11 Abril 2025
"O grupo mais insatisfeito com a democracia são os evangélicos pentecostais (80%)".
O artigo é de Christina Vital (UFF) e Doriam Borges (UERJ).
Cristina Vital da Cunha é professora associada vinculada ao Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais e ao Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense – UFF. Possui graduação e licenciatura em Ciências Sociais pela UFF, mestrado em Antropologia e Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Além de professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFF, também coordena o Laboratório de Estudos em Política Arte e Religião – LePar. Entre suas inúmeras publicações, destacamos o livro “Oração de traficante: uma etnografia” (Garamond, 2015).
Doriam Luis Borges de Melo é doutor em Sociologia pelo IUPERJ (2009), possui graduação em Ciências Estatísticas pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (1998) e mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela mesma instituição (2004). Foi o coordenador técnico da Pesquisa de Condições de Vida e Vitimização na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. É autor do livro "O Medo do Crime na Cidade do Rio de Janeiro: Uma análise sobre a perspectiva das Crenças de Perigo". Tem experiência nas áreas de violência, criminalidade e segurança Pública. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS) da UERJ. Também é pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV-UERJ) e é coordenador do projeto de extensão da UERJ QUANTIDADOS: Pesquisa e Análise de Dados.
Dados do survey realizado pelo Instituto DataFolha para a pesquisa “Religião, política e valores dos brasileiros: entre extremismos e mediações”, coordenada por nós no âmbito do Laboratório de Estudos Sócio Antropológicos em Política Arte e Religião (LePar/uff @leparoficial), mostram que os brasileiros valorizam mais a democracia do que uma ditadura como modo de governo.
Segundo a amostra realizada mediante pesquisa domiciliar com 1.500 pessoas em todo o país, quase 79% dos entrevistados disseram que a democracia “é sempre melhor que qualquer outra forma de governo” sendo somente 13% aqueles que acham uma ditadura melhor do que a democracia em algumas situações.
No entanto, isso não mascara a insatisfação com o “estado de coisas” visto que 71% dos brasileiros se dizem insatisfeitos com a democracia brasileira. Em outros países do mundo uma forte insatisfação com a piora na qualidade de vida está associada à democracia na medida em que é o modo de governo vigente na maior parte dos países do globo.
A tradição Liberal que sustenta essas democracias vem sendo foco de grandes ataques seja por ter “prometido” igualdade e justiça, baseada em um universalismo que foi desmascarado pelas evidências cotidianas sobre aumento da pobreza global, discriminações raciais e étnicas e das violências de gênero e sexualidade, seja pelo crescimento das ameaças internas e externas aos territórios e a sua incapacidade de oferecer soluções a eles.
Há pouco mais de uma década o mundo se viu envolvo nessas reflexões sobre a fragilidade da democracia. Medições globais revelavam isso indicando uma redução da democracia ano a ano em quase todos os países do mundo, como vimos no The Democracy Index, relatório anual investigando a democracia em 165 países no mundo, realizada pelo The Economist, ou no Relatório do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), sediado em Estocolmo, Suécia, pesquisa realizada em 173 países.
Nesses dois estudos observamos, em comum, que a fragilidade nos alicerces democráticos está sendo identificada mediante a contestação dos processos e/ou fraudes nos resultados eleitorais e pela redução de direitos civis.
Diferente de outras democracias, a brasileira sempre foi vista como “sob ameaça”, sob um movimento pendular, nos termos do cientista político Leonardo Avritzer. Esse “pêndulo da democracia” indicava, por um lado, uma vocação democrática, ao contrário do que se poderia supor mediante o passado escravista, colonial brasileiro. Por outro, as ameaças constantes postas a este modo de governo no país.
A existência de projetos políticos muito distintos, crises econômicas, as fortes divisões políticas e o liberalismo embrionário seriam algumas das causas que resultaram em retrações democráticas no Brasil no período da ditadura Vargas, iniciada nos anos 1930, e da ditadura militar, iniciada nos anos 1960.
Quais seriam as causas do movimento pendular democrático na atualidade? Somados aos problemas identificados nos períodos anteriores, no Brasil 2020, uma forte insatisfação e desconfiança nas instituições como a política institucional e o judiciário e o crescimento de um sentimento público de ameaça generalizada (violência urbana, ameaça à moral e aos padrões estabelecidos em torno dos lugares sociais de raça, gênero, classe e sexualidade, desastres ambientais) são fundamentais para compreendermos o contexto.
As mulheres brasileiras elevam o percentual de insatisfação com a democracia (76%) em contraposição aos homens (68%). São também as mulheres ligeiramente mais favoráveis a uma ditadura (16%) do que os homens (12%). Pela primeira vez a pergunta sobre satisfação com a democracia recobre a questão da sexualidade e temos que os autoidentificados como heterossexuais são os mais insatisfeitos com a democracia (74%) e os com menor nível de insatisfação são os bissexuais (44%), embora seja este último grupo os mais favoráveis a uma ditadura em alguns casos (15%). Isso pode ser explicado por outra variável: a etária. Os bissexuais se autoidentificam na faixa dos mais jovens e é justamente entre 16 e 24 anos que encontramos os mais favoráveis a uma ditadura, em alguns casos (17%).
Os jovens são também os mais insatisfeitos com a democracia (77%), provavelmente por serem os mais afetados pelo sentimento de ameaça (questão climática, violência urbana, perspectiva de empregabilidade, renda e guerras futuras que ameaçam a existência global), assim como as mulheres.
Levando em consideração a questão racial, temos que os autodeclarados pretos são os mais insatisfeitos com a democracia (75%), assim como os que recebem entre 2 e 3 salários mínimos. No caso dos jovens, das mulheres e das pessoas pretas, observamos que são eles os menos satisfeitos com a democracia em vista de serem os mais afetados pelas questões políticas, sociais e pelas ameaças locais (como violência) e globais (guerras e falta de perspectivas de futuro).
Já no quesito religião, o grupo mais insatisfeito com a democracia são os evangélicos pentecostais (80%). Compreender essa diferença que lança esse grupo acima da média nacional, vale compreender a sobreposição das questões anteriores na medida em que são os evangélicos pentecostais o grupo religioso mais jovem, mais feminino e mais negro em termos de auto identificação. Somado a isso, pesa a questão das ameaças que envolvem também o plano do que identificam como seus valores mais caros e parecem estar sendo ameaçados pela democracia liberal como a família tradicional, os papeis de gênero, a fraternidade.
Identificar esses sentimentos e anseios é muito importante para nos compreendermos como sociedade e para a produção de políticas públicas eficazes, embora, muitas vezes, as pesquisas de valores e opinião tenham sido vistas somente como instrumento a serviço de campanhas políticas interessadas unicamente em ganhar disputas ocasionais por mentes e corações.