10 Dezembro 2024
Reitora diz que órgão é “dívida” da universidade. Grupo irá organizar e disponibilizar registros relativos a violações de direitos humanos na universidade durante a ditadura.
A reportagem é de Tiago Medina, publicada por Matinal, 09-12-2024.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) vai instituir, nesta terça-feira, a Comissão da Memória e da Verdade “Enrique Serra Padrós”. O grupo, que será constituído por nove integrantes, terá por objetivo reunir, organizar e disponibilizar registros relativos às violações dos direitos humanos ocorridos na universidade a partir de 1964, quando se iniciou a ditadura militar, até 1988, três anos após o fim do regime autoritário.
A comissão, que funcionará em um espaço físico próprio vinculado à reitoria, terá dois anos para apresentar um relatório final e contará com um site para disponibilizar os documentos digitalizados. O cronograma dos trabalhos será apresentado após um planejamento inicial dos integrantes.
Reitora da UFRGS, Márcia Barbosa afirmou que a criação do novo órgão era uma dívida que a universidade tinha – segundo ela, discussões, propostas e incentivos para a instauração ocorrem há alguns anos. “Agora, com o estabelecimento desta comissão, vamos resgatar esse processo e realizar todo um levantamento de quem são essas pessoas que foram perseguidas e expurgadas e recolocar a importância que todas elas tiveram para a universidade”, comentou.
“Não se recupera a vida dessas pessoas, mas traz uma resposta a alguns deles que ainda estão vivos, que são poucos, e para as famílias”, observou a reitora. “Essa perseguição foi injusta e equivocada e essa comissão vai fazer esse levantamento”, acrescentou Barbosa, que concluiu: “É também um resgate histórico. Nosso país não soube trabalhar adequadamente com o momento da ditadura. Quase a gente não comenta mais sobre esse assunto. Fazer levantamentos históricos, resgate da vida das pessoas, da perseguição, é importante inclusive num ambiente educacional como a UFRGS, no sentido de educar essa nova geração”.
De acordo com o vice-reitor da UFRGS, Pedro Costa, a instalação de uma comissão atende uma demanda de diversas representações, como sindicatos e coletivos. Outras universidades públicas, tanto federais como estaduais, já haviam criado as suas comissões de verdade, conforme o professor. “Fizeram apurações de desaparecimentos, algumas propuseram a cassação de títulos e honrarias concedidos a ditadores durante o período do regime militar”, comentou o professor, ele mesmo um integrante de um coletivo de docentes, “Memória e Luta”, que organiza ações e atividades sobre o período.
A criação de uma Comissão da Verdade também atende a uma recomendação do Ministério Público Federal, feita em janeiro de 2022, período em que a universidade estava sob a gestão de Carlos Bulhões. No mesmo processo, a UFRGS foi instada a cassar ou revogar a concessão dos títulos de professor honoris causa a Arthur Costa e Silva e doutor honoris causa a Emílio Médici, dois dos ditadores que o Brasil teve. A revogação ocorreu ainda em 2022, mas a comissão da verdade não saiu do papel na gestão anterior.
Durante a ditadura, a UFRGS teve dois processos de expurgos, em que foram aposentados compulsoriamente ou expulsos quase 40 professores, além de estudantes e técnicos. A universidade dispõe de uma página especial sobre os expurgos. Desde 2019, no campus central, há o Memorial dos Expurgos.
O nome da Comissão de Memória e Verdade homenageia o professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS, Enrique Serra Padrós, falecido em 2021. Também ativista dos direitos humanos, ele dedicou sua trajetória acadêmica à pesquisa sobre regimes autoritários na América Latina.
Conforme a universidade, farão parte da Comissão: Roberta Camineiro Baggio, professora da Faculdade de Direito e coordenadora-geral; Lorena Holzmann, professora aposentada do Departamento de Sociologia do IFCH e vice-coordenadora; Carla Simone Rodeghero, professora do Departamento de História do IFCH; Cristina Carvalho, professora aposentada da Escola de Administração; Dóris Bittencourt Almeida, professora da Faculdade de Educação; Frederico Bartz, técnico administrativo da Faculdade de Arquitetura; Letícia Wickert Fernandes, graduanda do curso de Arquivologia da Fabico; Maria Conceição Lopes Fontoura, técnica administrativa da Faculdade de Educação; e Regina Célia Lima Xavier, professora do Departamento de História do IFCH. Os trabalhos contarão com apoio de dois bolsistas.
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UFRGS cria Comissão da Verdade e vai disponibilizar registros de abusos da ditadura militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU