05 Abril 2025
"Em vez de medir o tempo gasto no escritório ou o número de horas trabalhadas, talvez seja mais relevante focar na qualidade da entrega e nos resultados alcançados. A obsessão com o controle do tempo pode obscurecer o fato de que o trabalho intelectual muitas vezes se beneficia de pausas e momentos de lazer, que podem estimular a criatividade e a inovação", escreve Robson Ribeiro de Oliveira Castro Chaves.
Robson Ribeiro de Oliveira Castro Chaves é teólogo, filósofo e historiador, especialista em Ética e em Projetos e Inovação na Educação. Leciona Teologia, Ensino Religioso, Filosofia e Projeto de Vida.
O artigo do IGN Brasil levanta uma discussão interessante, porém superficial, sobre a relação entre a Geração Z, o trabalho remoto e o consumo de streaming. Ao destacar a pesquisa da Tubi que aponta para a preferência dessa geração pelo trabalho em casa devido à possibilidade de assistir séries, o texto tangencia questões importantes sobre produtividade, autonomia e a própria natureza do trabalho na era digital, mas carece de uma análise mais aprofundada e crítica, Como já inserir no IHU em outros textos sobre a tecnologia e nossa condição atual.
O artigo acerta ao identificar uma tendência clara: a Geração Z valoriza a flexibilidade e a autonomia do trabalho remoto, e a possibilidade de integrar atividades pessoais, como assistir a séries, ao expediente é um fator relevante nessa preferência. No entanto, a forma como essa informação é apresentada corre o risco de reforçar estereótipos sobre a suposta falta de comprometimento ou foco dessa geração. A afirmação de que "mais da metade da Geração Z admite relutar em retornar ao escritório porque perderia seu tempo de streaming" soa simplista e desconsidera outros fatores que podem influenciar essa preferência, como a qualidade de vida, o tempo de deslocamento e a própria percepção de produtividade individual em um ambiente remoto.
A sugestão de especialistas em RH para que as empresas "redesenhem seus ambientes de trabalho para refletir as necessidades dessa nova geração" e a ideia de que o streaming pode funcionar como "body doubling" são pontos válidos, mas que mereciam uma exploração mais crítica. Em ressonância a esse tema, é preciso observar o que já elaborei em outras reflexões sobre a sociedade tecnológica e a normalização da necessidade de "simular presença" para manter o foco, levantando debates sobre a exaustão mental e a constante busca por estímulos em um ambiente de trabalho cada vez mais permeado pela tecnologia. A ideia de adaptar o ambiente de trabalho não deveria se resumir a tolerar o streaming, mas sim a repensar as estruturas de trabalho, as formas de comunicação e as métricas de avaliação de desempenho.
É preciso observar a crítica que já fiz sobre a "sociedade do desempenho" e à "fadiga da atenção", provavelmente argumentaria que a dificuldade de concentração da Geração Z (e talvez de outras gerações) não é um problema individual a ser combatido, mas sim um sintoma de um sistema de trabalho e de uma cultura que fragmentam a atenção e exigem multitarefa constante. Nesse sentido, o streaming no trabalho remoto poderia ser visto não apenas como uma forma de entretenimento, mas também como uma estratégia de sobrevivência em um ambiente que impõe demandas cognitivas excessivas.
Desta forma, é urgente uma análise crítica sob a perspectiva do questionamento sobre a produtividade, o papel da tecnologia no ambiente de trabalho e as implicações da crescente valorização da autonomia individual em detrimento de modelos tradicionais de trabalho. Em vez de apenas constatar a preferência da Geração Z pelo streaming no trabalho remoto, seria mais produtivo analisar as causas subjacentes dessa preferência e as possíveis transformações que ela pode impor ao futuro do trabalho.
Aprofundando essa análise, torna-se crucial examinar como a tecnologia, outrora vista como ferramenta de otimização da produtividade, paradoxalmente se torna um vetor de distração e, simultaneamente, uma possível estratégia de adaptação a um ambiente de trabalho cada vez mais exigente. Como já escrevi anteriormente é possível analisar a promessa de uma vida facilitada pela tecnologia, muitas vezes esconde uma intensificação do trabalho e uma erosão das fronteiras entre o público e o privado. Nesse contexto, o streaming durante o trabalho remoto pode ser interpretado não apenas como uma busca por entretenimento, mas também como uma forma de modular a atenção em um ambiente digital saturado de estímulos, uma espécie de "ruído branco" pessoal que auxilia na concentração em meio ao caos informacional.
Ademais, a crescente valorização da autonomia individual, tão cara à Geração Z, confronta diretamente os modelos tradicionais de controle hierárquico e horários rígidos. Essa geração, nativa digital, está acostumada a gerenciar seu tempo e suas atividades de forma mais flexível, e a imposição de um retorno ao escritório, com a consequente perda dessa autonomia, pode ser vista como um retrocesso. A resistência em abandonar o streaming no trabalho remoto pode ser um sintoma de uma busca por um modelo de trabalho mais humanizado e adaptado às suas necessidades e ritmos individuais.
Nesse sentido, a produtividade precisa ser redefinida. Em vez de medir o tempo gasto no escritório ou o número de horas trabalhadas, talvez seja mais relevante focar na qualidade da entrega e nos resultados alcançados. A obsessão com o controle do tempo pode obscurecer o fato de que o trabalho intelectual muitas vezes se beneficia de pausas e momentos de lazer, que podem estimular a criatividade e a inovação. A "série no expediente", sob essa ótica, poderia ser vista não como um desvio, mas como parte de um processo de trabalho mais fluido e integrado à vida pessoal.
Em última análise, o artigo do IGN Brasil nos convida a refletir sobre o futuro do trabalho em uma sociedade cada vez mais digitalizada. A preferência da Geração Z pelo trabalho remoto e sua relação com o consumo de streaming não são meras peculiaridades geracionais, mas sim indicativos de transformações profundas nas expectativas dos trabalhadores e nas dinâmicas do mercado de trabalho. Ignorar essas tendências e insistir em modelos ultrapassados pode levar a um desengajamento ainda maior dos trabalhadores e à perda de talentos.