14 Mai 2025
"Assumir-se é a primeira forma de combater as discriminações, e antes mesmo os preconceitos, a homofobia e a transfobia, que estão na base das discriminações, que as alimentam e dos quais muitas vezes nos estamos cientes. Assumir-se, falar sobre isso, saindo do armário, muda tudo", escreve Dea Santonico, mãe de um garoto homossexual, em artigo publicado por Fine Settimana, 07-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Cipax reuniu mulheres e pessoas LGBT+ para falar sobre discriminação.
Cabe se perguntar o que elas têm em comum. Venho da experiência de comunidades cristãs de base, que conhece a discriminação dentro da Igreja Católica, uma discriminação devido às nossas escolhas, feitas na tentativa de seguir a mensagem evangélica com mais fidelidade. Mulheres e pessoas LGBT+ conhecem outra discriminação, que eu definiria por natureza: não pelas escolhas feitas, não pelas ideias que têm, mas pelo que são. Talvez seja isso que as ligue. Uma discriminação esta que é ainda mais inaceitável, pois afeta as pessoas por sua identidade.
Ninguém se torna homossexual ou trans, você é, assim como você é mulher desde o nascimento, você não escolhe ser.
Poder-se-ia argumentar que isso não vale para as mulheres trans, que escolhem mudar de sexo. Não é assim. Você é trans antes de qualquer cirurgia, antes de qualquer tratamento hormonal, antes de dizer isso a si mesmo. Pode levar anos para dizer, às vezes uma vida inteira não é suficiente, porque é muito doloroso, e há quem comete suicídio ao longo desse percurso. Mas quando você consegue dizer a si mesmo, você entende que sempre foi trans.
Para entender essas realidades, é preciso começar pelo conhecimento e o uso correto das palavras.
A identidade de gênero define "quem sou". Se minha identidade de gênero não corresponde ao meu sexo biológico, eu sou uma pessoa transgênero.
Outra coisa completamente diferente é a orientação sexual. Aqui, a questão é: "por quem me apaixono, por quem me sinto sentimental e sexualmente atraído/a?". Se me sinto atraído/a por uma pessoa do mesmo sexo, sou homossexual; se me sinto atraído/a por uma pessoa do sexo oposto, sou heterossexual. Como orientação sexual e identidade de gênero são duas dimensões completamente independentes, elas podem ser combinadas de todas as maneiras possíveis.
Portanto, existem pessoas trans que são heterossexuais do ponto de vista da orientação sexual e outras que são homossexuais.
Voltando à minha experiência, sou uma garota dos anos 1970, anos em que sentíamos soprar um vento de primavera. Houve o 1968, o Concílio Vaticano II. Naqueles anos, que deixaram uma marca indelével em minha vida, descobri o engajamento político, o movimento das comunidades cristãs de base, o movimento feminista.
Minha experiência com o mundo LGBT+ começou muito mais tarde, com o coming out do meu filho Emanuele. Não que essa realidade me fosse estranha antes, muito pelo contrário, como comunidade de São Paulo, sempre estivemos em contato próximo com pessoas LGBT+ crentes e em busca, mas o que mudou profundamente a mim e ao meu marido foi a revelação na família, inesperada, dolorosa e, finalmente, motivo de crescimento e renascimento para o nosso filho e para toda a nossa família. Era 7 de maio, nove anos atrás, uma data que me lembro como o meu segundo parto de Emanuele. Até então, estávamos empenhados com e pelos discriminados e discriminadas, migrantes, pessoas LGBT+..., tomando partido do lado deles e defendendo seus direitos, mas a partir daquele dia a discriminação entrou em nossa casa.
O coming out de Emanuele foi seguido pelo nosso coming out como pais e pelo empenho com outros pais de filhos e filhas LGBT+.
Assumir-se é a primeira forma de combater as discriminações, e antes mesmo os preconceitos, a homofobia e a transfobia, que estão na base das discriminações, que as alimentam e dos quais muitas vezes nos estamos cientes. Assumir-se, falar sobre isso, saindo do armário, muda tudo.
Quando a categoria "pessoas LGBT+" é substituída por nomes e rostos, muitos dos preconceitos caem.
Para combater os preconceitos e prevenir as discriminações, precisamos alcançar aqueles que não comparecem às reuniões da Cipax ou a outras reuniões. Precisamos falar sobre isso quando o discurso se volta para esses temas, talvez com uma piada, na banquinha das frutas e verduras, no ônibus, no táxi, numa loja, na paróquia – todos casos que aconteceram comigo – e fazê-lo sem animosidade. Afinal, se a homossexualidade e a transexualidade não são doenças, como diz a Organização Mundial da Saúde, a homofobia e a transfobia o são, felizmente, curáveis com o conhecimento. O testemunho é a ferramenta mais poderosa para isso. É contagioso porque transmite emoções. Para mudar a forma como olhamos para as pessoas LGBT+, é importante que muitos de nós nos unamos para criar um bom ambiente ao redor na sociedade, na Igreja, no local de trabalho, na escola... a educação na escola é fundamental. As discriminações devem ser relatadas, expostas, denunciadas para poderem ser elaboradas e chegar a uma nova consciência coletiva. É por isso que quero dedicar o restante desta intervenção para falar sobre discriminações que por muito tempo foram escondidas ou das quais não temos consciência.
Discriminações que são distantes no tempo, para as quais é fácil para nós nos colocarmos ao lado das vítimas, e discriminações mais próximas, que talvez não reconheçamos como tais e que podem nos incomodar.
O dia 25 de abril passou há pouco e lembramos o 80º aniversário da libertação. Nem para todos os/as sobreviventes dos campos de concentração foi possível relatar o que vivenciaram. Por muitos anos após a libertação, o holocausto de pessoas LGBT+ permaneceu oculto: as testemunhas desse horror evitavam ao máximo revelar o motivo de sua detenção, pois a homossexualidade e a transexualidade eram crimes em seus países.
Enquanto os judeus eram perseguidos pelos nazistas em toda a Europa, o mesmo não acontecia com os homossexuais: os principais alvos eram os homossexuais alemães, culpados de não procriar e, portanto, de não contribuir para o crescimento demográfico da raça ariana. Os homens eram uma categoria à parte nos campos, marcada com um triângulo rosa, enquanto as mulheres lésbicas eram associadas a outras categorias de mulheres, prostitutas e antissociais, marcadas com um triângulo preto. As mulheres lésbicas eram um problema menor para os nazistas do que os homens homossexuais. O problema da procriação era, em última análise, superável: elas sempre podiam ser estupradas.
O holocausto das prostitutas também foi ocultado após o fechamento dos campos. Escolhidas entre mulheres jovens, geralmente alemãs, para evitar a contaminação, elas eram forçadas a se prostituir para os SS e oferecidas como recompensa e incentivo para aumentar a produtividade aos trabalhadores mais leais dos campos, como os Kapos. Após a guerra, por um lado, as mulheres sobreviventes se fecharam em silêncio; por outro, era conveniente ocultar a existência dos bordéis nos campos de concentração, porque isso não se encaixava com a imagem do campo como um local de aniquilação, e na Alemanha Oriental a ideia de que prisioneiros comunistas e antifascistas tivessem visitado prostitutas nos campos era inadequada.
Mulheres trans eram consideradas um subconjunto dos homens homossexuais e eram particularmente visadas: despojadas de suas roupas femininas, humilhadas e espancadas.
Lucy Salani, falecida em 2023, foi a única pessoa transgênero italiana conhecida a sobreviver aos campos de concentração.
E agora passamos aos dias atuais. As discriminações também podem ser feitas em nome dos direitos, como aconteceu com os direitos conquistados pelas mulheres.
Data de poucos dias, a sentença da Suprema Corte de Londres a favor do recurso da organização For Women Scotland: finalmente protegidos da intrusão de mulheres trans os espaços organizados com base no sexo, como enfermarias, prisões, vestiários e centros de acolhimento, não serão mais acessíveis a mulheres trans.
"Estou orgulhosa de vocês, os direitos das mulheres e meninas agora estão protegidos", foram as palavras de Rowling, autora de "Harry Potter", dirigidas às mulheres que celebravam em frente ao tribunal após a decisão.
Eu me perguntei se, entre uma celebração e outra, elas conseguiram refletir por um momento sobre o que significa para uma mulher trans ser colocada em uma prisão masculina.
Os espaços organizados com base no sexo são um problema cotidiano e dramático para pessoas trans, especialmente para aquelas que não completaram o período de transição, um período em que estão mais expostas à violência, verbal quando corre bem, física quando não.
Em qual banheiro entrar? Às vezes, esperam do lado de fora para se certificar de que não há ninguém lá dentro, antes de entrar. Para evitar constrangimentos para si e para os outros... Em qual fila devem se entrar para votar? Naquela que seu documento indica como correta ou naquela que sua aparência física sugere? E se escolherem a primeira opção, como deveriam, e alguém apontar que entraram na fila errada? O resultado é que muitas vezes optam por não votar, e isso por anos, porque os processos de transição que levam à mudança de documento são longos, além de dolorosos e caros.
Lembrei-me dos assentos reservados aos brancos contra os quais Martin Luther King e os negros lutaram. E pensar que mulheres trans, a quem são negados os assentos reservados para aquelas que são biologicamente mulheres, encontraram inesperadamente lugar nestes anos no Vaticano.
Toda semana, a Irmã Genevieve levava mulheres trans de Torvaianica para a audiência do Papa. As mulheres argentinas levavam-lhe pratos de sua terra que o Papa comia em Santa Marta. Obrigado, Papa Francisco! Eu poderia lhe falar sobre a dor que a rejeição do projeto de lei Zan no Senado causou em mim e nas pessoas LGBT+, para a qual contribuíram os argumentos de uma parte do movimento feminista: o alvo mais uma vez eram as mulheres trans, mas levaria muito tempo.
Talvez devêssemos tentar nos reconectar profundamente conosco mesmas, para aquelas de nós que pensam que o divino vive em nós, nos reconectar com aquela pitada do divino que foi soprada dentro de nós, para não deixar que ideias outrora nascidas como revolucionárias, pensamentos libertadores gangrenem dentro de nós a ponto de nos fazer fechar os olhos e o coração ao sofrimento de outros e outras.
"Irmã, eu acredito em você", é o slogan impresso no cartaz do nosso encontro. Seria bom que cada uma de nós, sem exceção, pudesse ouvir essas palavras.