11 Março 2025
No domingo, 9 de março, a France 5 transmite dois documentários sobre as mulheres da Palestina e de Israel, Fragmentos de Guerra e Mulheres do 7 de Outubro. A diretora Solène Chalvon-Fioriti esclarece as questões por trás desses documentários, cujas imagens foram tomadas entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025.
A entrevista é de Laetitia Raynaud, publicada por La Vie, 07-03-2025. A tradução é do Cepat.
É ao lado de Nissan, uma menina palestina de 7 anos, que descobrimos em Fragments de Guerre as imagens da Faixa de Gaza, devastada por 15 meses de combates. Filha de pai médico e mãe professora, Nissan teve uma infância alegre, cercada pelos irmãos, antes que a violência do conflito, após os atentados de 7 de outubro de 2023, jogasse sua família na estrada. Assim, quando um barco passa no Mediterrâneo, a Nissan grita e gesticula: “Barco, leve-me para longe dos bombardeios!” Esta menina perturbadora, uma mistura de malícia e medo, é seguida por outras mulheres: a sua tia, Shrouq, jornalista em Gaza, mas também, mais a leste, na Cisjordânia, Safiye, uma enfermeira de ambulância, Aya, uma irmã enlutada, ou ainda Lama, ativista próxima do Hamas.
Depois deste documentário filmado em Gaza e na Cisjordânia, será transmitido Femmes du 7 Octobre, produzido do outro lado da fronteira. De Israel, são Amit, ex-refém do Hamas, Ofek, uma jovem atingida por uma bala na perna, ou ainda Rachel, jovem mãe que ocupa com os seus filhos um posto avançado israelense (uma colônia instalada em território palestino, proibida aos olhos do direito nacional e internacional), que dão testemunho da sua luta, sofrida ou escolhida, na guerra.
Estes documentários, curtos, exploram a singularidade dos destinos femininos em cada um destes dois territórios. Dando voz às mulheres palestinas e israelenses, a repórter de guerra Solène Chalvon-Fioriti insiste, num gesto “humanista e feminista”, na “exigência intelectual” de pensar o papel das mulheres na guerra para compreender toda a sua complexidade.
Formada em jornalismo em zonas de crise, Solène Chalvon-Fioriti trabalhou no Afeganistão, no Paquistão e no Irã. A partir das suas experiências, projetou especialmente Afghanes (2023), um documentário em que quatro gerações de mulheres põem abaixo os clichês a que a propaganda política dos talibãs as reduz. No ano seguinte, dirigiu Nous, jeunesse(s) d’Iran (2024), tomando o pulso da Geração Z dois anos após o assassinato de Jina Mahsa Amini.
Enquanto a Faixa de Gaza permanece inacessível aos jornalistas, em Fragments de Guerre você filma a jornada de uma criança palestina, Nissan. Como você criou essa sequência?
Quando começou a ofensiva em Gaza e o acesso ao enclave foi proibido aos jornalistas, em outubro de 2023, inicialmente tive esperança de que não duraria muito tempo; eu queria correr para o campo. Não foi possível. Assim, contamos com uma rede muito sólida de colegas no local. Procurei uma jornalista que pudesse ser os meus olhos – eu queria que fosse uma mulher – para trabalhar com uma criança, neste caso a pequena Nissan. Surpreendentemente, isto talvez seja o mais difícil nesta sequência: encontrar uma criança que pudéssemos acompanhar durante várias semanas. E claro, as questões relacionadas à própria criança, como fazê-la sentar-se num colchão [Nissan é filmada na tenda que partilha com os irmãos e irmãs] e prender a sua atenção por várias horas...
Foi muito comovente, enquanto fazia um documentário sobre a guerra, voltar a uma situação de normalidade; a de ter que canalizar a energia de uma criança. Depois, minhas colegas me enviaram seus arquivos, chegando perto dos hospitais, onde há melhor conexão. Eu os observei, comentei, dei feedback e assim avançamos. Não é porque estamos isolados de um território que estamos isolados das histórias. E em tempos de guerra, as histórias dos vivos são essenciais.
Por que você escolheu começar com a história de uma menina?
Escolhi começar com a Nissan porque queria mostrar a idade da inocência. Não podemos acolher o testemunho desta menina com um olhar de julgamento: ninguém pode questionar a espontaneidade de uma criança que grita a um barco para tirá-la dos bombardeios. Nissan, para mim, é verdadeiramente o rosto da vida, de uma espontaneidade que ninguém pode me acusar de ter fabricado, de ter explorado.
Por outro lado, você pôde ir pessoalmente a Israel e à Cisjordânia…
Sim, as demais imagens foram feitas pelas minhas operadoras de câmera, Marianne Getti, Claire Duhamel e eu. Outras questões surgiram para nós: as mulheres palestinas na Cisjordânia, assim como as israelenses atingidas pelo 7 de outubro, são muito solicitadas pelos meios de comunicação, especialmente porque se trata de territórios pequenos. Isso, somado ao conflito, cria uma sensação imensa de cansaço.
Porém, para ganhar uma palavra de confiança, devemos fazer com que as pessoas acreditem no nosso projeto. Para isso, tivemos que passar longos períodos no local, até nos misturarmos ao cenário. Fizemos muitas perguntas a elas: mergulhar nas memórias às vezes desperta emoções muito fortes. Temos que dar tempo para elas aceitarem a filmagem, para verem meu trabalho on-line... Só sei trabalhar assim, aos poucos, até as pessoas se acostumarem comigo.
Você filma uma mulher israelense estabelecida em um posto avançado, uma militante próxima ao Hamas, uma ex-refém do 7 de outubro, uma enfermeira de ambulância palestina... Teve dificuldade para encontrar perfis variados?
Essa variedade se impôs a mim. Minhas experiências passadas forjaram em mim fortes convicções feministas, além de me fornecerem chaves para compreender a guerra. Queria mostrar o impacto do conflito sobre as mulheres destes dois territórios. Isto envolve temas essenciais: a experiência da maternidade, do parto ou do estupro, que sabemos ser uma arma de guerra. Mas não é só isso. O conflito também realça a misoginia cotidiana a que as mulheres estão expostas. No caso de Anath (Mulheres do 7 de outubro), atacada com a sua família durante os ataques de 7 de outubro, o conflito tomou-a de uma forma completamente insidiosa.
Depois deste trauma, onde os seus pais e a sua filha foram baleados, Anath é abandonada pelo seu companheiro, que já não a compreende, ela perde o seu lugar de vida, vê-se lançada de paraquedas numa comunidade religiosa que a sufoca... O peso dos seus pais feridos, dos seus filhos, do seu relacionamento, dos cuidados da sua casa e do trauma fazem-na carregar uma carga mental inimaginável. Anath, fora da guerra, somos você e eu. E este sofrimento psicológico é um dos impactos misóginos do conflito completamente desconhecido. Esta ignorância obriga-nos a nos afastar das nossas representações, dos nossos clichês, como este de associar sistematicamente as mulheres a figuras de mães pela paz.
Na verdade, vemos nos seus dois documentários que todas as mulheres não são vítimas impotentes nem pacifistas por natureza...
Queria quebrar as narrativas da dor e da contrição. Devemos parar de acreditar que as mulheres existem apenas para enternecer. Não compreenderemos realmente este conflito se os seus destinos permanecerem um ponto cego. Devemos cumprir a exigência intelectual de pensar sobre o papel das mulheres na guerra. No caso da colonização israelense na Cisjordânia, não podemos compreender o seu poder se evitarmos o papel das mulheres neste movimento mortífero.
Em Hebron, o terreno foi conquistado pelas mães que chegaram com os filhos – sentaram-se num edifício, penduraram a roupa lavada na parte externa e mandaram os filhos para a escola... Isso também é uma forma de expansão. E se também não sabemos que o Hamas depende de mulheres instruídas, de mulheres no terreno, então estamos perdendo parte deste conflito.
Por que você escolheu fazer um filme por território?
É uma forma de honestidade intelectual. São duas realidades íntimas que nada têm a ver uma com a outra, territórios que não se encontram na vida real.
Algum encontro impactou você particularmente durante as filmagens?
Fiquei deslumbrada com a dignidade de Aya, uma jovem da Cisjordânia (Fragmentos de Guerra). Quando cheguei, ela tinha acabado de perder a irmã gêmea, morta no dia anterior. Honestamente, nunca vi esse nível de compostura. Aya coloca as coisas da irmã na cama, acaricia as coisas da academia... Ela é verdadeiramente um rosto da dignidade humana, da ternura universal. Como jornalista, também foi muito interessante ver como a fé lhe permite passar por tais provações. Foi um choque muito grande.
Que mensagem gostaria de transmitir com estes dois documentários e, de forma mais ampla, com o seu trabalho sobre as mulheres e a guerra?
Quero mostrar que, qualquer que seja o conflito, qualquer que seja a região do mundo ou as religiões que se chocam, as mulheres são sempre as perdedoras, tanto no terreno como através dos relatos miserabilistas que se contam sobre o assunto. Não há contraexemplo, não há sociedade que seja poupada desta constatação. Mas as mulheres não são necessariamente vítimas ou “seguidoras” dos homens.
Com os meus filmes procuro oferecer uma gama mais ampla de realidades, sem fazer julgamentos. Ser feminista não significa pensar que todas as mulheres querem a paz. Ser feminista é fazer com que todas as mulheres falem, mesmo aquelas que nos incomodam. É a este preço que obteremos uma compreensão mais detalhada e matizada dos conflitos.