Então, o Parque da Cidade é a principal infraestrutura para a COP30 porque é nele que estarão as instalações tanto definitivas do parque no futuro quanto as provisórias, montadas provisoriamente para abrigar as discussões da COP30. O parque tem duas partes: uma já está com a infraestrutura definitiva, que permanecerá depois da Conferência, e a outra tem uma estrutura provisória. Essa infraestrutura é fundamental e está sendo construída num ritmo muito acelerado.

Também é importante dizer que a obra do Parque da Cidade está sendo executada pela Mineradora Vale, em função de dívidas ligadas a questões ambientais que a empresa tinha com o governo. O dinheiro não está saindo diretamente do governo do Estado, mas da Vale, o que dá agilidade maior nas contratações.

Também importa dizer que o Parque da Cidade está muito perto do atual aeroporto de Belém, formando uma espécie de eixo entre o aeroporto, o Parque da Cidade e o Hangar Centro de Convenções, no meio do caminho de onde está a principal rede hoteleira de Belém. Alguns parques lineares estão em construção, com obras adiantadas. Do ponto de vista da conclusão, as obras que estão sendo prometidas para a COP30 e que estão diretamente vinculadas ao megaevento serão concluídas em tempo.

Obras de compromisso e de oportunidade

Na nossa pesquisa, denominamos dois tipos de obras. As obras de compromisso são as que aparecem nos protocolos ONU como necessárias para uma cidade sediar uma COP, como as relativas ao centro de convenções, à rede hoteleira ou soluções de hospedagem e ao transporte para a circulação de pessoas durante a Conferência.

Já as obras de oportunidade são aquelas espalhadas pela cidade de maneira mais ampla, mas não são vitais para a realização da COP30. Entre elas estão o Parque Linear da Doca, que é um canal na área central de Belém; o Porto Futuro II, que é a requalificação de uma área portuária, continuando uma iniciativa de mais de vinte anos para a estação das docas [bacias artificiais de pequenas dimensões, construídas em desvios das linhas normais de navegação do porto].

Essa série de obras não estará pronta até a COP porque não são obras para a conferência; são obras de drenagem urbana. Belém tem mais de uma dezena de bacias hidrográficas. Então, há muitos canais pela cidade e uma parte deles passa por um processo de transformação que tem a ver com o saneamento básico. Isso não vai ficar pronto tão cedo porque essas obras têm outra temporalidade que não é a da COP.

IHU – Na imprensa estão repercutindo algumas críticas ao Terminal Hidroviário Internacional que está sendo construído e às “ecoárvores”, estruturas artificiais criadas para fazer sombra. Qual a situação dessas obras?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Belém já tem um terminal hidroviário em funcionamento e tem uma dezena de portos pequenos, de onde partem as embarcações menores para as ilhas. Ou seja, tem uma realidade portuária importante. O Terminal Hidroviário Turístico Internacional era uma proposta de construção que implicaria na dragagem de uma área importante da baía para que os navios de cruzeiro pudessem ser atracados. Uma das soluções de hospedagem é o aluguel de dois navios de cruzeiros que vão ficar atracados. Inicialmente, eles ficariam no Terminal Hidroviário Turístico Internacional, numa área central de Belém, ao lado do Porto Futuro II. Essa ideia não prosperou.

O terminal vai existir, mas sem a capacidade de ancoragem de transatlânticos, porque isso implica na dragagem da baía. Belém tem uma dinâmica de marés muito forte e, portanto, de sedimentação. Então, qualquer estrutura de dragagem teria que ser refeita em intervalos de tempo muito curto, o que não é viável economicamente. Por causa disso, abortou-se a ideia dos transatlânticos aportados na região, mas eles ficarão atracados no Distrito de Outeiro, que tem um porto que oferece mais condições para que grandes navios fiquem atracados.

Belém é um município que tem várias ilhas e numa delas, em Outeiro, o porto está sendo remodelado para acolher esses navios. Essa é uma situação que frustrou as expectativas porque, do ponto de vista da logística, a ideia era que os navios ficassem atracados numa área central de Belém. Agora eles ficarão bem distantes, e isso implica uma operação de mobilidade que não é trivial. Para as pessoas saírem desses navios – estamos falando de mais de cinco mil leitos de hospedagem – e chegarem até o Parque da Cidade, será necessária uma operação importante do ponto de vista do deslocamento. Não é algo trivial, mas já foi pensado.

Ecoárvores

Sobre as árvores, há uma questão polêmica porque, de fato, não se planta uma árvore hoje para ela dar sombra daqui a três meses. Houve um processo de transferência de árvores de outros lugares para o Parque da Cidade. Então, as árvores que estão sendo plantadas no Parque da Cidade têm outro tipo de tratamento e são árvores formadas, embora ainda não deem sombra. A questão da sombra em Belém é importante, porque faz muito calor. No meio da manhã, a sensação térmica é de 35ºC e a temperatura é de 28ºC.

O grande equívoco em torno das ecoárvores foi, no afã de quererem fazer uma coisa diferente, inventarem algo que conflita com a ideia básica da própria conferência, que é usar ferro e plantas para recriar a forma de uma árvore. Poderiam ter adotado outra estrutura destinada a ter a sombra. Na Amazônia, propor uma árvore artificial, é, minimamente, falta de tato.

Essas soluções estão sendo implementadas na reformulação do canal da doca. Não há ali uma renaturalização da área. A árvore artificial deixa muito claro que o objetivo é embelezar o canal, retirar aquele aspecto árido e transformá-lo para criar um espaço de caminhada. Mas isso não é a renaturalização do canal. Se o objetivo fosse a renaturalização do canal, a intervenção precisaria ser completamente diferente do que está sendo. Mas não há nem profundidade de solo para plantar árvores naquele lugar. Esses são erros de comunicação e estratégia que vão dando tons negativos para o processo de transformação e proposição de obras.

Ecoárvores, estruturas artificiais que imitam árvores para emitir sombra (Foto: Leonardo Macedo | Ascom/SEOP)

IHU – Por outro lado, o que tem sido feito na cidade para melhorar o saneamento básico?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Surgiram recursos para macrodrenagem de vários canais da cidade. São obras que visam o bem-estar e a qualidade de vida da população local. O que chama atenção é que, de repente, parece que o Brasil, sobretudo o Centro Sul, está descobrindo que tem um Brasil do Norte e do Nordeste, no qual as pessoas não têm, no seu cotidiano, itens elementares de saneamento básico. Todo mundo ficou chocado porque Belém é uma cidade onde falta saneamento básico. Isso é de hoje? Não, isso é histórico.

Sou uma defensora da necessidade do saneamento básico e da água potável porque isso significa qualidade de vida e saúde, mas todo mundo sabe que a solução desses problemas não acontece num passe de mágica. O saneamento tem a ver com um processo longo, duradouro e custoso, que implica em muito dinheiro para resolver o problema. Mais do que isso: Belém é uma cidade plana, com muitos canais, com uma dinâmica de marés que faz com que a água adentre esses canais em momentos de maré alta.

Então, as soluções de saneamento não são fáceis e não são necessariamente aquelas que funcionam noutros locais do país. Em Belém, o problema do saneamento é maior quando comparado ao Sul do Brasil, mas se compararmos a situação com outras cidades do Norte, há uma semelhança muito grande neste tipo de problema.

A COP é um álibi para que recursos sejam colocados em Belém. Tenho a expectativa de que essas obras continuem após a COP, porque elas são de longo prazo, e que o dinheiro seja aportado para que elas sejam concluídas. Isso será um ganho fundamental para a população.

IHU – Alguma prática questionável dos megaeventos passados está sendo repetida na preparação para a COP30?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Há algo que já aconteceu nos megaeventos dez anos atrás e estamos vendo potencializar-se em Belém: o modus operandi. Uma coisa que chancela a nossa ideia de megaeventos é a mudança de valor dos projetos. Primeiro, os projetos tinham um valor inicial e esses valores foram sendo modificados ao longo do tempo. Essa é uma característica dos megaeventos. Segundo, e vinculado a isso, é que se trata de investimento público. A rede hoteleira também tem apoio do Fundo do Turismo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, mas são empréstimos firmados pelo capital privado.

Outra coisa é a ausência de mecanismos de transparência no conhecimento e no tornar público os investimentos para a sociedade. Não há um portal da transparência, não há fontes repositórias onde possamos encontrar informações atualizadas sobre os projetos. Desconhecemos os projetos que estão sendo implementados. A participação popular é pífia. Não há estratégias nem mecanismos de inserção da sociedade nessa discussão. Uma parte das pessoas nem sequer faz ideia do que seja a COP – uma parte muito grande, inclusive.

Infelizmente, seguimos com o problema de ausência de acolhimento das pessoas e das ideias das pessoas nesse processo. A sociedade é externalizada do processo. Esse, para mim, é o maior problema que temos enfrentado em Belém e que é comum também, infelizmente, em procedimentos de organização das cidades em megaeventos.

IHU – Uma das marcas dos megaeventos relacionados aos eventos esportivos foi a construção dos chamados “elefantes brancos”. Há possibilidade desse modelo se repetir em Belém?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – A COP não requer esse tipo de instalação. Então, a probabilidade de ter “elefantes brancos” é menor. Mas outros problemas podem ocorrer, sim. Por exemplo, o Parque da Cidade vai ser um parque público muito grande, e há uma expectativa de que ele seja utilizado no futuro, mas só saberemos disso lá adiante porque não temos como saber como será a reação das pessoas em termos de frequentação do lugar.

O Porto Futuro II tem a ver com a transformação de galpões da área portuária. Ali terá um hotel internacional importante, de luxo, o teatro da Caixa Cultural, o Museu das Amazônias, um polo gastronômico. Quer dizer, existe uma grande chance de que esses espaços sejam utilizados no cotidiano das pessoas, não se transformando em estruturas vazias ou sem usos. Depois, temos obras de transformação de canais, que já existem na cidade e que passam por avenidas importantes.

Então, a ideia do elefante branco se aplica menos ao que está acontecendo aqui. No entanto, fica a preocupação sobre como se dará a manutenção para que esses espaços tenham usos adequados. Belém é uma cidade muito quente e úmida, há uma deterioração rápida dos materiais. Com isso, é preciso que as obras passem por constantes processos de manutenção. Isto implica em ter dinheiro, e essa é uma questão que nos preocupa porque uma coisa é ter dinheiro para construir, outra é o dinheiro para manter.

Do ponto de vista do setor hoteleiro, há uma expectativa sobre os mecanismos futuros de ocupação dos novos leitos que estão sendo criados para Belém. A rede será ampliada significativamente para a COP30. Mas qual será a situação no futuro?

IHU – Comunidades estão sendo removidas por causa das obras?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Tem acontecido remoções, mas não em grande escala. Temos acompanhado alguns casos de remoção ao longo dos canais. Em função das obras dos canais, há a remoção de três ou quatro casas. Outros casos implicaram uma remoção de um conjunto de mais de 200 metros, onde viviam várias famílias. Mas isso não dá o tom das obras.

O fato de as remoções não serem realizadas em grande escala não dá a elas grande visibilidade. As pessoas ficam recolhidas e não sabem a quem recorrer. O tratamento que o governo deu a esses casos é individual – não que seja bom –, ou seja, não permite uma reação coletiva. As propostas foram feitas de casa em casa, com negociações individualizadas que tiram a possibilidade de negociação coletiva. Isso aconteceu sobretudo no canal da Tamandaré, no Terminal Hidroviário Turístico. Diversas famílias que viviam ali há décadas foram retiradas sem muitas informações e isto foi feito de um dia para o outro, literalmente. Ou seja, pessoas foram atingidas da mesma forma.

IHU – O contato dos participantes da Conferência com a Amazônia brasileira poderá causar algum efeito diferente na COP deste ano em relação aos encaminhamentos observados nas demais conferências do clima, amplamente criticadas?

Olga Lucia Castreghini de Freitas – Pode ser um ganho muito grande. É o momento de as pessoas não mais olharem a Amazônia como um folclore, mas como um território de disputas, de conflitos, um território de populações tradicionais, de ausências e carências de infraestrutura. As cidades da Amazônia têm esse perfil de ausências importantes em termos de saneamento e água potável. Mais do que o estrangeiro conhecendo a Amazônia, tem sido uma oportunidade de o Brasil se olhar e reconhecer a Amazônia. Esta é a minha grande expectativa: que possamos dar visibilidade não só aos problemas que temos aqui, mas também às potencialidades e belezas desse lugar. Ou seja, preservar não só a floresta, mas os modos de vida que aqui se constituem.

As pessoas falam muito da Amazônia, mas nunca estiveram na Amazônia. É muito fácil criticar de fora ou apontar os problemas. O difícil é vir aqui e ver as condições não só do sistema de engenharia local, que exige outras perspectivas, mas as condições de como as pessoas vivem e entendem a vida, que é muito diferente do que acontece no restante do país e do mundo. Ou seja, é preciso considerar a junção da floresta, o modo de vida ribeirinho, o tempo lento, que é uma das características desse lugar.

Para termos uma ideia, se eu ir de Belém para Macapá de avião, vou demorar 40 minutos. Se for de barco, vou demorar 24 horas. Essas são as únicas alternativas que temos. Não podemos pegar um carro e ir para Macapá. Não adianta querer construir estradas. A transamazônica está empatada há meio século porque a estação de chuvas coloca tudo abaixo. É preciso que as pessoas entendam as particularidades desse lugar e, nesse sentido, me parece que a COP pode representar uma oportunidade.

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