15 Janeiro 2025
O antagonismo radical ao presidente Lula é uma das bandeiras de campanha do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que pretende ser o candidato da direita à sucessão presidencial em 2026, ao lado da segurança pública, como relata na entrevista abaixo a jornalista Cileide Alves, que entre 1996 e 2016 foi editora de Política, editora-executiva e editora-chefe do jornal O Popular, o mais importante de Goiás.
A reportagem é de Mauro Malin, publicada por Um Outro Brasil é Possível, 14-01-2024.
Os indicadores de homicídios, roubos e outros crimes caíram acentuadamente em Goiás desde que ele assumiu pela primeira vez, em 2019 (foi reeleito em 2022), mas cresceu muito a taxa de assassinatos cometidos por policiais. Caiado faz propaganda de uma política de segurança pública espelhada nos manuais da extrema direita e quer mais autonomia, ao estilo dos EUA, para o estado, que tem 7,3 milhões de habitantes e onde uma pesquisa encontrou 86% de aprovação a seu governo.
Um tenente-coronel da PM, Edson Melo, conhecido nas redes sociais como Edson Raiado, caçou e matou Lázaro Barbosa de Souza, assassino foragido de uma família de quatro pessoas em Brasília, foi afastado por Caiado, período em que fez a segurança do candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal, depois voltou e assumiu um comando importante.
Em Anápolis, terceira maior cidade de Goiás, Carlos Toledo, presidente do DEM (hoje União Brasil, partido de Caiado, depois de fusão com o PSL, Partido Social Liberal), foi acusado de mandar assassinar Fábio Escobar, também do DEM e coordenador da campanha de Caiado na cidade em 2022. Na busca de um celular que havia gravado o crime, os assassinos indiciados, integrantes da PM goiana, mataram seis pessoas, entre as quais uma mulher grávida de sete meses, além de Escobar.
Caiado tem bons indicadores em Educação, posição já alcançada no governo de seu antecessor, Marconi Perillo (PSDB), e, depois de ter obtido do STF a suspensão do pagamento do serviço da dívida do estado, fez uma renegociação com a União e conseguiu ter dinheiro em caixa para pagar o funcionalismo e fazer obras, além de ampliar muito o atendimento na Saúde, ajudado por recursos do Ministério da Saúde sob o governo Bolsonaro. Os dois, governador e ex-presidente, se enfrentaram na campanha pela Prefeitura de Goiânia, vencida por Sandro Mabel com apoio de Caiado.
O desempenho de Caiado na área socioeconômica chegou ao sexto ano de governo, em 2023, com queda de 20% do número de desocupados em relação a 2022. Em 2023, segundo o IBGE, os 20% mais ricos da população concentravam 54,1% do rendimento per capita de Goiás. Os 40% com menores rendimentos ficavam com apenas 14% da renda. Apesar de ter aumentado, a concentração de renda é a sexta menor entre os estados brasileiros. Crescimento econômico e programas sociais propiciaram uma queda acentuada da pobreza extrema. O PIB de Goiás representa 3,2% (9º lugar) do PIB brasileiro, com um número de habitantes equivalente a 3,47% (11º lugar) da população do país.
Primeiro presidente da UDR (União Democrática Ruralista), o governador de Goiás, membro de uma linhagem de produtores rurais e políticos que remonta a meados do século 19, tem uma agenda intensa como candidato a suceder Lula, ajudada por verba a ele destinada pelo União Brasil, agenda que inclui conversas realizadas em 2024 com setores importantes do mercado financeiro, o lançamento de sua candidatura em Salvador, em março próximo, e a preparação do vice, Daniel Vilela, para assumir o governo do estado em março de 2026, quando Caiado deixará o cargo para se desincompatibilizar.
A veemente oposição de Ronaldo Caiado à regulamentação do uso da violência por forças policiais tem alguma motivação específica, além de ser uma forma de antagonizar o governo de Lula?
Caiado, desde que assumiu o cargo, pegou a segurança pública como bandeira da gestão dele. Ele tem o perfil, comum a toda a direita, de achar que a polícia tem que agir com severidade, tem que ter a autoridade respeitada, e que é com polícia que se resolvem os problemas de segurança pública.
Em Goiás, quando Caiado assumiu, em 2019, estava havendo uma diminuição dos índices de violência, como acontecia nacionalmente. Os homicídios no estado chegaram ao maior pico em 2015 e 2016.
Goiás – Mortes violentas intencionais, anos selecionados
2015 – 3.054 (46,2 mortos por 100 mil habitantes; Brasil, 28,9)
2016 – 3.014 (45,3 mortos por 100 mil habitantes; Brasil, 30,0)
2019 – 2.251 (32,1 mortos por 100 mil habitantes; Brasil, 21,7)
2023 – 1.607 (15,4 mortos por 100 mil habitantes; Brasil, 22,8)
(Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024)
O que provocou o aumento do número de mortes intencionais em Goiás até o pior resultado, em 2015?
A capital [cuja área metropolitana corresponde a 36% da população do estado] enfrentou uma série de questões. Foi a época do crack, da entrada de facções, e também dos grupos de extermínio que a polícia tinha.
Em 2010, eu era editora-chefe do O Popular, a gente conseguiu com exclusividade o relatório da Operação Sexto Mandamento, que a Polícia Federal fez em Goiás e mostrava esses grupos. Vários policiais foram presos, iniciou-se uma investigação. O governador era Marconi Perillo (PSDB, 1999-2006 e 2011-2018), que também tem essa pegada de polícia, mas não é direitista como Caiado. Ele afastou essas pessoas. Quando Caiado assumiu, esse movimento já estava diminuindo.
O governo de Caiado combate a violência policial?
A polícia é protegida. Aqui em Goiás ninguém pode mexer com polícia. A primeira-dama, Gracinha, virou a madrinha da polícia. Em todo evento de polícia ou Caiado ou Gracinha estão presentes. Tudo que a polícia faz, um dos dois está presente.
Mas Caiado não aumentou o número de policiais, há um movimento muito forte de policiais chateados. Ele deu promoção para muita gente como forma de aumentar salários, sem dar aumento para todo mundo. E também não contratou policiais, por isso o efetivo da polícia de Goiás está muito baixo, é um dos mais baixos atualmente. [Queda de 10,7% entre 2013 e 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Goiás está na nona posição entre as unidades da Federação que sofreram maior redução do número de policiais.]
Como o governo do estado compensa o déficit de efetivos?
O governador tem convocado muito policial para fazer hora extra. Por isso ele trata bem os policiais, e fez vista grossa às ações de militares que terminaram em confronto. Quando começou o governo, uma frase dele virou slogan: “Em Goiás, ou bandido muda de profissão ou muda do estado”.
Ele mandou um recado. O homicídio caiu, todos os tipos de crime caíram muito, furto, roubo de carro, assalto. Assim, há uma sensação de segurança muito grande nos maiores centros. As pessoas têm coragem de andar à noite, você vê muito pouco carro roubado.
Existe algum tipo de redução de delitos que sensibilize especialmente os moradores da capital?
Goiânia sempre foi a cidade das caminhonetes. Proporcionalmente, é uma das que mais vendem caminhonetes no país. E o seguro era muito caro, porque tinha muito roubo. Como ele é fazendeiro e esse público é dele, ele se comprometeu a acabar com o roubo de caminhonete. E agora gosta de dizer que acabou.
Realmente, os índices de roubo de carro diminuíram muito e consequentemente o seguro, proporcional ao número de crimes, teve redução de preço. A propaganda do governo fala que a queda da taxa de homicídios em Goiás foi maior do que a dos outros estados, e que a segurança pública goiana é a número 1 do Brasil.
Entre 2012 e 2022, segundo o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as maiores taxas de diminuição se verificaram no Distrito Federal, em São Paulo e em Goiás, respectivamente.
A polícia tem agido de uma maneira correta do ponto de vista legal?
Uma consulta ao Atlas Brasileiro de Segurança Pública mostra que Goiás é o terceiro estado com a maior proporção de mortos pela polícia entre o total de mortes violentas (32,2%), atrás do Amapá (33,7%) e de Sergipe (33,3%). Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, três em cada dez mortes violentas decorreram da ação das forças de segurança nesses três estados. Tem uns policiais aqui muito violentos que são afilhados políticos de Caiado.
Tem um tenente-coronel, Edson Melo, que se apresenta como coronel Raiado, com cerca de 900 mil seguidores nas redes sociais. Ele deu entrevista na TBC (TV Brasil Central), emissora estatal, repetidora da TV Cultura de São Paulo, na qual disse: “Eu sou bem tranquilo em dizer que a polícia deve matar mais. Deve matar mais. No sentido de bandido. Por quê? Isso reflete diretamente nos números que eu tenho”.
Melo estava na segurança de Caiado na época da procura por Lázaro Barbosa de Souza, que em 2021 matou na periferia de Brasília uma família de quatro pessoas e passou 21 dias foragido. Gosta de dizer que chegou lá na hora, que achou o Lázaro, que matou o Lázaro. Esse é um troféu que ele ostenta.
O que aconteceu com o chamado coronel Raiado?
Ganhou de Caiado o Comando do Policiamento de Divisa (COD). Em tese é um comando que teria de atuar nas divisas, mas eles ficavam aqui em Goiânia e faziam ação em qualquer lugar. E onde o COD ia tinha confronto e pessoas morriam, sempre.
O que aconteceu mais recentemente é que dois informantes do COD foram lá, depois saíram, e os policiais foram atrás deles, só que o celular de um deles estava gravando, e os policiais não viram. Estava sendo gravado pela mulher de um deles. Os policiais do COD matam os dois homens, desarmados, dentro de um carro. Isso foi divulgado como confronto. Depois apareceu o vídeo. Eles abriram investigação, o coronel foi afastado do cargo, pediu licença e foi para São Paulo ser o segurança de Pablo Marçal.
E depois da eleição municipal de 2024?
Agora ele voltou e Caiado deu para ele o Comando Regional de Trindade. Comando Regional é acima do COD, porque tem o dobro de policiais e cuida da segurança de Trindade, município que fica perto de Goiânia e tem 100 mil habitantes, e de outros municípios na região. Foi promovido por Caiado. E tem uma série de processos envolvendo mortes em confrontos sob o comando dele.
Em Anápolis também há grupos de extermínio. Um homem chamado Fábio Escobar, que era do DEM, coordenou a campanha de Caiado em 2018 e teve um desentendimento com outro aliado de Caiado, Carlos Toledo, presidente do DEM na cidade, conhecido como Cacai Toledo, por causa de nomeações para cargos no governo. Escobar foi assassinado em julho de 2021 e Cacai acusado de ser o mandante.
O Ministério Público de Anápolis começou a investigar e descobriu que a polícia tinha um telefone usado para atrair Fábio Escobar para uma emboscada, telefone que tinha ido parar na mão de bandidos que vendem telefones roubados. Quando o processo começou a ser investigado seriamente pelo Ministério Público, os envolvidos ficaram assustados e foram tentar localizar o celular. Para localizar esse celular, mataram mais seis pessoas em Anápolis. Incluindo uma mulher grávida de sete meses. Isso foi um escândalo.
Cacai, muito amigo de Caiado, deixou a presidência do DEM quando teve seu nome envolvido em uma denúncia de desvio de recursos na Codego (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás), empresa pública estatal. Depois do assassinato de Escobar, fugiu, a polícia ficou atrás dele. Foi capturado em julho de 2023 e em junho de 2024 foi considerado réu pela Justiça.
Depois que Caiado assumiu, o único indicador de violência que subiu foi o de morte por intervenção policial. Esse índice começou a cair no ano passado e neste ano também caiu. Eles deram uma segurada, mas ainda é muito alto. E ainda é maior do que era antes de ele assumir o governo.
Aí ele se depara com o tema das câmeras nas fardas. “Ninguém vai obrigar policial meu a botar câmera em farda, eu é que mando nos meus policiais”.
Isso dito pelo governador do estado onde se localiza a capital federal.
E lá no entorno do Distrito Federal era uma região de muita violência, porque, como é uma região basicamente de migrantes, não se tem relação social, cultural, com o local. É aquilo que conta maravilhosamente bem a música do Legião Urbana Faroeste Caboclo, composta por Renato Russo.
A Brasília foi chegando gente de tudo quanto é lugar atrás de oportunidades. E as cidades cresceram demais. Em Brasília você tem cidade que na década de 80 tinha 10 mil, 20 mil habitantes, e hoje tem 200 mil. Daí essa questão de gente que não tem relação com as cidades do estado. O entorno de Brasília é como se fosse quase um estado à parte de Goiás. Porque boa parte da população não tem relação com Goiás.
Em que áreas o governo Caiado se destaca?
Quando Caiado assumiu o governo em 2019, ele era oposição, muito forte, contra o então governador Marconi Perillo. Marconi tinha ficado 20 anos no poder em Goiás. O estado estava com dificuldade de liquidez de caixa. Não tinha dívida consolidada muito alta, mas tinha que pagar mensalmente o serviço da dívida. Isso comprometia uma fatia alta das receitas corrente líquidas e tornava difícil para o governo pagar as contas.
Caiado então entrou na justiça, no STF, e conseguiu suspender o pagamento do serviço da dívida. Fez o que Minas Gerais e o Rio de Janeiro tinham feito anteriormente. Reduziu substancialmente o pagamento da dívida e deu um fôlego muito amplo para a administração. O estado, no governo dele, praticamente pagou muito pouquinho do serviço da dívida. Era algo em torno de 300 milhões de reais por mês. Para um Estado que arrecada anualmente cerca de 40 bilhões de reais, pagar por mês esses 300 milhões pesava.
Ele foi ganhando sucessivamente no STF a suspensão do pagamento, depois fez uma renegociação com a União. Aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). E conseguiu ir contornando essa dificuldade de ter dinheiro em caixa para pagar em dia, especialmente os salários dos servidores.
Em que área o governo de Caiado não conseguiu avançar?
Fez esse ajuste fiscal, mas não conseguiu investir muito em infraestrutura, uma das questões que sempre todos os governos trabalharam. Especialmente os governos de Marconi investiram muito em infraestrutura. Construiu muita estrada, duplicou muitas rodovias, construiu alguns hospitais em Goiás, fez o Centro Cultural Oscar Niemeyer em Goiânia.
Caiado não conseguiu, ele ajustou as contas do estado mas não fez essas grandes obras. Tem dois motivos para que isso não tenha acontecido. Primeiro, ao aderir ao Regime de Recuperação Fiscal o estado teve que obedecer ao teto de gasto. Tinha um teto de gasto a cumprir. Só podia gastar no ano aquilo que tinha gastado no ano anterior, corrigido pela inflação.
Esse teto de gasto, obviamente, impediu o governo de ampliar despesas, ampliar investimentos, mesmo que tivesse o caixa. E o governo conseguiu fazer um caixa, que é o objetivo desse tipo de programa. O governo de Goiás hoje tem o equivalente a 15 bilhões de reais em poupança, que não pode gastar por conta do teto de gasto.
Além disso, o governo de Caiado é emperrado na área de burocracia, de realizar licitações, ele é temeroso de ter problemas. Não conseguiu fazer os investimentos em infraestrutura. Para fugir da burocracia e também para ter uma grande obra que possa chamar de sua, o governo está construindo um hospital público de tratamento de câncer, do modelo do Hospital do Amor de Barretos (SP).
O nome do hospital vai ser Hospital Cora, uma homenagem a Cora Coralina, e ele fez algo que é absolutamente heterodoxo, mandou um projeto de lei para a Assembleia Legislativa autorizando-o a fazer a contratação direta de uma entidade que fosse considerada com especialização em determinada área. Chamou Henrique Prata, o presidente da Fundação Amor de Barretos, amigo dele, e entregou a Henrique Prata a construção, a instalação, a compra de equipamentos, mobiliário, e a gestão desse Hospital Cora por 12 anos. Ele está entregando para esse amigo dele – ele fala que o Henrique ele conhece e que o Henrique é especializado – mais de 2 bilhões de reais para fazer tudo isso durante 12 anos.
Esse modelo foi criticado aqui em Goiás pelo PSDB do Marconi, que entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei que autorizou Caiado a fazer esse modelo de construção. O Cora vai ficar pronto por etapas. A primeira etapa está sendo prometida ainda para este semestre, a ala infantil do hospital.
Caiado, que é médico, teve na pandemia da Covid uma atuação na contramão do que pregava e fazia o governo Bolsonaro. Como isso foi possível?
Ele sempre foi muito ligado a Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde de Bolsonaro no início da pandemia. Por conta dessa relação que tinha com o então ministro, conseguiu muitos recursos. Era uma época em que a Saúde e o governo federal estavam liberando muitos recursos para estados e municípios.
Ele conseguiu muito dinheiro em Brasília para um projeto de campanha eleitoral, a regionalização da saúde. Goiás, até a gestão dele, praticamente só tinha unidade de terapia intensiva em Goiânia, Anápolis e Aparecida de Goiânia. No interior do estado não tinha.
E também tinha poucas unidades de saúde. Marconi Perillo tinha deixado uma estrutura física quase pronta, um hospital regional construído no município de Uruaçu, no norte do estado, e também seis prédios nos quais pretendia montar assistência especializada. Mas era só a estrutura física. Caiado assumiu, conseguiu o recurso federal e foi instalar a rede de saúde regionalizada.
Montou hospital no norte do estado, estadualizou hospitais municipais que estavam com dificuldades e fez uma rede boa de hospitais no interior do estado. Agora tem hospital regional e estadual em Uruaçu, no norte, tem no entorno do Distrito Federal, em Luziânia. Ele conseguiu terminar uma obra que se arrastava há décadas, em Águas Lindas, um hospital que começou a ser construído pela prefeitura, depois parou, o governo de Marconi assumiu, fez mais um pouco da obra, mas também parou, e Caiado conseguiu terminar essa obra.
Ele também estadualizou hospitais em Formosa, que é o lado norte do entorno do Distrito Federal, em Itumbiara, no sul do estado, e também em São Luiz de Montes Belos, região que a gente em Goiás chama de Mato Grosso Goiano, e também no município de Jaraguá, no Vale do São Patrício, outra região do estado.
E fez a rede de policlínicas, a antiga rede de especialização que Marconi tinha construído, mas não instalado. Caiado instalou seis policlínicas distribuídas no estado de Goiás. Ele promoveu um avanço considerável na área de saúde, aproveitando esses recursos que vieram.
Agora ele está com outro problema, que é a manutenção, porque quando você amplia uma rede você precisa de recursos da verba de custeio, e isso acabou provocando um atrito entre ele e o governo Lula, porque ele quer recursos do Ministério da Saúde para ajudar no custeio dessas novas unidades, especialmente o Hospital de Águas Lindas, por conta dessa ampliação que ocorreu na gestão dele.
A despeito do avanço na saúde pública, entre 2019 e 2023 o número de beneficiários de planos de saúde aumentou 28,2%, chegando a quase 865 mil pessoas, informou o IBGE.
Os governos de Goiás proclamam bons resultados na Educação. Como essa posição foi conseguida?
Em 2015 e 2017, com Marconi Perillo no governo, Goiás foi o primeiro do ensino médio no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Quando Caiado assumiu, por conta da pandemia, inclusive, o estado perdeu essa primeira colocação e aí ele batalhou muito para que voltasse a ser o primeiro. E no mais recente Ideb, anunciado em 2024, o estado voltou a ter a posição de destaque que tinha tido anteriormente.
Paralelamente, o governo informa que fez reformas em escolas. Concedeu uma bolsa para alunos do ensino médio. Esse Pé de Meia que o governo federal fez agora, nacionalmente, o Caiado já tinha implantado. O estado dá um valor por mês para cada aluno do ensino médio que permanece na escola e no final uma poupançazinha para quem conclui o ensino médio.
Teve também programas de distribuição de Chromebooks, notebooks do Google. Ele também colocou laboratórios de robótica nas escolas. Por conta disso e por conta do primeiro lugar no Ideb, ele diz que Goiás é o primeiro lugar em Educação.
A rede pública de educação abarcava, em 2023, 86,9% das pessoas que frequentavam o ensino médio (77,8% na educação infantil, 82,3% no ensino fundamental). A rede privada atendia 13,1% dos estudantes do ensino médio. As proporções se invertiam no ensino superior: 78,1% das pessoas na rede privada e 21,9% na rede pública.
Caiado é muito competente para fazer a divulgação do governo dele. Isso o tem ajudado, ele é uma figura política carismática, um orador que tem muita habilidade para conquistar as pessoas e tem posição muito assertiva em tudo que escolhe fazer.
As ações administrativas associadas a essa capacidade dele de falar e de defender as ideias e o governo dele ajudaram a criar a imagem que ele quer ver prevalecer, a de que Goiás é o número um em Educação, o número um em Saúde, o número um em Segurança Pública. Não existe um ranking nacional que coloque Goiás nesses primeiros lugares, mas ele está vendendo esse discurso de número um.
Como Caiado alimenta sua pretensão de se candidatar novamente a presidente da República?
Caiado sempre foi de direita, sempre fez oposição ao PT, na Câmara dos Deputados, no Senado. Em 1989 tinha sido presidente da União Democrática Ruralista, foi um dos fundadores. Disputou a eleição presidencial pelo PSD, que não é o mesmo de hoje. Disputou com Collor de Melo, Lula, Brizola, e atacou muito Lula.
Em 1989 ele obteve 488.872 votos, o equivalente a 0,68%, ficou em décimo lugar e apoiou Fernando Collor no segundo turno. Por que Caiado pensa ter melhores possibilidades agora?
A direita está mais forte e ele resolveu batalhar para ser o candidato da direita. E está em choque com Bolsonaro, já percebeu que não vai ser candidato do Bolsonaro. O que ele tem a mostrar? A segurança pública. E precisa de quê? De enfrentamento com Lula para dizer que ele é de direita, e que é contra Lula.
Por isso, tudo que tem sido proposto pelo governo federal ele é contra. Tudo. Por exemplo, a reforma tributária. Ele foi um dos poucos governadores que foi contra, com aquele discurso de que vai engessar os estados, de que a União quer tirar a autonomia dos estados. E começou outro movimento, para aumentar a autonomia dos estados em relação à União.
Essa bandeira tem alguma conotação doutrinária?
Sim. Ele tem defendido que as unidades federativas tenham a mesma autonomia que as unidades federativas dos Estados Unidos. Que é outra história, porque lá eles juntaram vários estados num país, por isso têm a autonomia que têm.
Aqui não, o Brasil sempre foi centralizado, a Coroa e depois a Monarquia mandavam em tudo. Depois, quando se criou a República, se deu alguma autonomia aos estados, mas todo mundo tem uma dependência da União. Em alguns assuntos, é a União que tem poder. É outra forma de divisão das autonomias entre municípios, estados e União.
O que quer Caiado?
Que ele, como governador, possa propor leis que achar convenientes relativas ao sistema penitenciário. Ele quer mandar sozinho no sistema penitenciário, não quer ter lei que diga para ele que o preso tem que ser tratado de determinada maneira, que tem que ficar em tal cadeia, que tem que ser transferido sob tais regras, que a progressão de pena acontece de tal forma. Como aqui na Assembleia Legislativa não tem o debate que existe nacionalmente, os deputados fazem o que ele quer – os estados geralmente são assim –, e ele nunca perdeu um projeto na Assembleia Legislativa, ele quer ter esse direito.
Quando se apresentou um projeto do ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça, para fazer mudanças no sistema de segurança, ele foi automaticamente contra, por dois motivos: porque ele é contra tudo que Lula propõe e porque ele quer ter autonomia nesse âmbito.
Ele começou esse movimento, o procurador-geral do estado tem defendido isso, que os estados têm autonomia em certas áreas, algumas áreas de crime ambiental. Ele chegou a propor uma lei, foi aprovada na Assembleia, que estabelecia formas de prisão de quem fosse pego jogando fogo no Cerrado. Essa lei foi derrubada pelo STF exatamente porque ele estava legislando sobre matéria privativa da União.
E tem um monte de leis que Caiado tem apresentado, ele fez mudanças em quatro leis ambientais dando mais direitos para os agricultores expandirem a área de atuação, diferentemente do que está proposto no Código Florestal. O que ele fala é que quem conhece o estado é ele: “Eu sei o que é bom e o que não é bom para o estado, a União não pode saber”. É uma forma autoritária e centralizadora que o caracteriza.
Como está estruturado, de maneira simplificada, o discurso dele como candidato a presidente?
São essas três questões, a segurança pública como bandeira, ele adversário do Lula e esse movimento que ele iniciou de mais autonomia para os estados terem poder de legislar e de decidir sobre muitos temas que hoje são restritivamente da alçada do Congresso Nacional e da União.
É importante completar que Caiado está levando muito a sério a candidatura dele a presidente da República. Ele diz que já exerceu todos os cargos que quis e que iniciou a carreira política dele disputando a presidência da República quando não tinha condição nenhuma, e que agora que está em outra situação, muito mais vantajosa do que estava em 1989, vai lutar por esse projeto. Num acordo com o União Brasil ele conseguiu algum recurso para fazer essa pré-campanha.
Quais foram os passos concretos dados pelo governador na pré-campanha?
Já decidiu que vai se desincompatibilizar em março de 2026. Em Goiás, em todos os discursos dele, tem dito que está trazendo o vice, Daniel Villela, filho de Maguito Vilela (governador de Goiás entre 1985 e 1988, senador, deputado federal, deputado estadual, era prefeito de Goiânia quando morreu de Covid, em 2021) para entender o governo, porque Daniel vai assumir o governo em março de 2026 e Caiado vai fazer campanha. Neste ano ele vai viajar muito pelo país. Combinou com Bruno Reis, prefeito de Salvador, que vai lançar a candidatura dele a presidente da República na capital baiana, em março próximo.
Ele pode até não conseguir, mas está articulando muito e fez várias reuniões com o pessoal da Faria Lima. O Globo publicou em 1 de dezembro uma entrevista com Caiado em que se ressalta que a vitória de seu candidato, Sandro Mabel, para a prefeitura de Goiânia, contra o concorrente bolsonarista, foi importante para suas pretensões.
No texto, assinado por Eduardo Graça, se afirma que ele foi aplaudido entusiasticamente ao proclamar ter resolvido a questão da segurança pública, e ao mesmo tempo se informa que os assassinatos cometidos por policiais situam o estado na quarta pior posição do ranking nacional (atrás de Bahia, Rio de Janeiro e Pará). E não são punidos, sequer investigados.
Depois que uma pesquisa Genial/Quaest indicou em setembro passado taxa de aprovação de 86% para Caiado em Goiás, Cileide entrevistou o diretor do instituto, Felipe Nunes, que opinou:
“Um governo que combina gestão e comunicação eficientes acaba colhendo frutos políticos; sua candidatura a presidente dá ao povo de Goiás uma sensação de grandeza que ajuda a impulsionar a imagem do governo; a pauta da segurança pública, vitrine do governo, também é o problema mais preocupante da população. É o famoso caso do encontro entre a demanda e a oferta. Deu match!”.
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Polícia violenta é principal bandeira de Caiado. Entrevista com Cileide Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU