19 Março 2025
O aumento dos gastos com armas tornará a Europa mais dependentes dos Estados Unidos, não menos, argumenta o economista Fernando Luengo. Em sua opinião, tudo responde a uma estratégia de “tensão e confronto” e não de defesa.
O artigo é publicado por La Marea, 15-03-2025. A tradução é do Cepat.
Algumas das mentiras mais frequentes que pretendem apresentar como verdades indiscutíveis.
A comunidade internacional pensa, opina. Falso. Essa suposta comunidade internacional, que sugere a existência de interesses compartilhados, simplesmente não existe. São os países mais poderosos, os ricos do planeta e as grandes corporações que determinam o roteiro, tomam as decisões e, em definitivo, estabelecem as políticas a serem implementadas. Isto vale como princípio geral e também no que concerne à guerra na Ucrânia.
A Rússia representa uma ameaça militar para a Europa. Uma mentira de grande calibre. A Ucrânia não representa o primeiro sinal de uma estratégia de invasão de outros países europeus. Há muita propaganda, mas não há evidências disto, nem nas declarações dos hierarcas russos, nem nos movimentos políticos e militares da Rússia. Uma mentira que foi e continua sendo muito útil, a ameaça russa, para confundir as pessoas e dar asas aos que defendem a estratégia de confronto e aumento dos gastos militares.
Transformar a Europa em um ator relevante exige aumentar os gastos militares. Um dos mantras mais repetidos atualmente, igualmente falso. Na realidade, o crescimento desses gastos torna a Europa política e economicamente mais frágil. A relevância que, em teoria, se busca depende da capacidade da comunidade europeia em defender um projeto articulado em torno da equidade social, a sustentabilidade, a democracia e a paz. Esse cenário, do qual estamos cada vez mais distantes, é o que nos tornaria mais fortes e influentes no atual contexto internacional dominado pela confrontação.
O aumento dos gastos militares é de natureza defensiva. De forma alguma. É mais um passo na estratégia de tensão e confrontação. Basta acompanhar as declarações de boa parte dos líderes políticos europeus - que falam, por exemplo, em enviar tropas ao território ucraniano para “salvaguardar a paz” ou mesmo em acionar o armamento nuclear - para saber que esse aumento está a serviço de seguir a estratégia de confronto com a Rússia e preparar a Europa para a intervenção em outras zonas de conflito onde se entenda que os interesses econômicos e políticos europeus estão ameaçados ou comprometidos.
A expansão dos gastos militares não terá impacto nos âmbitos social, produtivo... Outra das grandes mentiras que continuamente são repetidas. As políticas de coesão social (já muito fragilizadas), as destinadas a enfrentar as mudanças climáticas (claramente insuficientes), a reconfiguração do modelo produtivo (que ainda não foi abordada) e a escassa ajuda ao desenvolvimento serão, sem dúvida, afetadas, tanto porque os pilares da austeridade orçamentária serão mantidos no fundamental (e inclusive se acentuarão), como porque o gasto militar, em uma dinâmica de confrontação crescente, exigirá recursos cada vez maiores.
O aumento das capacidades militares da Europa nos tornará menos dependentes dos Estados Unidos. Outra falsidade somada à torrente de mentiras com as quais se intoxica os cidadãos. Pelo menos nos próximos anos, a estratégia militarista na Europa abrirá novas oportunidades de negócios para as empresas de armamento estadunidense, que têm capacidade produtiva e logística para atender a esse mercado. Consequentemente, isto nos tornará mais, não menos, dependentes desse país. Por outro lado, o objetivo não pode ser tanto alcançar a independência militar dos Estados Unidos, mas, sim, dar uma guinada fundamental na estratégia de confronto. E me parece evidente que a Europa está apostando em se somar a esta estratégia.
A Ucrânia recebeu ajuda dos Estados Unidos e da Europa. A propaganda continua. Há anos, a OTAN e os Estados Unidos, com a cumplicidade da União Europeia, buscam deliberada e persistentemente o confronto com a Rússia; e o resultado foi a guerra, que significou um custo enorme em termos de perda de vidas, deslocamentos em massa da população e destruição generalizada de infraestruturas e capacidades produtivas. Isto não é ajuda. Tampouco o formidável negócio que é o conflito, sobre o qual pouco ou nada se fala: contratos lucrativos para as empresas de armamento, acesso a minerais estratégicos abundantes em solo ucraniano, controle do enorme potencial agrícola do país e programas de reconstrução de uma economia devastada pela guerra e com níveis de dívida insuportáveis, onde as grandes corporações entrarão - e já estão entrando - com força total. Isto também não é ajuda.
Ou você apoia o aumento dos gastos militares ou é cúmplice da Rússia. Um dilema inaceitável, pura demagogia para desqualificar nós que nos opomos à estratégia militarista que percorre a Europa. Rejeitá-la não significa de modo algum apoiar a inaceitável agressão militar da Rússia contra um país soberano. Supõe, ao contrário, comprometer-se com a paz, o progresso social e o respeito pelos direitos humanos.