12 Dezembro 2024
Carlos Pedrós-Alió é pesquisador do Centro Nacional de Biotecnologia (CSIC, Madrid) e o seu interesse científico se concentra na diversidade e ecologia dos microrganismos aquáticos. Em seu último livro, Biodiversidad: ¿Con cuántos seres vivos compartimos la Tierra? (CSIC-Catarata), o autor relata “a aventura humana, da qual muitas pessoas participaram ao longo da história, para nomear e classificar todos os seres vivos que compartilham a Terra conosco”. Uma tarefa titânica que nos permite compreender melhor o mundo em que vivemos e nos torna conscientes da nossa própria fragilidade como espécie.
A entrevista é de Victoria González, publicada por Público-El Asombrario, 10-12-2024. A tradução é do Cepat.
Um dos objetivos do livro é explicar por que existem tantos seres vivos e por que é tão difícil estudar todos eles. Você pode nos antecipar algo?
Em uma conferência, o cientista Robert May disse uma frase que ficou gravada em mim: “Temos um catálogo de todos os corpos celestes que os nossos instrumentos conseguem detectar no Universo, mas não sabemos com quantos seres vivos compartilhamos a Terra”. É fantástico, não é? Ele disse isto nos anos 1990, mas 30 anos se passaram e seguimos igual.
Então, ainda não sabemos quantos seres vivos há no planeta?
Muitas estimativas foram feitas, mas são muito diferentes umas das outras. Uma muito recente considera que existem cerca de oito milhões e meio de espécies de animais e plantas. Isso sem levar em conta os microrganismos, que são os mais abundantes e diversos.
Com as bactérias, entende-se que as dificuldades são muitas. Em primeiro lugar, para descrever uma espécie temos que isolá-la em uma cultura, mas o problema é que, na natureza, as bactérias vivem misturadas com outras com as quais também trocam substâncias. Então, em muitos casos não é possível ou não temos conhecimento suficiente para recriar essas condições que permitem que a bactéria cresça em uma cultura isolada.
Em geral, quanto menor for um organismo, mais difícil será estudá-lo. Por isso, no tocante aos microrganismos, a nossa ignorância é imensa.
Então, como abordamos a questão de quantas espécies de microrganismos existem?
Existem duas estimativas, feitas de forma independente, que indicam que haveria um trilhão de espécies de bactérias. É para colocar as mãos na cabeça!
Algumas dessas abordagens se baseiam no tamanho: existe uma lei da macroecologia que diz que quanto maior é o organismo, menos espécies existem. Por exemplo, existem poucas espécies de animais do tamanho de um elefante ou de uma baleia. A partir daí, é possível fazer extrapolações para fornecer um cálculo aproximado.
Suponho que com animais e plantas a coisa é mais fácil...
Também é muito complexo, e foi isso que me fascinou. Há alguns anos, li que um botânico, Octavio Arango, acabava de descrever uma nova espécie de bejeque, das plantas endêmicas das Ilhas Canárias. Ele a havia descoberto na península de Anaga (Tenerife), que é um lugar movimentadíssimo, onde todos os habitantes de Santa Cruz vão passear, correr, fazer piquenique... Como é possível que alguém possa descrever uma nova espécie em um lugar assim?
Pedi para o acompanhar em outra de suas expedições a Canárias, concretamente para La Palma, e lá passamos uma semana procurando espécies. Percebi como é difícil: à primeira vista, todas são muito parecidas. Além disso, é preciso esperar que floresçam, pois sem flores ou frutos não dá para descrevê-las. Existe também o problema da acessibilidade, porque muitas estão em barrancos onde não tem como entrar. E tudo isto nas Ilhas Canárias, um local relativamente bem conhecido. Imagine quantos barrancos ou lugares inacessíveis há na Mongólia, ou na Austrália, ou em tantos outros lugares do mundo. Por isso, é realmente difícil descrever todas as espécies.
E também temos o problema de esclarecer o que é uma espécie, não é? A descrição mais clássica que todos aprendemos na escola, que diz que “dois indivíduos são da mesma espécie se em seu cruzamento obtêm descendência fértil”, é difícil de aplicar, não é? Existe uma definição mais adequada?
Devemos ter em mente que a evolução é um processo dinâmico, como um filme em que as espécies vão se formando pouco a pouco. O que fazemos é cortar um fotograma, e dentro desse fotograma desejamos definir as coisas de uma forma rígida. E, claro, não é possível, porque nesse instantâneo algumas espécies estão começando a se separar e justamente neste momento não está nada claro se são ou não distintas. Dentro de dois milhões de anos, serão espécies diferentes, mas não estaremos aqui para defini-las.
No exemplo usual, o do burro e da égua que acasalam e têm uma mula, a descendência é estéril. Mas há espécies de patos, por exemplo, que cruzam e, sim, obtêm descendência fértil, e o mesmo acontece com muitas plantas. O que acontece é que não possuem tempo suficiente de separação. Mas, em todo caso, o ponto chave é o nível de troca genética entre indivíduos. Se entre duas populações a troca é fácil, o mais provável é que sejam da mesma espécie.
Claro, muitas vezes, pensamos apenas nas extinções, mas hoje em dia também ocorrem processos de especiação. Você pode me dar algum exemplo de novas espécies que sabemos que estão se formando nesse momento?
Sim, temos o famoso caso dos tentilhões de Darwin. Essas aves estão nas Ilhas Galápagos há cerca de dois milhões de anos. Calcula-se que lá chegaram cerca de 30 ou 40 tentilhões, e como cada ilha tem condições diferentes (mais secas, mais úmidas, vegetação diferente, altitude...), começaram a se diferenciar uns dos outros.
Atualmente, estima-se que existem cerca de 15 ou 16 espécies de tentilhões nas Galápagos, mas faz tão pouco tempo que se separaram – dois milhões de anos é bem pouco em termos evolutivos –, que ainda conseguem se hibridizar e obter descendência fértil.
Há um caso muito curioso, que é o de um filhote da espécie de tentilhão Geospiza fortis que cresceu perto do ninho de outra espécie (Geospiza magnirostris) que tem um canto muito forte, o equivalente a um Plácido Domingo na ópera. Assim, este filhote, em vez de aprender o canto de seus pais, imitou o da espécie G. magnirostris e, em consequência, acasalou com uma fêmea desta espécie. Estes híbridos são férteis, pois as duas espécies se separaram há pouco tempo, e embora seja um acontecimento que se dá com uma frequência muito baixa, aponta-nos que a troca genética ainda é possível.
Isto acontece a nível macroscópico. Suponho que se voltarmos ao pequeno, a coisa fica interessantíssima. Você é justamente especializado em microbiologia. O que considera mais fascinante nesta disciplina, ao estudar o menor dentro da vida?
Vixe! Não sei... tudo! Em parte, trata-se de estudar a nós mesmos. Lynn Margulis, uma bióloga muito famosa, dizia que não somos animais, mas uma comunidade microbiana ambulante. Temos bactérias na pele, no intestino, na boca, por todas as partes. São responsáveis pela nossa correta digestão, por alguns neurotransmissores que afetam o cérebro, inclusive, pela nossa atração sexual, já que está ligada ao nosso odor corporal. Ou seja, no fundo, influenciam até se flertamos e com quem. É muito forte!
Todo este mundo, há 30 ou 40 anos, era totalmente desconhecido, mas nas últimas décadas estão ocorrendo descobertas revolucionárias. E este conhecimento nos torna mais conscientes do mundo em que vivemos e da nossa importância relativa.
Além disso, sempre pensamos nas poucas espécies de bactérias que nos provocam doenças, não é? E agora vemos que dependemos dos microrganismos para viver….
Certamente. Por exemplo, em um mililitro de água do mar, que cabe de sobra em uma colher de chá, há um milhão de bactérias e vários milhares de algas. As bactérias e algas fotossintéticas do mar são responsáveis pela produção da metade do oxigênio que há no mundo, com tudo o que isto implica. Quando você olha o mar do litoral, parece um deserto, mas, no entanto, ali estão acontecendo coisas importantíssimas para o clima do planeta e para muitos processos que nos afetam. E se devem inteiramente a microrganismos.
Isso responderia à pergunta (que você chama de “impertinente”): para que serve a biodiversidade?
Há um aspecto obviamente prático, que são os serviços que os ecossistemas e os seres vivos nos proporcionam. Existem dois fundamentais: ar e água limpos, porque sem isso morreríamos em seguida. E se estão limpos é porque a biota, os seres vivos em seu conjunto, o purificam. E esse é um serviço que não tem preço, não podemos abrir mão dele.
Outro serviço tem a ver com o nosso bem-estar psíquico, não é? Cada vez são publicados mais estudos que mostram a relação entre os ambientes naturais e a saúde mental, concorda?
Sim, é inquestionável que o verde nos faz ficar mais à vontade do que o cimento. Contudo, o que mais me surpreende é que alguns estudos comparam os benefícios entre estar em um jardim – que é um sistema artificial e com um número limitado de espécies – com visitar um parque natural, no qual a natureza fez o que quis.
E a diferença é significativa, porque caminhar em um parque natural é muito mais benéfico para a saúde mental. Então, mesmo nesse aspecto ignoramos muitas coisas sobre como a nossa mente funciona.
Falando em mente, você diz que está interessado na “biologia da espiritualidade”. O que este conceito quer dizer?
A espiritualidade, embora normalmente esteja associada à religião, é um componente que está presente em todas as culturas humanas. Talvez nem todas, mas há muitas pessoas inclinadas a esses temas espirituais que não sabemos muito bem em que consistem.
Então, o raciocínio é que se todos ou quase todos nós a temos, é porque em nossos genes há algo que nos predispõe a isso. Que genes são esses? Como nos predispõem? Qual é a função dessa espiritualidade? É por aí que vai a questão.
De fato, a conservação da biodiversidade também tem um componente mais transcendental que vai além de ser útil ou de nos proporcionar os benefícios sobre os quais falamos antes. Você considera que temos um compromisso ético com a preservação da vida?
Absolutamente, esse é o principal motivo. Já foi dito muitas vezes que não somos proprietários do planeta, somos seus inquilinos. Temos que deixar a Terra em um estado se possível melhor, mas nunca pior de como a encontramos para os próximos inquilinos - nossos filhos, nossos netos...
No livro, há também uma frase que gostei muito: “Nomear bem os seres vivos permite ler o ambiente e aprender sobre como ele funciona. Se um ser vivo não foi nomeado e descrito, é invisível para nós.” Este também é um bom motivo para estudar a biodiversidade e continuar descrevendo espécies, não é?
Sim, o aspecto de ler o ambiente é algo que me parece muito prazeroso. Se pelo campo, em vez de ver apenas árvores e ervas, você vai reconhecendo o castanheiro, o pinheiro-manso, e isso indica para você como é o clima, que tipo de fauna pode viver ali... tudo isso permite ver com muito mais detalhes o mundo em que você está.
Às vezes, tenho a impressão de que avançamos pela vida como entre a bruma, porque desconhecemos quase tudo. Conhecer os seres vivos que temos ao redor nos permite fixar e ser mais conscientes de onde estamos.
Foi isso que o levou a escrever o livro?
Sim, nós, seres humanos, gostamos de descrever e nomear a realidade que nos envolve, sabendo o que temos ao redor. E para mim isso parece uma tendência muito humana e muito importante. No livro, eu quis falar sobre isso e traçar um percurso para ver como a ciência da biologia foi mudando do século XVII até o atual. Tudo isso nos permitiu conhecer o mundo em que vivemos de uma forma muito mais detalhada e bonita.
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Com quantos seres vivos compartilhamos a Terra? Entrevista com Carlos Pedrós-Alió - Instituto Humanitas Unisinos - IHU