22 Novembro 2024
"Cristo é o coração do mundo e a missão da Igreja é levar o mundo a sério", escreve Roberto Mela, padre dehoniano, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimana News, 19-11-2024.
HJ Nouwen (1932-1996) foi um dos maiores autores espirituais do século XX. Lecionou em prestigiosas universidades americanas e finalmente se dedicou aos deficientes mentais em uma comunidade próxima a Toronto, no Canadá.
Em março de 1998 viveu a Semana Santa e o Tríduo Pascal na Holanda, Manitoba. Instado por sua amiga Pauline Vanier, ele se propõe a escrever algo sobre o Sagrado Coração. Ele confessa: "Mas algo mudou em mim. Não queria mais escrever sobre o coração de Jesus. No meu coração comecei a perceber um desejo genuíno de falar ao coração de Jesus e de ser ouvido”.
Ele não pretendia mais escrever uma interpretação contemporânea da devoção ao Sagrado Coração, “mas deixar que o coração de Jesus toque profundamente o meu coração e seja curado por essa experiência” (p. 11-12). Ele orou e escreveu, escreveu e orou, ao mesmo tempo.
Esta quarta edição italiana vem com um Apêndice editado por Roberto Laurita.
Livro "De coração para coração", de Henri Nouwen (Editora Queriniana, 2024).
Vivenciando o Tríduo Sagrado, Nouwen contempla primeiro Jesus lavando os pés dos discípulos e compartilhando com eles seu corpo e sangue.
A Sexta-Feira Santa vê Jesus sendo espancado, coroado de espinhos e pregado na cruz. Quando contempla Jesus aparecendo aos discípulos mostrando-lhes as feridas das mãos, dos pés e do lado, "eu sabia que tinha chegado o momento de rezar e de deixar que as minhas feridas se tornassem uma só com as feridas do meu Senhor crucificado e ressuscitado" (p. 12).
Assim, três longas orações dirigidas diretamente a Jesus nascem do fundo do coração na contemplação. São reflexões-orações profundamente evocativas do amor de Deus manifestado em Jesus no seu mais alto grau.
Na primeira oração, o autor concentra-se no convite feito por Jesus para ir até ele para experimentar o descanso. Jesus é o acolhimento absoluto, em particular para os pobres e os doentes, todos aqueles que são afligidos pelo peso da vida. Jesus é solidário com eles, nada mais deseja do que dar o seu amor que brota de um coração humano e divino, manso e humilde.
Nouwen percebe o amor de Jesus que lava os pés e dá o corpo e pede para poder confiar-lhe seus sentimentos sombrios, orgulho, ganância, ganância. No pão oferecido ele vê Jesus oferecendo-se totalmente, satisfazendo todos os desejos de intimidade, de unidade. O coração humano e divino fala, olha, toca, dá alimento. Atinge todos os sentidos do corpo e os abraça como uma mãe ou um pai faz com seu filho.
A segunda oração concentra-se no momento de transfixação do lado.
É a abertura do coração, o momento que exalta ao máximo a doação de Jesus, a sua solidariedade com os oprimidos e torturados, os vilipendiados e os marginalizados. Sangue e água fluem do seu lado. Sangue e água que dão vida divina, através dos sacramentos do batismo e da Eucaristia.
O coração partido é o fundamento da esperança, da solidariedade redentora. “Seu coração partido é a fonte da minha salvação, o fundamento da minha esperança, a causa do meu amor. É o lugar sagrado onde tudo o que já foi, é e será é mantido em unidade. Aqui se sofreu todo o sofrimento, se viveu toda a angústia, se suportou toda a solidão, se encontrou todo o abandono e se gritou toda a agonia” (p. 36).
A água do lado traz consigo a do paraíso inicial, a água da libertação do Mar Vermelho, a da entrada na Terra da Promessa, a água do batismo no Jordão, a de Caná que se tornou vinho, a água do água curativa de Betzatà, água de vida filial que nos torna filhos de Deus.
"Seu coração partido se torna o coração de toda a humanidade, o coração do mundo inteiro", Nouwen reza e escreve. "Que angústia! Que agonia! Você carrega todos eles: crianças abandonadas, esposas e maridos rejeitados, famílias desfeitas, sem-teto, refugiados, prisioneiros, aleijados e torturados, e milhares – ou melhor, milhões – que não são amados, esquecidos e deixados sozinhos para morrer! […] Ó Senhor da misericórdia, o teu coração está partido por causa de todo o amor que não foi dado nem recebido" (p. 38).
Ajude-me a compreender este grande mistério, ore a Nouwen. E minhas mãos estão limpas de sangue? O coração de Jesus não contém ressentimento, vingança ou ódio, mas apenas amor, gratidão e paz.
O sangue e a água que fluem do coração proporcionam perdão e vida nova. Que nossos corações sejam um – continua a oração –. Eu te louvo, eu te dou graças. "Eu sei que neste mundo a água e o sangue nunca serão separados. Haverá paz e angústia, alegria e lágrimas, amor e dor. Eles estarão sempre lá – juntos – me aproximando cada dia mais de você que entrega seu coração ao meu coração” (p. 44-45).
A terceira oração surge da contemplação do Ressuscitado que mostra as feridas das mãos, do lado e dos pés aos discípulos no Cenáculo.
O Ressuscitado encontra os discípulos e os leva consigo. Jesus tem um coração humano e divino. Suas feridas são levadas em Deus, na vida definitiva. "Agora entendo que, mesmo que lutemos neste mundo, já somos um com você, pois você intercede por nós junto ao seu Pai", escreve Nouwen. "Onde está o seu coração, aí estamos nós também, filhos do seu Pai celestial. No teu coração estamos para sempre escondidos e presentes a Deus. O teu coração é a nossa pátria permanente, o nosso lugar de descanso, o nosso refúgio e a nossa esperança" (p. 52).
O autor convida-nos a não ter ciúmes da experiência dos discípulos com o Ressuscitado. Jesus é hoje muito tangível nos irmãos mais pequenos e sofredores, nos famintos, nos sedentos, nos nus, nos prisioneiros, nos sozinhos, nos angustiados, nos moribundos: "eles estão todos ao meu redor e me mostram o teu coração partido. Vejo você toda vez que caminho pela rua", reza Nouwen, […eu] vejo você toda vez que deixo meus olhos verem o sofrimento de todos aqueles com quem convivo dia após dia. Você está tão perto, mais perto do que eu jamais imaginei antes de olhar para o seu lado perfurado [...] Você está onde eu ando e onde me sento, onde descanso e onde como, onde trabalho e onde me divirto. Você nunca está longe de mim [...]. Seu coração partido e o coração partido do mundo são um só. Cada vez que supero o medo das minhas próprias feridas e das feridas das pessoas ao meu redor, e ouso tocá-las com gentileza, alegria e paz, elas vêm até mim de maneiras que nunca sonhei” (p. 55-57).
"Bem-aventurados aqueles que não viram e acreditaram", diz o Ressuscitado a Tomé. "Aqui, Senhor, está o mistério do teu amor. Eu não vi você, mas realmente vejo você toda vez que olho para os corpos despedaçados de outros seres humanos. Não te ouvi, mas ouço-te verdadeiramente cada vez que ouço os gritos proferidos por homens, mulheres e crianças na sua dor” (p. 57).
Às densas orações de Nouwen segue-se um breve apêndice editado por Roberto Laurita, liturgista, catequista, pároco e professor de Pordenone (“Quando o olhar se fixa no Coração”, p. 65-84).
O autor traça um breve histórico da devoção ao Sagrado Coração e sugere elementos para sua atualização. Antecipa os tons e as palavras usadas pelo Papa Francisco na sua encíclica Dilexit nos publicada um dia antes da escrita destas minhas notas. Talvez ele já conhecesse o conteúdo...
O mundo não tem um centro – observa Laurita – e pelo contrário tem uma imensa necessidade de um. E o centro é o Coração de Jesus que ama, perdoa e é solidário com os aflitos de toda espécie. Jesus tem um coração humano e divino que nos convida a acolher a possibilidade de nos tornarmos filhos de Deus, respeitando a nossa liberdade. Responder que sim lhe trará um grande “consolo”.
Cristo é o coração do mundo e a missão da Igreja é levar o mundo a sério.
(Na p. 68 leia Jo 19,33-34 e não Jo 16,33-34).
Henri Nouwen, De Coração a Coração. Orações ao Sagrado Coração de Jesus, Quarta edição, com novo Apêndice (Meditações 137), Queriniana, Brescia, 4. ed. 2024 (1998), p. 96.
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Coração de Jesus: orações. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU