25 Abril 2025
Com cortes abruptos em agências e abandono da cooperação internacional, a política climática de Trump 2 ecoa em apenas 100 dias todo o desmonte institucional vivido pelo Brasil na era Bolsonaro.
A reportagem é de Cinthia Leone, publicada por ClimaInfo, 24-04-2025.
Os 100 primeiros dias do segundo governo de Donald Trump nos EUA marcaram uma ruptura intencional com o consenso científico e diplomático internacional sobre clima. A abordagem de Trump agora é mais radical do que em seu primeiro mandato e impactará da economia à capacidade global de coletar e relacionar dados meteorológicos e atmosféricos. Especialistas que trabalharam para o governo norte-americano no passado afirmam que essa política já afeta a capacidade de responder a desastres naturais e de competir pela transição energética, mesmo no futuro.
Um dos principais aspectos dessa nova política de clima é o corte repentino de pessoal e recursos das agências federais e a mudança de normas por meio de decretos administrativos ou atos não respaldados pela legislação. O processo é semelhante à política de destruição ambiental da gestão Bolsonaro, mas muito mais acelerado. E, assim como aconteceu no Brasil, já está comprometendo a continuidade de projetos essenciais. A NOAA, por exemplo — órgão responsável por monitoramento climático, meteorologia e oceanos — perdeu 20% de sua força de trabalho em poucas semanas.
“Sinceramente, não acho que eles saibam, para ser honesto com você, o que estão tentando fazer. Eles estão apenas tentando causar o maior estrago possível”, afirma Tom Di Liberto, cientista climático e especialista em divulgação científica recém-demitido da NOAA. “Ele [o corte de orçamento] dizima um aspecto enorme do que a NOAA faz, não apenas para avançar a ciência sobre o clima, mas também sobre previsão de tempo e oceanos, bem como a capacidade de ajudar a criar resiliência e adaptação em todo o país e nossas interações internacionais.”
Os analistas concordam que a abordagem da diplomacia climática internacional sob Trump 2 é fundamentalmente diferente de Trump 1. “Em geral, éramos um ator de boa fé”, lembra Jesse Young, ex-chefe de equipe do Enviado Especial dos EUA para o Clima, John Podesta. “Desta vez, este governo está totalmente desinteressado. Eles não estão apenas se retirando ativamente dessas negociações, eles estão ameaçando outros países que participam dessas negociações. (…) Não está muito claro se os EUA enviarão uma delegação formal à COP.”
A tática de coagir países para impedir acordos multilaterais foi testada na reunião da Organização Marítima Internacional este mês e falhou. Os Estados Unidos ameaçaram com mais taxas quem continuasse a negociar por uma cobrança global sobre a poluição da navegação internacional. A intimidação foi ignorada, e a taxa aprovada pelos países entrará em vigor após sua adoção formal em setembro, reportou o Valor.
Para Young, boa parte desse desmonte não obedece a uma agenda concreta, mas ao impulso aleatório de indivíduos pouco informados, com resultados opostos aos pretendidos. Por exemplo, em vez de disputar influência com potências como a China por meio da transparência e da qualidade da cooperação climática, os EUA têm encerrado linhas de financiamento e parcerias internacionais. “Muito disso prejudicará os próprios objetivos do governo Trump, seja na redução dos desequilíbrios comerciais ou no combate à China. Estamos simplesmente destruindo nossa credibilidade com tantos outros parceiros e aliados importantes”, afirma Young.
Mas para Gretchen Goldman, presidente do União de Cientistas Preocupados e ex-funcionária do Departamento de Transporte do governo Biden, há uma agenda que embasa ao menos em parte as ações anticlima de Trump: o obscuro Projeto 2025, da organização de extrema-direita Heritage Foundation, da qual o presidente tentou parecer afastado durante a campanha.
“Estamos vendo-o com o total apoio do diretor do escritório de administração e orçamento, Russell Vogt, um dos arquitetos do Projeto 2025, realizar uma ultrapassagem ilegal e sem precedentes de sua autoridade presidencial para implementar o que está nesse manifesto e até mesmo ir além dele”, diz a pesquisadora.
O Projeto 2025 rejeita a realidade de uma emergência climática para defender que os Estados Unidos explorem mais combustíveis fósseis, causa principal do aquecimento global. Nessa visão, tanto o aumento do uso de tecnologias poluentes, como o enfraquecimento de leis ambientais seriam o novo motor econômico dos EUA. A hostilidade a compromissos internacionais garantiriam a soberania energética do país contra a “agenda globalista”. O projeto considera que o governo não deve escolher vencedores e perdedores no setor energético e propõe cortar incentivos às renováveis, veículos elétricos e projetos de descarbonização.
Esse momento de instabilidade institucional e retrocesso ambiental nos EUA, um dos maiores poluidores do mundo e um ator-chave na governança climática global, traz consequências reais para o enfrentamento da crise climática também dentro do próprio país. Muitos analistas avaliam que as mudanças são danosas demais para serem neutralizadas depois.
“Gostaria de enfatizar que esse esmagamento de agências federais está limitando a capacidade de resposta da nossa nação não apenas agora, mas também no futuro, porque está desmantelando a própria infraestrutura por meio da qual coletamos dados, promovemos a especialização e a colaboração, e temos as pessoas e os processos para agir”, alerta Goldman.