10 Janeiro 2025
"A realidade atual apresenta, portanto, um paradoxo: enquanto a tecnologia amplia as possibilidades de comunicação, ela também molda um ambiente de relações efêmeras e imediatistas, características centrais da hiperconectividade e da liquidez", escreve Robson Ribeiro, teólogo, filósofo e professor. Graduado em História, Filosofia e Teologia, é também mestre em Teologia, especialista em Ética e em Inovação e Projetos para a Educação. Leciona Teologia, Ensino Religioso, Filosofia e Projeto de Vida.
Está claro que a geração Z não apenas mudou a forma de comunicar-se, mas também está transformando profundamente o mercado de trabalho. Desde a rejeição a ambientes tóxicos e a constante busca por mudanças de emprego até o entusiasmo por condições simples, como ter sua própria mesa no escritório, esses jovens estão moldando novas tendências. Uma delas é a migração para empregos de colarinho azul, setor que muitos evitavam no passado.
Embora a ideia de que um diploma universitário é o caminho mais seguro para uma vida estável ainda seja amplamente aceita, a geração Z está desafiando essa narrativa. Em meio à expansão tecnológica e ao crescimento de setores como jogos e tecnologia, alguns jovens têm redescoberto o valor dos trabalhos manuais, como encanadores, eletricistas e mecânicos.
Entretanto, a geração Z enfrenta um desafio inquietante: o enfraquecimento de uma habilidade que a humanidade desenvolve há mais de 5.500 anos. Com uma crescente dependência da tecnologia, muitos jovens mostram-se desconfortáveis ao escrever à mão, apresentam caligrafia ruim e, frequentemente, lutam para se comunicar de maneira clara e estruturada. Especialistas atribuem parte desse fenômeno ao impacto das redes sociais e do mundo digital.
A comunicação é uma característica universal entre as espécies, mas a linguagem distingue os humanos de qualquer outro ser. Embora a origem da linguagem permaneça em grande parte um mistério. Alguns linguistas até sugerem que sua história possa remontar a 500.000 anos.
Inicialmente gestual, a linguagem evoluiu para formas faladas e, mais tarde, para a escrita, que começou a registrar a complexidade do pensamento humano há milênios. Entretanto, na era digital, a geração Z parece estar perdendo o domínio dessa forma essencial de comunicação.
As mudanças tecnológicas sempre moldaram o comportamento humano. Assim como os automóveis substituíram as carruagens e as calculadoras relegaram o ábaco ao passado, a escrita tradicional está sendo impactada pela revolução digital. Além disso, a habilidade de estruturar e transmitir ideias complexas em textos está em declínio. O resultado é uma geração que se comunica de forma resumida, evitando frases longas e reduzindo pensamentos a expressões mínimas.
Desde o primeiro sistema de escrita, o cuneiforme - criado há cerca de 5.500 anos -, a escrita evoluiu como um instrumento de preservação do conhecimento e expressão criativa. No entanto, habilidades negligenciadas tendem a se atrofiar. Jovens da geração Z frequentemente relatam desconforto ao escrever à mão, além de dificuldades para elaborar textos com profundidade.
Estudos apontam que essa simplificação na comunicação pode estar associada à influência das redes sociais, onde o espaço e o tempo incentivam mensagens curtas e diretas. Assim, a prática de escrever manualmente, com sua riqueza de nuances, está sendo gradualmente substituída por interações digitais.
Uma pesquisa da Universidade de Stavanger, na Noruega, revelou que apenas um ano focado exclusivamente na escrita digital pode reduzir significativamente a fluência caligráfica. Cerca de 40% dos estudantes apresentaram dificuldades para escrever à mão de forma legível e enfrentaram maior cansaço físico ao utilizar papel.
Embora a geração Z demonstre aptidão para síntese, sua capacidade de desenvolver textos mais elaborados e comunicar ideias complexas está sendo prejudicada. Muitos jovens expressam preocupações sobre essa perda em fóruns como o Reddit, onde relatam frustrações relacionadas ao sistema educacional e à pressão acadêmica.
A promessa de altos salários após anos de estudos universitários nem sempre se concretiza, deixando-os em situações financeiras desafiadoras. Além disso, em países como a China, a escassez de mão de obra tem levado à modernização das condições de trabalho. Para atrair a nova geração de trabalhadores, fábricas passaram a oferecer melhores salários, refeitórios modernos e até creches. Essas iniciativas visam alinhar os ambientes laborais às expectativas dos jovens, mostrando que a modernização e a valorização dos ofícios podem coexistir.
Essa transição reflete não apenas uma busca por estilos de vida mais adequados às necessidades dos jovens, mas também uma revalorização de habilidades práticas e fundamentais, muitas vezes negligenciadas em uma sociedade obcecada por títulos acadêmicos. A geração Z está redefinindo o que significa sucesso, provando que a combinação de paixão, habilidades práticas e condições adequadas pode ser o caminho para uma vida profissional significativa e estável.
Para integrar os debates sobre hiperconectividade de Byung-Chul Han e liquidez de Zygmunt Bauman ao texto, é necessário relacionar esses conceitos às transformações da escrita e às dinâmicas sociais e culturais da contemporaneidade. Aqui está como seria possível:
Sem intervenções concretas, o risco de perder a habilidade de escrita é real e apresenta implicações que vão além do simples ato de comunicar-se. A escrita é, antes de tudo, uma extensão do pensamento humano, permitindo organizar ideias, refletir profundamente e transmitir conhecimento de forma estruturada e duradoura. Contudo, na era da hiperconectividade, como aponta Byung-Chul Han, a aceleração do fluxo de informações e a valorização do desempenho contínuo fragilizam práticas que exigem tempo, concentração e introspecção – características essenciais à escrita reflexiva. A lógica da produção incessante, marcada pela busca por estímulos rápidos e descartáveis, enfraquece a capacidade de sustentar um pensamento profundo e de expressá-lo com clareza e complexidade.
A escrita, além disso, desempenha um papel central na preservação cultural e histórica. Desde os registros cuneiformes até os textos digitais, ela tem sido o principal meio pelo qual civilizações compartilham saberes, narram histórias e constroem identidades coletivas. Porém, na "modernidade líquida" descrita por Zygmunt Bauman, onde tudo é transitório e efêmero, até mesmo as formas de comunicação se tornam voláteis. A superficialidade e a fragmentação características dessa liquidez ameaçam a construção de narrativas mais amplas e duradouras. A perda da escrita como habilidade estruturada reflete essa transição para um mundo onde as conexões são rápidas, mas frequentemente desprovidas de profundidade.
A realidade atual apresenta, portanto, um paradoxo: enquanto a tecnologia amplia as possibilidades de comunicação, ela também molda um ambiente de relações efêmeras e imediatistas, características centrais da hiperconectividade e da liquidez. A dependência excessiva de dispositivos digitais, aliada à cultura da eficiência instantânea, pode resultar em uma geração menos apta a interpretar, questionar e criar. Preservar a escrita, nesse contexto, é resistir ao enfraquecimento das bases que sustentam o pensamento crítico e o sentido de permanência em uma sociedade que valoriza o passageiro.
Ao deixar de lado a prática da escrita manual, a humanidade corre o risco de fragmentar a conexão entre a mente e o papel – um processo que, por milênios, tem servido para organizar a complexidade do mundo e traduzir a experiência humana em formas compreensíveis e compartilháveis. Como ressalta Byung-Chul Han, a perda de espaços contemplativos e da lentidão necessária ao pensamento aprofunda o vazio de sentido promovido por um mundo hiperconectado. Da mesma forma, Bauman alertava que, sem práticas que reforcem a solidez e a durabilidade, nossas formas de expressão estão condenadas a se dissolver no fluxo da liquidez. Preservar a escrita, portanto, é mais do que uma questão técnica ou educativa; é um ato de resistência cultural, essencial para resgatar profundidade, permanência e conexão em tempos de volatilidade.
Sendo assim, reservar tempo para a prática da escrita manual é essencial. Uma abordagem híbrida, que combine o uso de ferramentas digitais e práticas tradicionais, pode ajudar a manter o equilíbrio entre eficiência e profundidade na comunicação. De fato, sem intervenções concretas, o risco de perder a habilidade de escrita é real. A escrita, mais do que um meio de comunicação, é uma ferramenta para pensar, expressar e conectar-se com o mundo. Sua preservação é vital para o futuro da humanidade.
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A perda de espaços contemplativos: a geração Z, a comunicação escrita e o trabalho. Artigo de Robson Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU