25 Outubro 2024
A reportagem é de Hernán Reyes Alcaide, publicada por Religión Digital, 24-10-2024.
"Voltar ao coração" para a construção de "um mundo justo, solidário e fraterno". Este é o apelo central feito pelo Papa Francisco em sua quarta encíclica, Dilexit Nos (Amou-nos), na qual o pontífice retoma a tradição e a atualidade do pensamento sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo com um convite a renovar sua autêntica devoção para não esquecer a ternura da fé, a alegria de se colocar a serviço e o fervor da missão diante de um contexto marcado pelo materialismo extremo, o "mundo líquido" que Zygmunt Bauman já descreveu, as guerras que se espalham e os temores cada vez mais bem fundados da irrupção da Inteligência Artificial.
Abrindo com uma breve introdução e dividida em cinco capítulos, a Encíclica sobre o culto do Sagrado Coração de Jesus reúne, como anunciado em junho, "as preciosas reflexões de textos magisteriais anteriores e de uma longa história que remonta às Sagradas Escrituras, para propor hoje, a toda a Igreja, este culto carregado de beleza espiritual".
"O Coração de Jesus nos impele a amar e nos envia aos nossos irmãos e irmãs", diz Jorge Bergoglio na carta divulgada nesta quinta-feira, com a qual propõe um novo aprofundamento do amor de Cristo representado em seu santo Coração e nos convida a renovar nossa autêntica devoção, lembrando que no Coração de Cristo "encontramos todo o Evangelho" (89): é no seu Coração que "que finalmente nos reconhecemos e aprendemos a amar" (30). O cenário nada encorajador que Francisco descreve é uma sociedade que vê "várias formas de religiosidade sem referência a uma relação pessoal com um Deus de amor" (87), enquanto o cristianismo muitas vezes esquece "a ternura da fé, a alegria do serviço, o fervor da missão pessoa a pessoa" (88).
Mas em meio a essas realidades, Francisco é categórico ao nos alertar que "o mundo pode mudar a partir do coração" e que esta deve ser a bússola para "aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo justo, solidário e fraterno".
Ao longo de um texto em que o jesuíta recordado Diego Fares foi um colaborador central do primeiro capítulo, como o próprio Papa deixa explícito, Francisco explica que, ao encontrar o amor de Cristo, "tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum", como ele nos convida a fazer em suas encíclicas sociais Laudato si' e Fratelli tutti (217). E diante do Coração de Cristo, pede ao Senhor que "tenha compaixão desta terra ferida" e derrame sobre ela "os tesouros da sua luz e do seu amor", para que o mundo "que sobrevive entre guerras, desequilíbrios socioeconômicos, consumismo e o uso anti-humano da tecnologia, recupere o que é mais importante e necessário: o coração" (31).
Ao longo dos capítulos, as afirmações do Papa são apoiadas pela filosofia de Heidegger e pelas memórias, entre outras, de São João Paulo II, Teresa de Lisieux, Inácio de Loyola e Faustina Kowalska.
"Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a fonte e a raiz de todas as suas outras potências, convicções, paixões e escolhas" (9), Bergoglio enquadra, antes de nos alertar que o mundo de hoje "carece de coração".
Estamos passando por um momento em que, segundo o texto, "o algoritmo que atua no mundo digital mostra que os nossos pensamentos e as decisões da nossa vontade são muito mais 'standard' do que pensávamos. São facilmente previsíveis e manipuláveis. Não é o caso do coração" (14).
Essa é uma das razões pelas quais, Francisco nos diz, "assistindo a sucessivas novas guerras, com a cumplicidade, a tolerância ou a indiferença de outros Países, ou com simples lutas de poder em torno de interesses de parte, podemos pensar que a sociedade mundial está a perder o seu coração. Basta olhar e ouvir – nos diferentes lados do confronto – as idosas que são prisioneiras destes conflitos devastadores".
Com esta nova encíclica, Francisco dedica, por exemplo, um dos capítulos, o segundo, aos gestos e palavras de amor de Cristo, enquanto no terceiro recorda como a Igreja reflete e refletiu no passado "sobre o santo mistério do Coração do Senhor" e deixa os dois últimos para os dois aspectos que "a devoção ao Sagrado Coração deve reunir hoje para continuar a alimentar-nos e a aproximar-nos do Evangelho: a experiência espiritual pessoal e o compromisso comunitário e missionário" (91).
"Na era da inteligência artificial, não podemos esquecer que a poesia e o amor são necessários para salvar o humano. O que nenhum algoritmo conseguirá abarcar é, por exemplo, aquele momento de infância que se recorda com ternura e que continua a acontecer em todos os cantos do planeta" (20), argumenta ao mesmo tempo, para descrever um tempo em que, diz ele, "enfrentamos um forte avanço da secularização que visa um mundo livre de Deus" (87).
As críticas ao consumismo que o papa marcou desde o início de seu pontificado vêm à tona em algumas passagens explícitas, como quando denuncia que "hoje tudo se compra e se paga, e parece que o próprio sentido da dignidade depende das coisas que se podem obter com o poder do dinheiro. Somos instigados a acumular, a consumir e a distrairmo-nos, aprisionados por um sistema degradante que não nos permite olhar para além das nossas necessidades imediatas e mesquinhas" (218).
No texto, o Papa também olha para dentro e sustenta que o coração e o amor de Jesus é algo que todos nós precisamos para caminhar em direção a esse mundo de fraternidade. Ele escreve: "A Igreja também precisa dele, para não substituir o amor de Cristo por estruturas ultrapassadas, obsessões de outros tempos, adoração da própria mentalidade, fanatismos de todo o género que acabam por ocupar o lugar daquele amor gratuito de Deus que liberta, vivifica, alegra o coração e alimenta as comunidades" (219).
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Em sua nova encíclica, Francisco pede para “voltar ao coração” para construir “um mundo justo, solidário e fraterno” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU