20 Dezembro 2024
Vermelho, verde e branco. As cores da capa do livro Étincelles Écosocialistes (Centelhas Ecossocialistas, em tradução livre) – assinada por Juliette Maroni – podem lembrar as cores das árvores de Natal, mas os seus motivos são muito menos convencionais: incrustados em plantas em expansão, os aviões aparecem com as suas asas e estruturas quebradas, desmanteladas, à maneira do quadro Armadilha de avião de jardim de Max Ernst.
Um vislumbre do crescimento do futuro, o das espécies vivas em vez das máquinas poluidoras? Isto seria lógico: neste ensaio ofensivo e alegre, o filósofo e sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy lança as bases do ecossocialismo, que ele descreve não apenas como “um projeto para o futuro e uma utopia radical”, mas também como uma “ação organizada em torno de objetivos e propostas concretas e imediatas”, como fica claro especialmente pelo papel crucial desempenhado pelos ativistas do Sul e os povos indígenas na sua recente popularização. A ponto de torná-lo um verdadeiro projeto de futuro, capaz de suplantar o capitalismo?
A entrevista é de Pablo Maillé, publicada por Usbek & Rica, 13-12-2024. A tradução é do Cepat.
Para você, o ecossocialismo não é apenas “um projeto para o futuro e uma utopia radical”. É também uma “ação organizada em torno de objetivos e propostas concretas e imediatas”. Quais são estas “propostas concretas”?
Antes mesmo de falar em propostas, falaria de ações voltadas para a prevenção de projetos ecocidas. Quando as pessoas procuram bloquear a construção de um novo aeroporto em Notre-Dame-des-Landes, a construção de um novo oleoduto na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, ou mesmo o desmatamento na Amazônia, estão empenhadas em um projeto profundamente político. A Naomi Klein também inventou um termo para isso, a Blockadia, termo que designa as pessoas que colocam seus corpos em risco para impedir projetos de combustíveis fósseis.
Sem serem estritamente ecossocialistas, estas iniciativas vão na direção certa. Em primeiro lugar porque retardam concretamente a nossa corrida louca rumo ao abismo; em segundo lugar, porque nos permitem tomar consciência de quais poderiam ser as alternativas. Aposto que é na experiência destas lutas que surgirão consciências anticapitalistas – e possivelmente ecossocialistas.
O que isso quer dizer?
O ecossocialismo é outro nome para a necessária convergência entre as lutas sociais e as lutas ecológicas. Neste momento, na França, há uma batalha em torno do transporte de mercadorias. Por exemplo: o governo quer desmantelá-lo, o que levaria a centenas de milhares de caminhões a mais às estradas e, portanto, a um desastre sanitário, humano e ecológico. Existe uma dupla resistência: a dos trabalhadores ferroviários, por um lado, e a dos ambientalistas, por outro. Esta convergência é muito importante, porque mostra que no movimento sindical, parte do movimento sindical começa a tomar consciência das questões ecológicas das suas lutas; e que, vice-versa, os ecologistas comecem a tomar consciência das questões ecológicas das lutas sindicais.
Voltando à sua pergunta, o ecossocialismo baseia-se, de fato, em propostas realistas, que estão ao nosso alcance. Entre elas, citaria especialmente o desenvolvimento do transporte urbano gratuito, uma medida que vai na direção certa, tanto social como ecologicamente, porque representa uma redução drástica do número de automóveis e, portanto, das emissões. Haveria também a redução da jornada de trabalho, o abandono dos sistemas de dívida, a defesa da saúde pública... Numa escala mais ampla, um governo também pode comprometer-se a não abrir mais novos poços de petróleo ou pontos de extração de carvão, como fez o governo colombiano. recentemente.
Deste ponto de vista, o voto e as eleições são muito importantes: sabíamos que Kamala Harris não iria implementar o ecossocialismo mas, se ela tivesse sido eleita, isso teria pelo menos impedido algumas políticas ecocidas que serão implementadas por Donald Trump.
O economista Bernard Friot fala em ilhas “já comunistas” para designar alguns sistemas de solidariedade estabelecidos “apesar” do capitalismo, como a Seguridade Social. Também já existem “ecossocialistas” na nossa sociedade?
Para o ecossocialismo, prefiro falar de sementes! O transporte público gratuito é um projeto ecossocialista muito bom, por exemplo, mas a sua implementação diz respeito apenas a algumas cidades de vanguarda; infelizmente, não está institucionalizado no caminho da Seguridade Social. Da mesma forma, no Brasil, quando o Movimento Sem Terra (formado em 1978 durante a ditadura militar, com o objetivo de democratizar o acesso à terra, nota do editor) desenvolve cooperativas rurais e orgânicas, podemos dizer que é um germe do ecossocialismo. Mas não devemos ter a ilusão de que é acumulando estas sementes que um dia acordaremos pacificamente vivendo no ecossocialismo!
Para dar o salto qualitativo que o ecossocialismo precisa, será necessário um confronto de classe e sociopolítico, ou seja, um processo revolucionário. Isso não é algo que acontecerá de forma gradual ou silenciosa. Será necessária uma transformação radical.
Outro exemplo que você apresenta no livro é a publicidade. Para você, “é o tipo de consumo atual, baseado em falsas necessidades, que deve ser colocado em xeque”.
Mais uma vez, devemos começar com coisas concretas e imediatas que podemos ganhar. Tomemos outro exemplo do Brasil, meu país de origem: em 2007, a cidade de São Paulo proibiu qualquer exibição de publicidade nas ruas. Mesmo assim, ainda não saímos do capitalismo, mas a grande maioria dos moradores está muito feliz! Devemos lutar para eliminar a publicidade não só nos espaços públicos mas também em todos os outros espaços, porque representa um desperdício monstruoso de energia, mão de obra e matérias-primas, tudo pago pelos consumidores, uma vez que esses encargos estão incluídos nos preços dos bens! Tudo isso são milhões e milhões de euros que poderiam ser mobilizados para algo completamente diferente.
Uma primeira medida para minar esta neurose consumista seria, portanto, acabar com a publicidade... mas isso não seria suficiente! E por uma boa razão, ao lado da publicidade existe toda a cultura do capitalismo, que induz o consumo a exibir bens que oferecem um certo status – carros, joias, roupas da moda, o que quer que seja. Devemos nos livrar desta cultura ostensiva e avançar para um modelo de consumo baseado em necessidades reais. Aqui tocamos o cerne do ecossocialismo, que implica em planejar a produção e o consumo com base em dois critérios: o respeito pelos equilíbrios ecológicos e ambientais, por um lado; por outro lado, a satisfação de necessidades sociais reais.
Justamente, como podemos definir essas “necessidades sociais reais”? O exemplo do carro é interessante: assim como está, ele não só oferece “um certo status”, mas também permite que milhões de pessoas circulem livremente e cheguem ao trabalho para ganhar a vida, não?
Existem necessidades que poderiam ser descritas como “bíblicas”: a alimentação, a moradia, a saúde e a educação. Uma vez dito isto, temos de refinar o quadro. Para mim, não cabe aos políticos decidir quais são as “reais necessidades” das pessoas, mas às próprias pessoas!
Assim como está, o objeto automóvel é ambivalente: por um lado, tem uma determinada utilidade, individual, familiar ou profissional; por outro, é um verdadeiro incômodo público, não só em termos de emissões, mas também de acidentes, de saúde... O que precisamos, na minha opinião, é criar condições para que as pessoas tenham menos necessidade do carro. Para isso, devemos reforçar as redes de transporte público, fortalecer as pequenas linhas ferroviárias que estão sendo eliminadas, promover a cultura de andar de bicicleta, etc. Estes objetivos estão longe de ser inatingíveis e devemos continuar a travar a batalha cultural para convencer o maior número possível de pessoas.
Aconteça o que acontecer, tudo isto deve ser decidido democraticamente. Não podemos fazer como o filósofo Charles Fourier, que teve uma ideia muito precisa do ambiente de vida de todos com seu projeto maluco do falanstério! O que podemos fazer é simplesmente apresentar algumas ideias, especialmente a nível institucional.
Isto supõe reconhecer que a gestão democrática funciona com o princípio da subsidiariedade: tudo o que podemos decidir a nível local, devemos decidir a nível local, a nível do bairro, do hospital, da escola, da empresa, da cidade. Depois passamos para o nível regional, o nível do Estado, talvez um dia ao nível continental, etc. Entre os dois, podemos ter assembleias. E a nível regional ou do Estado, devemos combinar a representação dos eleitos e o voto direto, com algum tipo de referendo, por exemplo, sobre questões importantes como a energia nuclear, que dizem respeito a toda a população.
Você também defende uma aliança entre ecossocialistas e defensores do decrescimento, apesar da diferença de natureza entre essas duas doutrinas. Quais são essas diferenças e como podem ser conciliadas?
Em primeiro lugar, devemos aceitar que a transição ecossocialista implica um decrescimento substancial, ou seja, uma redução drástica da produção, especialmente dos objetos inúteis de que falávamos anteriormente. Mas o decrescimento como tal não é um programa alternativo ao capitalismo. É uma necessidade, não um projeto de sociedade. Não basta dizer que devemos decrescer; é preciso explicar por que passa esse decrescimento, como, quem decide, etc. O decrescimento por si só não é suficiente, deve ser ecossocialista.
Mesmo dentro do movimento do decrescimento encontramos correntes muito diversas, nem sempre concordantes entre si. Algumas pessoas pensam que o decrescimento é compatível com o capitalismo, o que na minha opinião é um beco sem saída. Mas também existem pensadores que compreendem todo o sentido do projeto ecossocialista, como Serge Latouche, que durante muito tempo se recusou a falar sobre capitalismo ou socialismo alegando que o problema era antes a “modernidade cartesiana”, antes de eventualmente evoluir nas suas recentes publicações... a ponto de agora se autodenominar um defensor do ecossocialismo. Esta é uma evolução positiva, que mostra que as alianças são sempre possíveis.
É também por esta razão que há alguns meses sugeri aos defensores do decrescimento – Bengi Akbulut, Sabrina Fernandes e Giorgos Kallis – para escrever um texto a muitas mãos, Pour une décroissence écosocialiste (Por um decrescimento ecossocialista). Tratava-se de estabelecer esta convergência entre os defensores do decrescimento, que reconhecem a necessidade de uma alternativa ao capitalismo, e os ecossocialistas, que aceitam a necessidade do decrescimento. Esta convergência está, portanto, acontecendo, mesmo que não agrade necessariamente a todos.
Para você, o destino da humanidade é atualmente comparável ao do Titanic, exceto que, desta vez, todos estamos conscientes do iceberg que está à nossa frente; e não há “nenhuma garantia” de que o futuro será ecossocialista. Neste contexto, como podemos manter a esperança?
Devemos aceitar a ideia de que a ciência não nos garante a vitória social, ao contrário do que acreditávamos no passado. Nenhuma lei da história ou da economia garante que avançaremos em direção ao ecossocialismo. Esta é uma aposta no sentido pascaliano do termo: “é para o incerto que se trabalha”.
É preciso concordar em se comprometer completamente, durante toda a vida, com um objetivo, sem nenhuma garantia de sucesso. É difícil, mas o futuro da espécie humana depende destas batalhas. Este é um enorme desafio, fundamental, que exige total comprometimento das pessoas que tomaram consciência disso. Gosto sempre de citar esta frase de Bertolt Brecht: “Quem luta, pode perder, mas quem não luta, já perdeu”.
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“O decrescimento por si só não é suficiente; deve ser ecossocialista”. Entrevista com Michael Löwy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU