05 Abril 2025
"A partir da Câmara Municipal de Manaus, a CF talvez consiga levar um pouco de consciência ambiental aos gestores públicos, casas legislativas e poder judiciário. Poucos vereadores demonstram preocupação com esta questão essencial", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
No dia 27 de março, a Campanha da Fraternidade de 2025 foi homenageada na Câmara Municipal de Manaus ensejando fomentar a discussão sobre a Ecologia Integral na maior cidade da Amazônia. A Sessão Solene foi proposta pelo Vereador José Ricardo (PT) e teve a presença do Cardeal Leonardo Ulrich Steiner, Arcebispo Metropolitano de Manaus, e outras lideranças religiosas. Muitas comunidades, pastorais e movimentos eclesiais participaram da solenidade, lançando um apelo para que os poderes e organismos públicos se empenhem mais no cuidado da Casa Comum.
A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e o lema é “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Com esta temática, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) busca estimular em toda a sociedade atitudes e políticas públicas voltadas para a preservação da natureza e o engendramento de relações mais harmônicas entre o ser humano e o meio ambiente. A CF tem inspiração na tradição bíblica que vislumbra o homem como o cuidador da natureza. A natureza e o ser humano fazem parte da mesma criação de Deus. Sendo resultado da gratuidade e bondade divinas, toda a criação merece respeito e cuidado.
Esta abordagem tem sido resgatada ultimamente pela Igreja Católica através da Encíclica Laudato Si', escrita pelo Papa Francisco, em 2015. Esta Carta, que foi elaborada com a colaboração de variados setores da sociedade, alerta a humanidade para a necessidade de uma mudança de paradigma no trato com o planeta, evidenciando graves danos contra a natureza e o ser humano. O documento faz uma profunda análise sobre as raízes de tanta agressão e destruição, expondo os perigos de um modelo econômico que prioriza a busca do lucro sem se preocupar com o cuidado da vida nas suas diversas expressões. A racionalidade tecnicista e utilitarista tem provocado o desencanto da natureza, promovendo o abuso irresponsável e criminoso.
Na mesma linha, o Papa Francisco realizou o Sínodo para a Amazônia, em outubro de 2019. Neste evento inédito, foi discutido como a região amazônica está sendo agredida colocando em risco o bioma, as culturas, os povos e a biodiversidade existente no território. O Sínodo convidou toda a humanidade a se envolver na preservação e recuperação dos biomas naturais pela importância que eles têm para a continuidade da vida no planeta. A mentalidade economicista e privatista tem atentado contra os bens comuns, transformando tudo em mercadoria para beneficiar as grandes empresas e multinacionais. O ar, a água e a vida já não são respeitados, mas são concebidos como produtos de compra e venda.
Todos estes eventos reforçam a importância do tema da Campanha da Fraternidade de 2025, que versa sobre a Ecologia Integral mostrando a necessidade de fazermos as pazes com o meio ambiente, uma vez que a sua deterioração afeta negativamente as condições de manutenção da vida, prejudicando a qualidade de vida do ser humano, principalmente os mais pobres. A este respeito, a cidade Manaus precisa de uma radical mudança de gestão, visto que ela ocupa os últimos lugares no ranking de cidades sustentáveis. Entre as capitais brasileiras, Manaus ocupa a última posição. É preciso mudar...
O saneamento é um dos eixos que precisa de uma forte intervenção, uma vez que o mercado do saneamento não tem alcançado bons resultados ao longo dos últimos 25 anos de privatização dos sistemas de água e esgoto. A má qualidade dos serviços de abastecimento de água e a falta de esgotamento sanitário promovem o adoecimento das pessoas, dos corpos hídricos e de todo o ambiente. Estamos no meio da maior floresta tropical do planeta, mas não temos uma gestão urbana suficientemente competente para apresentar bons exemplos de práticas ecológicas para as outras cidades do Brasil e do mundo.
A partir da Câmara Municipal de Manaus, a CF talvez consiga levar um pouco de consciência ambiental aos gestores públicos, casas legislativas e poder judiciário. Poucos vereadores demonstram preocupação com esta questão essencial. As secas, altas temperaturas e outras consequências das mudanças climáticas já batem à porta de cada cidadão, mas não se nota mobilização suficiente para impulsionar programas e políticas ambientais que favoreçam o bem comum e o cuidado da Amazônia. Esta normalmente é vista como uma gigantesca reserva de recursos naturais esperando ser tomada pelas potências mundiais e multinacionais ansiosas por lucro, como de fato já acontece.