21 Fevereiro 2025
"A fé cristã nos faz ver ainda mais longe. A ruptura da fraternidade, as injustiças e desigualdades sociais e a destruição da natureza são, em última instância, um atentado contra obra criadora de Deus e seu desígnio para a humanidade. Está em jogo a criação de Deus e a missão que ele confiou ao ser humano de cuidar da criação", escreve Francisco de Aquino Júnior, presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte, no Ceará; professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Todos os anos, a Igreja do Brasil promove durante a quaresma uma Campanha da Fraternidade – CF. Assim como somos chamados a uma conversão pessoal (conversão do coração), também somos chamados a uma conversão social (transformação da sociedade). A CF chama atenção para a dimensão social do pecado que se concretiza na ruptura da fraternidade, nas injustiças sociais e na destruição de nossa casa comum. E a consciência do pecado social convida a uma conversão social que se concretiza em relações de fraternidade e cuidado entre as pessoas, na defesa da dignidade e dos direitos dos pobres e marginalizados e no cuidado da casa comum.
Esse ano, a CF tem como tema “Fraternidade e Ecologia Integral” e como lema “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). É um convite a refletir sobre os sintomas e as causas da crise socioambiental (ver/ouvir), a contemplar a obra criadora de Deus e meditar sobre a missão confiada ao ser humano (iluminar/discernir) e a buscar alternativas de superação da crise socioambiental e cuidado da casa comum (agir/propor).
Não é preciso fazer muito esforço para reconhecer que vivemos uma profunda crise socioambiental com consequências trágicas para grande parte da humanidade. Os sintomas estão aí bem perto de nós: secas, enchentes, tempestades, desmoronamentos, furacões, calor, queimadas, agrotóxicos, doenças, pandemias etc. Ainda está muito viva em nossa memória e em nossa carne a pandemia da covid-19 e a tragédia no Rio Grande do Sul em 2024. Mas não basta reconhecer os sintomas. É preciso se perguntar pelas causas da crise. E em grande medida ela é fruto da ação humana. Isso faz da crise ecológica uma crise socioambiental. O Papa Francisco tem insistido muito na “raiz humana da crise ecológica”. O planeta não suporta nem acompanha o ritmo de exploração da natureza e o consumismo desenfreado das elites. Como bem destaca o Texto-Base da CF, “o modelo de desenvolvimento capitalista, baseado na exploração dos patrimônios naturais, na queima de combustíveis fósseis, como os derivados de petróleo, na expansão desenfreada do consumo e na relação mercantilista com a natureza, tem contribuído para uma série de problemas ambientais, como a degradação do solo, o desmatamento, o extrativismo predatório, a poluição, a escassez de água, o comprometimento da biodiversidade com a extinção de algumas espécies e as mudanças climáticas”.
A fé cristã nos faz ver ainda mais longe. A ruptura da fraternidade, as injustiças e desigualdades sociais e a destruição da natureza são, em última instância, um atentado contra obra criadora de Deus e seu desígnio para a humanidade. Está em jogo a criação de Deus e a missão que ele confiou ao ser humano de cuidar da criação. Como recorda Francisco, “dizer ‘criação’ é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projeto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado” (LS 76). Os relatos da criação apresentam todos os seres como obra de Deus e em harmonia uns com os outros e apresentam o ser humano como parte da criação e com a missão de “cultivar e guardar” o jardim da criação. E a expressão ecologia integral chama atenção tanto para o valor de cada ser e a relação entre eles, como para o “valor peculiar” do ser humano que implica uma “tremenda responsabilidade” com a casa comum. Não se pode reduzir os bens da criação a meros “recursos” a serem explorados pela ganância humana. Nem se pode pensar o ser humano separado da criação nem como senhor absoluto da criação. A ruptura da fraternidade dos seres humanos entre si com a natureza é um atentado contra a criação de Deus. Nas palavras do Patriarca Bartolomeu: “um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus” (LS 8).
E a consciência do pecado socioambiental (destruição da criação) é um chamado à conversão ecológica (cuidado da criação). Ela nos leva a assumir a missão que Deus nos confiou de “cultivar e guardar” o jardim da criação (Gn 2,15). Isso implica mudança de mentalidade: a natureza não é mero “recurso” a ser apropriado; o ser humano é parte da natureza; a destruição da natureza é destruição do próprio ser humano e pecado contra Deus; muitos projetos de desenvolvimento produzem mais males do que bens para sociedade etc. Mas implica também atitude pessoal e social: 1) superar o consumismo, não desperdiçar água, cuidar dos resíduos etc.; 2) apoiar a agricultura familiar camponesa e suas lutas contra agrotóxicos, desmatamento e destruição da biodiversidade; 3) tomar posição contra projetos políticos que destroem a casa comum como pulverização área, mineração, destruição das leis de proteção ambiental para favorecer os interesses do capital etc.; 4) Defender e apoiar comunidades e movimentos que lutam pela preservação ambiental e por justiça social; 5) escutar e se deixar co-mover pelo “grito dos pobres e da terra”, através do qual Deus nos chama à conversão social e política.