04 Abril 2025
Os EUA usam uma fórmula supostamente complexa com letras gregas para calcular as porcentagens, mas na realidade ela é muito simples: o quociente entre o déficit comercial dos EUA com cada país e as importações, com um mínimo de 10% se tal déficit não existir.
A reportagem é de Antonio M. Vélez, Daniel Yebra e Raúl Sánchez, publicada por El Diario, 04-03-2025.
A fórmula supostamente complexa usada pelos Estados Unidos para calcular as tarifas "recíprocas" que Donald Trump anunciou com grande alarde na Casa Branca na quarta-feira é, na verdade, um cálculo muito simples baseado na proporção do déficit comercial dos Estados Unidos com cada país em relação às importações, com um mínimo de 10% se não houver déficit.
A fórmula, "totalmente arbitrária e injustificada", nas palavras do ministro da Economia, Carlos Cuerpo, "é um cálculo grosseiro", resume por telefone Enrique Feás, especialista em comércio estatal e pesquisador sênior do Instituto Elcano.
A suposta fórmula matemática , que começa assim, segundo a declaração do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, “considere um ambiente em que os Estados Unidos aplicam uma tarifa de taxa τ_i ao país i e ∆τ_i reflete a mudança na taxa da tarifa...”, na verdade se baseia em punir os países com os quais os Estados Unidos têm déficit comercial: aqueles que vendem mais do que compram. É sua maneira de buscar "reciprocidade para reconstruir a economia e restaurar a segurança nacional e econômica", de acordo com o comunicado da Casa Branca divulgado na quarta-feira.
Para dar a esse cálculo uma aparência técnica, os Estados Unidos apresentaram uma metodologia teoricamente complicada com letras gregas. "Isso implicava que havia um cálculo complexo por trás desse número. E usando dados oficiais dos EUA, essa porcentagem é simplesmente a proporção do déficit comercial para as importações", explica Feás.
"É tão simples e tão absurdo", resume o economista: o percentual resultante da divisão do déficit comercial dos Estados Unidos com um determinado país pelas importações cai pela metade, demonstrando o quão "benevolente" Trump é em seus cálculos, como ele mesmo afirmou em sua bizarra apresentação na quarta-feira.
He comprobado el rumor, y es cierto: el arancel "teórico" de la tercera columna es simplemente déficit dividido entre importaciones (o 10% si no hay déficit). Y el aplicado es la mitad del teórico (con un mínimo del 10%). Surrealista. pic.twitter.com/CbZcWV5WsR
— Enrique Feás (@EnriqueFeas) April 3, 2025
“Os grandes e persistentes déficits comerciais anuais de bens dos Estados Unidos levaram ao esvaziamento de nossa base de manufatura, criaram uma falta de incentivo para aumentar a capacidade avançada de manufatura doméstica, minaram cadeias de suprimentos críticas e tornaram nossa base industrial e de defesa dependente de adversários estrangeiros”, argumentou a Casa Branca na declaração.
Em uma imagem histórica, o presidente dos EUA usou um enorme outdoor na quarta-feira para detalhar as tarifas que os Estados Unidos imporão sobre importações de terceiros países, calculadas, ele explicou, como metade do que o governo dos EUA entende como "tarifas" cobradas dos EUA por seus parceiros comerciais, "incluindo manipulação de moeda e barreiras comerciais".
A realidade é que se os Estados Unidos têm um déficit com um determinado país, uma tarifa adicional é aplicada acima do mínimo de 10% anunciado acima desse quociente. É por isso que o Reino Unido, país com o qual não tem déficit comercial, está sujeito a uma taxa de 10%, como pode ser visto no gráfico a seguir:
Como explica Feás, "qualquer país com o qual os EUA tenham um déficit é considerado protecionista". "Não há nada econômico por trás disso. É a confirmação, na mentalidade de soma zero da administração Trump, de que algo está errado e precisa ser consertado."
Como explica o analista do mercado de ações Pablo Gil em seu boletim informativo, "o sistema de cálculo é ilusório", um "sistema pseudomatemático sem rigor nem base econômica, como se cada compra que os EUA deixassem de vender fosse equivalente a um imposto comercial". O mais alarmante, em sua opinião, é que essa “receita” é apresentada “como um ato de generosidade, quando na realidade é uma retaliação disfarçada”.
Um aspecto relevante é que Trump considerou toda a UE como um bloco em seus cálculos. Individualmente, Alemanha e Itália teriam tarifas muito mais altas, e Espanha e França, menores que os 20% anunciados. Mas "é claro que é melhor" que a UE negocie como um bloco único, observa o especialista da Elcano.
O ministro da Economia, Comércio e Empresa, Carlos Cuerpo, lamentou nesta quinta-feira que sua equipe esteja "tentando arquitetar uma maneira de calcular esses números", mas não encontrou nenhuma. Como exemplo dessa arbitrariedade, ele citou "o caso do país que acabou com a tarifa mais alta, 50%, que é Lesoto. É um país africano em desenvolvimento. Um país muito vulnerável localizado dentro da África do Sul, que não importa nada dos Estados Unidos porque é um país pobre e, portanto, tem um déficit comercial alto com os Estados Unidos em termos relativos e porque não importa nada", comentou o Ministro da Economia.
De acordo com a fórmula de "tarifa recíproca" dos Estados Unidos, este país merece uma tarifa de 100%, que "eles então dividem por dois, 50/50, porque dizem que estão sendo lenientes".
“É assim que se calcula”, insistiu Carlos Cuerpo. "Além disso, as exportações deste país para os Estados Unidos não podem ser realocadas porque são principalmente materiais preciosos, especificamente diamantes. Este é o elemento da arbitrariedade. E é apenas um exemplo. Outro seria a tarifa de 10% que eles estabeleceram como base para o mundo inteiro. É difícil de explicar e entender, e, portanto, justificar", ele acrescentou. E ele citou seu colega alemão, que disse que "para os americanos, não é o dia da libertação, mas o dia da inflação". Carlos Cuerpo enfatizou que acredita que “essa declaração é bem fundamentada”.
“Todos os dias, 4,4 bilhões de euros em comércio de bens e serviços se movem entre os dois lados do Atlântico. É isso que devemos proteger. Há muito a perder se não negociarmos. Se não chegarmos a um acordo, o risco é muito alto. Dito isso, é claro, não seremos ingênuos. Temos as ferramentas necessárias para responder, e o faremos se necessário”, enfatizou Cuerpo.