22 Fevereiro 2025
O governo de Gustavo Petro assumiu o compromisso de selar a "paz total", mas a guerrilha presente na região do Catatumbo está frustrando seu objetivo. Os vínculos com o tráfico de drogas e o uso do território venezuelano como santuário, assim como a própria estrutura confederal do ELN, ajudam a explicar a nova espiral de mortes e deslocamentos forçados que se instalou em parte do país.
O artigo é de Catalina Niño Guarnizo, publicado por Nueva Sociedad, fevereiro de 2025.
Catalina Niño Guarnizo é coordenadora de projetos da Fundação Friedrich Ebert (FES) na Colômbia e do Projeto de Segurança Regional da FES para a América Latina.
Desde 16 de janeiro, a região de Catatumbo, na fronteira entre Colômbia e Venezuela, vive uma profunda crise humanitária devido à violência desencadeada pelo Exército de Libertação Nacional (ELN). Em três semanas, houve 56 assassinatos e mais de 54.000 pessoas deslocadas, segundo dados do Ministério da Defesa. No entanto, antes que essa onda de violência começasse, alguns analistas consideravam Catatumbo um caso de sucesso de "paz total", já que desde 2022 os dois grupos armados que dominavam a região, o ELN e a Frente 33, um grupo dissidente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), haviam concordado com uma trégua e iniciado negociações com o governo nacional. O que aconteceu então? Como a Colômbia chegou à pior crise de violência desde a assinatura do Acordo de Paz de 2016 com as FARC?
O ELN é o grupo guerrilheiro mais antigo da Colômbia e do continente, e também foi o primeiro grupo armado a sentar-se à mesa de negociações com o atual governo nacional. Desde o momento de sua eleição como presidente, Gustavo Petro deixou claro que um de seus principais objetivos seria a busca pela paz. No âmbito da política de "paz total", que foi proposta com o objetivo de garantir a integridade e a tranquilidade dos cidadãos por meio de negociações simultâneas com todos os atores armados geradores de violência, em 21 de novembro de 2022 foi instalada em Caracas a mesa de diálogo entre o governo e o ELN, com base nos avanços alcançados com esse grupo durante o governo de Juan Manuel Santos.
Durante vários meses, as negociações do ELN com o governo Petro pareceram progredir mais do que aquelas mantidas com governos anteriores. Alguns acordos importantes foram alcançados, incluindo o cessar-fogo inicial de seis meses, que mais tarde foi estendido por mais seis. Além disso, avançou-se na criação de um fundo multidoador para apoiar o processo de paz, um observatório sobre o paramilitarismo e o princípio de “implementar o que for acordado”, bem como um acordo para a participação da sociedade civil nos diálogos.
No entanto, logo ficou claro que o desejo de paz do governo não era correspondido pelo ELN. Os objetivos do grupo guerrilheiro não incluíam alcançar a paz, muito menos o desarmamento e a desmobilização. De fato, seus representantes na mesa de negociações foram enfáticos ao afirmar que não entregarão as armas até que transformações profundas sejam alcançadas, relacionadas ao modelo econômico e ao sistema político do país, que consideram necessárias para uma paz sustentável. Hoje está claro que as prioridades do ELN em relação às negociações eram diferentes: por um lado, fortalecer sua posição territorial, particularmente ao longo da longa fronteira colombiano-venezuelana, onde teve uma presença histórica, e, por outro, defender a integridade e a unidade da organização, um elemento paradoxal considerando que o ELN tem uma estrutura marcadamente federal baseada em "uma confederação de frentes de guerra" que atuam de forma diferenciada de acordo com seus próprios planos, interesses e capacidades, e de acordo com as condições dos territórios em que cada uma opera.
Inicialmente, o processo de negociação com o governo atendeu a esses dois objetivos, fortalecendo o controle e o poder de decisão do Comando Central (COCE) sobre as diversas frentes e eliminando a pressão militar graças ao cessar-fogo acordado. Mas o anúncio no início de 2024 de um novo processo de negociação com os Comuneros del Sur, uma frente do ELN que opera no departamento de Nariño, na fronteira com o Equador, mudou o cenário, pois representava uma ameaça a um dos objetivos estratégicos do grupo. Embora os Comuneros del Sur buscassem ser reconhecidos como um ator independente porque queriam avançar mais rapidamente em um processo de desmobilização, o ELN acusou o governo de se infiltrar nessa frente para dividir a organização guerrilheira e, além disso, de não cumprir os acordos que haviam sido alcançados. As tensões geraram uma crise na mesa de negociações que nunca foi superada.
Na realidade, a mesa deixou de ser relevante para o ELN, especialmente para sua Frente de Guerra Oriental, comandada por Gustavo Giraldo, conhecido como "Pablito", que deixou clara sua desconfiança em relação ao processo de negociação. As estruturas que desencadearam a violência em Catatumbo após vários meses de relativa paz dependem desta frente, a mais poderosa do ELN.
As razões para o rompimento da trégua que o ELN havia estabelecido com a Frente 33, e pela qual ambos os grupos haviam dividido o território, a renda ilegal e o controle populacional, são diversas. A primeira está ligada ao crescente poder da 33ª Frente, que aumentou sua presença territorial e começou a se consolidar como um ator capaz de disputar território com o ELN.
Soma-se a isso a recuperação gradual do mercado de folha de coca na região. O tráfico de drogas, uma das principais fontes de renda de todos os grupos armados na Colômbia, tem sido uma das principais atividades econômicas em Catatumbo por muitos anos. No entanto, em 2022, os compradores de folha de coca e pasta base pararam de aparecer e a chamada "crise da coca" não só gerou fome entre a população rural, mas também uma diminuição na renda do ELN e da 33ª Frente. Em 2024, a tendência mudou e o dinheiro das drogas retornou à área. As tensões entre os grupos armados aumentaram e o ELN decidiu agir.
Outro fator fundamental na situação que Catatumbo vive hoje é sua localização estratégica graças à sua posição fronteiriça com a Venezuela. Durante anos, o ELN teve uma presença ativa no país vizinho, onde mantém sua retaguarda estratégica, sem pressão das forças militares colombianas. Embora sua relação com o regime de Nicolás Maduro não tenha sido isenta de dificuldades, durante seu Sexto Congresso, em junho de 2024, seu mais alto órgão decisório político e militar, o ELN considerou "a Revolução Bolivariana como vanguarda da revolução de esquerda latino-americana" e, nesse sentido, está comprometido com sua defesa. Ao mesmo tempo, a disputada eleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato presidencial, que o presidente Gustavo Petro, entre muitos outros, não reconheceu como legítimo, e a virada geopolítica representada pela segunda presidência de Donald Trump nos Estados Unidos, fazem do ELN um aliado relevante para o regime venezuelano.
Por tudo isso, o papel facilitador que a Venezuela teve no processo de negociação entre o governo colombiano e o ELN se torna uma arma política que reduz ainda mais os incentivos que o grupo guerrilheiro poderia ter para alcançar avanços concretos nas negociações. Não é por acaso que a ofensiva em Catatumbo começou poucos dias depois da posse de Maduro, embora se saiba que ela estava planejada há vários meses, durante os quais o ELN havia deslocado tropas de Arauca, uma região um pouco mais ao sul também na longa fronteira colombiano-venezuelana, para fortalecer sua posição.
Um último elemento que contribuiu para a crise foi a inação do Estado. Em 2024, o Sistema de Alerta Precoce da Defensoria do Povo, assim como diversas organizações de direitos humanos, a população da região e diversos analistas alertaram sobre a crescente tensão e medo do ELN devido à rápida expansão da Frente 33 e o que isso poderia significar em relação ao controle da economia da coca e das populações a ela vinculadas. Apesar dos avisos, não houve resposta do governo nacional, que só se fez presente para realizar trabalho humanitário depois que a violência já havia eclodido. O próprio Comissário para a Paz, Otty Patiño, reconheceu publicamente que o alerta precoce do Provedor de Justiça não havia sido analisado a fundo: “O que se notou através dos alertas foi uma exacerbação do conflito. Não houve, e quero ser muito autocrítico, uma análise aprofundada do porquê dessa exacerbação de confrontos estar ocorrendo".
Muitas das análises dos acontecimentos recentes em Catatumbo coincidem em apontar o uso de violência indiscriminada contra a população civil pelo ELN, com táticas que lembram o terror das incursões paramilitares do início deste século. Não houve confrontos entre grupos armados. O ELN foi com a lista em mãos, de casa em casa, procurando e executando pessoas que acusava de serem colaboradoras da Frente 33, além de assassinar o coveiro de uma cidade da região, junto com sua esposa e seu bebê de nove meses, por terem ousado desafiar a ordem de não enterrar as vítimas daqueles ataques. Até o momento, a 33ª Frente não respondeu à violência contra ela e alguns de seus membros se desmobilizaram para tentar proteger suas vidas, mas não se pode descartar que, diante dos ataques, o grupo decida agir. Em qualquer caso, a degradação das ações do ELN reflete sua profunda penetração em atividades criminosas, o efeito corruptor que a renda ilegal teve sobre o grupo e seu desdém pelas negociações de paz.
É preocupante que, por sua vez, o governo tenha investido tanto do seu capital político e esforço nessas negociações, que claramente tiveram que ser suspensas dada a gravidade da situação e que, em geral, produziram tão poucos resultados, não apenas com o ELN, mas também com o resto dos grupos presentes nas várias mesas de discussão. A improvisação com que a política de “paz total” foi levada a cabo e sua falta de conexão com a política de segurança nos levou a um cenário em que uma região historicamente atingida por conflitos é novamente vítima de uma onda de violência como não se via há duas décadas.
Soma-se a isso o risco de que a situação de Catatumbo se repita em outras áreas com configurações semelhantes de dois atores armados compartilhando o controle de territórios, rendas e populações em meio a uma calma tensa. No dia 19 de janeiro, já havia confrontos entre duas facções dissidentes das FARC em Guaviare (departamento da Amazônia colombiana) que deixaram cerca de 20 combatentes mortos, vários feridos e deslocados, pelo controle das rotas do narcotráfico para o Brasil. A gravidade da situação em Catatumbo fez com que esses eventos não recebessem muita atenção, mas há temores de confrontos semelhantes em outras regiões, como Caquetá, Huila, Putumayo, Meta, Cauca e sul de Córdoba.
Em resposta à escalada em Catatumbo, o governo nacional declarou agitação interna, uma medida excepcional que só pode vigorar por 90 dias e deve ser justificada perante o Congresso. Embora este instrumento permita atuar em diversas frentes para evitar a crise, restabelecer a segurança no território é essencial para poder avançar em outras questões. O desafio é complexo porque, como ficou claro na justificativa apresentada pelo governo, os cortes orçamentários devido à difícil situação fiscal do país tiveram um impacto significativo nas forças militares. Soma -se a isso o congelamento temporário da assistência de segurança fornecida pelo governo dos Estados Unidos às forças de segurança colombianas por meio da Seção de Assuntos de Narcóticos e Aplicação da Lei (INL) do Departamento de Estado.
Além disso, neste momento o fator Venezuela representa outro obstáculo para a resolução da crise em Catatumbo. A decisão de Maduro de permanecer no poder e a preocupação que pode ser gerada por declarações como as do ex-presidente Álvaro Uribe sobre a necessidade de uma incursão militar no país vizinho, fazem do ELN um ator atraente para o regime venezuelano. Isso reduz os incentivos de Maduro para apoiar uma solução negociada com o grupo guerrilheiro, o que consolida a posição do ELN em seu território.
Em meio a essa situação, o governo Petro tem o desafio de restaurar a calma em Catatumbo e garantir que os milhares de deslocados possam retornar aos seus territórios em condições seguras. Ao mesmo tempo, deve tomar decisões sobre como enfrentar o ELN e, paralelamente, buscar avanços concretos nas diversas mesas de negociação abertas com os grupos armados que atuam no país, buscando apaziguar tensões que podem levar a novos surtos de violência em outras regiões.
É claro que a política de “paz total” está passando por um momento crítico. Espero que o governo dê ouvidos ao alarme gerado pelas ações do ELN e faça ajustes para evitar que ele morra.