27 Mai 2025
Como tantas pessoas ao redor do mundo, o cineasta francês Boris Lojkine estava fechado em seu apartamento em Paris durante o lockdown, em 2020, e percebeu que, quando olhava pela janela, nas ruas estavam apenas os motoboys, entregadores de comida de aplicativos. “Descobri depois que a maioria não tinha documentos para viver na França e vinha da África Ocidental”, conta em entrevista ao CineWeb, via Zoom.
A informação é de Alysson Oliveira, jornalista e crítico de cinema, publicado por CineWeb, 23-05-2025.
Com sólida experiência em documentários, ele se interessou em contar essa história, retomar o tema de seu primeiro longa de ficção, Hope, sobre os imigrantes ilegais. “O filme mostra a jornada dessas pessoas da África para a Europa. Eu queria fazer algo sobre como é a vida deles na França. Não é uma continuação, mas são dois filmes que conversam entre si. Esse é sobre o papel dos imigrantes nessa economia marcada pela tecnologia”.
O resultado é A História de Souleymane, que chega aos cinemas brasileiros nessa quinta (22). O filme nasce de muita pesquisa que Lojkine fez pelas ruas de Paris com esses entregadores, que muito têm em comum. O protagonista é um deles, um personagem criado a partir de vários depoimentos, que trabalha nas ruas com uma moto, dorme em abrigos, e tenta conseguir os documentos legalmente para viver na França. O filme ganhou diversos prêmios, entre eles, o de melhor diretor na mostra Un Certain Regard, em Cannes, melhor roteiro e montagem, no César, além de ter sido indicado em diversas categorias, na premiação, como melhor filme e diretor.
O protagonista é interpretado por Abou Sangare, um entregador que nunca havia atuado. O processo para a escalação do personagem, conta Lojkine, foi complicado. Fez audições com diversos desses motoboys em Paris, e não conseguia encontrar ninguém. Foi só apenas em outra cidade, Amiens, que, depois de uma série de contratempos, conheceu Sangare, que estreou no cinema e hoje já ganhou diversos prêmios, entre eles melhor ator na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes, e o César de melhor ator estreante.
O diretor queria para o filme ume elenco formado por atores e atrizes não profissionais – exceto por Nina Meurisse, também premiada com o César de coadjuvante, que interpreta uma agente da OFPRA, uma agência governamental francesa responsável por examinar pedidos de imigração na França. É num escritório da agência que acontece a cena climática do longa: a entrevista de Souleymane.
O longa teve autorização para filmar por quatro dias nesses escritórios – dois finais de semana, quando o local não funciona –, e o diretor contou com isso para o realismo da cena, embora, ele mesmo conte que toma liberdades narrativas. Muito da história que o personagem Souleymane conta à agente vem da própria vida de Sangare. Mas, antes disso, como tantos outros imigrantes, ele conta uma história falsa para tentar impressionar a agente, que, experiente, sabe que aquilo não é verdade.
“Ela está preenchendo os formulários e pede para que ele conte a história real, pois já ouviu aquela diversas vezes. Na vida real, isso não muito provavelmente aconteceria, os agentes não costumam fazer esse tipo de intervenção, mas, no filme, pudemos trazer isso. E é aí que Sangare conta sua própria história”.
Lojkine afirma que a primeira parte, a da história falsa, era seguida conforme ele e Delphine Agut haviam roteirizado, e, por isso, era até mais difícil para Sangare e Meurisse. Na segunda parte o ator pode recuperar sua própria trajetória, o que lhe deu ainda mais profundidade emocional.
Outro elemento que Lojkine considerava fundamental para o longa era filmar nas ruas de Paris, mas não nos cartões postais. “Estou acostumado a fazer filmes em outros países, como no Vietnã, onde morei por um tempo. Foi estranho filmar na minha própria vizinhança.” Ele e o diretor de fotografia procuraram diversos lugares que representassem bem Paris sem mostrar pontos turísticos. “É uma Paris muito real, não é a de Amélie Poulain ou Emily em Paris, que de Paris não tem nada”.
Agora o cineasta prepara seu novo projeto que deverá ser filmado no Brasil no próximo ano. Trata-se de uma série sobre o Índio do Buraco, como ficou conhecido o último sobrevivente de uma etnia desconhecida massacrada em Rondônia no final dos anos de 1980. Seu registro da FUNAI data do final dos anos de 1990, e ele morreu em 2022.
Lojkine ficou impressionado quando leu a história num jornal na França e, por sua experiência documentando a vida de pigmeus no Congo, tem interesse em povos nativos. “A história do Índio do Buraco parecia impossível de ser contada, mas eu queria muito. Comecei a fazer pesquisas, vi os filmes de Vincent Carelli, mas o projeto parou. Só três anos atrás foi retomado. O canal francês Arte se interessou em fazer uma série.”
Dois anos atrás, o diretor esteve em Rondônia e conversou com o indigenista Marcelo dos Santos, que encontrou o Índio do Buraco. “Foram vários dias de entrevista, uma conversa muito longa que, também, servirá de base ao filme. Agora, meu produtor está no Brasil em busca de parceiros para o projeto”, conclui o cineasta que já fala um pouco de português.