06 Março 2025
"Com o aumento, a tarifa de água e esgoto cobrada em Manaus segue a tradição de ser a mais cara da região Norte, mostrando o que o setor privado realmente busca", escreve Sandoval Alves Rocha.
Sandoval Alves Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
A população de Manaus é pega de surpresa tendo que engolir mais um reajuste de 12, 32% na tarifa da água e esgoto. O excessivo aumento tem sido justificado pela inflação do período de Pandemia em 2020 e 2021 adicionado ao reajuste anual que a empresa anseia por fazer a cada ano. Para a empresa isto representa um ótimo negócio, mesmo oferecendo serviços precários aos moradores da cidade. Por outro lado, este reajuste abusivo tornará mais difícil a vida da população. Os setores mais vulneráveis serão impactados negativamente na sua qualidade de vida, entrando em situação de inadimplência, amargando o colapso da vida econômica.
A política da empresa é ampliar crescentemente os retornos econômicos e isso ela tem realizado com eficiência, recebendo apoio do poder executivo municipal, da maioria dos vereadores e da agência reguladora dos serviços de saneamento. A clausura contratual da modicidade das tarifas é só um detalhe com frequência ignorado. Os direitos humanos à água e ao saneamento são infringidos em nome da lucratividade da empresa. Os investidores serão bem remunerados enquanto a população continuará reclamando da má qualidade dos serviços, presenciando os esgotos escorrerem a céu aberto e o assassinato público dos igarapés.
Com o aumento, a tarifa de água e esgoto cobrada em Manaus segue a tradição de ser a mais cara da região Norte, mostrando o que o setor privado realmente busca. Quanto aos serviços, continuam deficitários. Baseado nos dados mais recentes sobre o saneamento básico, o Instituto Trata Brasil aponta que Manaus ocupa o 86º lugar no ranking das metrópoles brasileiras. É um desempenho lastimável para uma empresa que disse ter vindo para transformar a vida da cidade. Isso mostra a grande distancia entre os benefícios adquiridos pela empresa em Manaus e o retorno que ela devolve para a cidade.
Nos últimos anos muitos países vêm retomando os serviços de água e esgoto das empresas privadas. Segundo monitoramento realizado pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI), foram 393 casos desde o ano 2000. A busca pela melhora dos serviços e pela redução de custos são os motivos mais frequentes para a reestatização, de acordo com a TNI. As empresas não investem porque sabem que prestam um serviço essencial e que, no dia em que ele tiver problema, o governo será obrigado a reassumi-lo.
No final de 2024, a concessionária Águas de Manaus foi multada em R$ 51 mil por cobrança ilegal de tarifa de água. De acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, a cobrança deve ser feita conforme o consumo real de água medida pelo hidrômetro, e não com base no número de economias do imóvel; Em janeiro deste ano, moradores do Portal da Cachoeira protestaram contra a falta de água; no início de fevereiro, a empresa foi multada em R$ 439,8 mil por demora no abastecimento de água; no último dia 27 de fevereiro, a empresa Águas de Manaus foi obrigada a recompor pavimentação asfáltica em vários lugares da cidade. Notícias como estas são socializadas cada vez mais frequentemente nos meios de comunicações da Manaus.
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas, por meio do Núcleo de Defesa do Consumidor, abriu ação para investigar a legalidade, a transparência e os impactos do reajuste de 12,32% nas tarifas de água e esgoto de Manaus. Aumentos com tais proporções não passam despercebidos, principalmente numa cidade tão desigual como Manaus. Com esta política tarifária, a empresa e o poder concedente contribuem para ampliar a iniquidade na cidade. A vida de Manaus, que já não é fácil, agora se torna ainda mais difícil e mais distante de alcançar condições mínimas para a vivência dos direitos básicos.