21 Mai 2025
Fabricante chinesa assumiu antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA) e recebeu incentivos fiscais em troca de priorização de força de trabalho local; proposta salarial unificada desagradou metalúrgicos, que afirmam ter diferentes graus de especialização.
A reportagem é de Gabriel Daros, publicada por Repórter Brasil, 21-05-2025.
Maior fabricante de carros elétricos e híbridos do mundo, a chinesa BYD está oferecendo o mesmo piso salarial (R$ 1.950) para todos os postos da linha de produção de sua fábrica em Camaçari, na Bahia. Segundo o sindicato da categoria, a proposta tem gerado reclamações entre os metalúrgicos — os trabalhadores argumentam que têm diferentes graus de especialização e, portanto, fazem jus a remunerações distintas.
Procurada, a assessoria de imprensa da BYD afirmou que a empresa não se pronunciaria sobre as negociações.
O acordo para contratação de mão de obra local é uma das várias contrapartidas assumidas pela BYD para herdar os mesmos benefícios fiscais destinados à Ford e previstos até 2032 — a planta industrial conta com isenção de tributos federais, como IPI, PIS e Cofins.
A montadora chinesa assumiu o complexo fabril usado pela empresa norte-americana em outubro de 2023. A previsão é de que a nova unidade entre em operação ainda neste ano, mas atinja o pleno funcionamento apenas no segundo semestre de 2026.
Em dezembro, a direção da BYD prometeu gerar 20 mil empregos diretos na nova instalação. Na ocasião, Stella Li, vice-presidente executiva global da empresa, afirmou que a BYD “está transformando Camaçari no Vale do Silício da América Latina”.
Os 9 mil ex-funcionários da Ford vivem há um ano em um impasse com a montadora chinesa sobre os salários. Segundo Júlio Bonfim, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Camaçari, a BYD iniciou as negociações oferecendo o mesmo piso de R$ 1.812 para a maior parte dos postos de trabalho no complexo industrial. Posteriormente, uma nova proposta elevou o valor para R$ 1.950, sem diferenciação entre cargos.
“Se eu tenho um operador de ponte rolante, um operador de empilhadeira, um mecânico ou um eletricista, os valores salariais dessas funções são diferentes do que um operador de máquina. E eles [BYD] estão achando que é tudo igual”, afirma Bonfim.
Até 2021, a negociação entre a Ford e o Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari estabelecia um piso salarial progressivo ao longo de seis anos. Com este plano de carreira, salários que iniciavam em R$ 1,8 mil poderiam atingir um teto de quase R$ 3,4 mil.
Ainda segundo o sindicato, a BYD teria fechado um acordo sobre as remunerações dos cargos de coordenadoria e de controle de qualidade — R$ 4,5 mil e R$ 3,5 mil, respectivamente. Os valores para os operários da linha de montagem, no entanto, seguem em discussão. “É o salário que vai impactar a massa da fábrica, porque o operacional é a massa. É 80% do corpo produtivo da empresa”, explica Bonfim.
Na avaliação do sindicalista, a montadora chinesa tem dificuldades de abrir negociações devido à falta de experiência em dialogar com representantes de trabalhadores, uma vez que na China não existem sindicatos autônomos.
Washington Barbosa, mestre em Direito e CEO da WB Cursos, afirma que a legislação trabalhista estipula que os salários podem ser os mesmos para diferentes funções dentro de uma categoria. Entretanto, devem respeitar os valores válidos para cada trabalho e região, levando em conta salário mínimo e piso da categoria.
“Atendidas essas situações, pode ser contratado para qualquer função. É como se diz: oferta e procura”, explica. Segundo Barbosa, oferecer uma única faixa salarial não impede que a empresa ajuste posteriormente os valores, por meio de um plano de carreira. No entanto, as vagas devem respeitar o princípio de isonomia salarial, definido pela súmula 6 do Tribunal Superior do Trabalho. “Se você faz uma determinada coisa por R$ 2 mil, e tem outra pessoa do seu lado que faz exatamente a mesma coisa por R$ 3 mil, então você tem direito a ganhar igual”, completa.
Em nota à Repórter Brasil, o Ministério Público do Trabalho na Bahia afirmou que o atual cenário de negociações não requer intervenção. “Somente em casos de mediação, entramos nessas questões, ainda assim sem interferir, apenas como mediador. Caso haja alguma denúncia de ilegalidade, podemos atuar”, diz o texto.
Em dezembro de 2024, a montadora foi responsabilizada pela exploração de trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão nas obras da fábrica. Contratos analisados por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego previam jornada de dez horas por dia, seis dias por semana, com possibilidade de extensão, o que levava a uma jornada semanal de 60 a 70 horas — muito superior ao limite legal no Brasil de 44 horas. Ao menos quatro acidentes de trabalho foram registrados, inclusive com amputação de membros e perda de movimentos nos dedos.
A Jinjiang, prestadora de serviços para construção civil da BYD e a própria empresa foram responsabilizadas pelos auditores fiscais do trabalho e notificadas em 23 de dezembro do ano passado. Após a operação, a montadora rompeu o contrato com a terceirizada e atendeu as demandas do poder público quanto a alojamentos, pagamentos e retorno dos operários de volta à China. Também afirma que regularizou as condições de trabalho dos demais empregados em seu canteiro de obras na Bahia.
“A BYD Auto do Brasil reitera seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, em especial no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores. Por isso, está colaborando com os órgãos competentes desde o primeiro momento e decidiu romper o contrato com a construtora Jinjiang”, afirmou Alexandre Baldy, vice-presidente sênior da BYD Brasil, em nota à imprensa logo após o resgate.
O impasse sobre os salários pode ser o mais novo entrave para o início da produção da BYD no Brasil. O complexo industrial precisa iniciar contratações ainda neste semestre para capacitar funcionários a tempo de cumprir seu cronograma. Segundo Reuters, apenas mil das dez mil contratações previstas para este ano foram efetivadas.
O atraso da operação na fábrica em Camaçari pode se tornar um revés para a BYD na guerra tarifária que os veículos elétricos encaram no Brasil. A indústria de eletromobilidade é alvo de pressão da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) — a entidade defende tarifas de 35% sobre automóveis elétricos importados até julho deste ano. Com a fabricação em solo brasileiro, a montadora chinesa evitaria a incidência das taxas.
Uma vez em operação, o complexo fabril de Camaçari será a maior instalação industrial da BYD fora da China. O início das atividades é bastante aguardado na região. Com o encerramento das atividades da Ford, em 2021, cerca de 9 mil trabalhadores diretos, além de outros três mil de empresas fornecedoras, perderam seus empregos. Camaçari também foi impactada: a prefeitura estima que, só entre em salários de funcionários da Ford, R$ 20 milhões deixaram de circular mensalmente na economia local.
“A gente quer que a empresa dê certo, que a empresa comece a produzir logo, que a empresa dê emprego, mas a gente quer também que seja uma condição justa para com os trabalhadores, que a gente possa tratar de forma igualitária”, conclui Bonfim.