21 Novembro 2024
Muitas consomem pílulas anticoncepcionais antes de migrar para evitar possíveis gravidezes ou ingerem medicamentos para provocar sangramento vaginal diante do risco de sofrerem abusos durante o êxodo.
A reportagem é de Alejandra Mateo Fano, publicada por El Salto, 19-11-2024.
Viviana Ponce (nome fictício para preservar seu anonimato), de 38 anos, trabalhava como vendedora ambulante em La Lima, município do departamento de Cortés, no noroeste de Honduras. Todas as manhãs, para sustentar sua família, saía para trabalhar com um carrinho de mão vendendo burritos e baleadas na rua. Ela vivia com seus três filhos de quatro, sete e 18 anos na casa que ela mesma construiu junto com seu pai e irmãos anos antes e que, com tempo e paciência, conseguiu transformar em um lar. Junto a eles, viviam também no quintal externo seus cachorros, patos e galinhas poedeiras, cujos ovos eram vendidos no mercado local. No dia 4 de novembro de 2020, às 17h, Viviana e seus vizinhos começaram a perceber, assustados, como o volume do rio Chamelecón aumentava de forma descontrolada. Uma hora depois, devido aos fortes ventos, a margem do rio rompeu, ele transbordou, e inundações torrenciais sacudiram violentamente toda a comunidade, mudando para sempre, da noite para o dia, a vida de milhares de hondurenhos. Nesse mesmo dia, o governo local declarou estado de emergência e decretou alerta vermelho em todo o país.
Assim se manifestou o furacão Eta, de categoria 5, em Honduras, com ventos de até 260 km/h. Seus efeitos foram especialmente devastadores em comunidades empobrecidas como a de Viviana, onde há poucos recursos para enfrentar adversidades climáticas. Junto ao furacão Iota, que ocorreu duas semanas e meia depois, ambos deixaram pelo menos 94 mortos e quase quatro milhões de afetados em todo o país, segundo dados da Anistia Internacional. Os vizinhos da Guatemala e Nicarágua também sofreram com o segundo furacão mais mortal depois do Mitch, de 1998. No entanto, Honduras, onde antes da catástrofe 60% da população já vivia em pobreza, foi o país mais afetado. Após as enchentes, sofreu um atraso de vários anos em relação aos países vizinhos, de acordo com o Fórum Social da Dívida Externa e Desenvolvimento de Honduras (Fodesh).
O que se seguiu às vastas inundações foi caos e desespero pela sobrevivência: Viviana, sem tempo de assimilar o ocorrido, caminhou com água pelos joelhos carregando seus pequenos em meio à histeria coletiva. Ela lembra, angustiada, como "a água levava portões, camas, janelas, árvores...". Estradas, pontes, plantações, fábricas, redes elétricas, casas e todo tipo de infraestrutura urbana foram destruídas, deixando a população completamente isolada. Em poucos minutos, Viviana e sua família perderam a casa e tudo o que haviam construído com paciência ao longo dos anos.
Por esse motivo, foram obrigadas a migrar temporariamente para outro lugar distante de sua comunidade: "Passamos de uma vida boa e feliz, mesmo sem grandes confortos, para ficarmos só com a roupa do corpo e termos que recomeçar do zero", relata ao El Salto. Conseguiram abrigo em uma escola convertida em albergue, onde viveram por quase dois meses. Lá, Viviana explica que "havia muita gente e, durante os primeiros dias, passamos fome, pois não chegavam suprimentos de comida, já que o prédio estava praticamente isolado".
Hoje, Viviana é uma das milhares de pessoas que foram obrigadas a se deslocar por conta dos efeitos cada vez mais frequentes e devastadores das mudanças climáticas. No direito internacional, essas pessoas são chamadas de refugiadas climáticas, ou seja, aquelas que, devido a problemas relacionados ao meio ambiente, se mudam para outras cidades ou regiões. A cada ano, segundo a ACNUR, mais de 20 milhões de pessoas são forçadas a abandonar seus lares devido à intensidade e frequência crescentes de fenômenos meteorológicos extremos. Em 2023, desastres relacionados ao clima causaram mais da metade dos novos deslocamentos registrados, somando 26,4 milhões de pessoas deslocadas por eventos climáticos extremos.
Honduras é um exemplo paradigmático dos efeitos das catástrofes climáticas no Sul Global e de como esses fenômenos impactam diretamente o modo de vida das populações. O país apresenta alta dependência da agricultura, setor ao qual boa parte de sua população se dedica. Por isso, as consequências das mudanças climáticas são frequentemente devastadoras, especialmente quando os habitantes enfrentam enchentes ou secas. A perda de renda e trabalho, assim como a escassez de alimentos para subsistência e venda, são comuns. Segundo um relatório da Greenpeace, enchentes foram responsáveis por seis de cada dez deslocamentos forçados por motivos climáticos, seguidas por tempestades, secas, deslizamentos de terra e, por último, temperaturas extremas.
Embora as consequências da crise ecológica afetem em maior ou menor medida todos os indivíduos do planeta, os países empobrecidos sofrem com mais intensidade todos os seus efeitos. Portanto, parece que as migrações climáticas, de fato, entendem de classe. Essa é a leitura feita pelo biólogo e professor Vicente Serrano, que afirma, em conversa com este meio, que "os países com menor capacidade econômica têm menor resiliência para superar os impactos das mudanças climáticas".
Essa situação é denominada pelo CEAR como "paradoxo climático", ou seja, aqueles que mais sofrem com as consequências da crise ecológica são os que menos contribuíram para provocá-la. Nesse sentido, é importante destacar o papel dos países com maiores índices de consumo, comumente classificados como “desenvolvidos”, na aceleração das mudanças climáticas devido à sua elevada pegada de carbono, à emissão descontrolada de gases de efeito estufa e à poluição do meio ambiente natural. "Estamos alterando os equilíbrios presentes na natureza, e isso nos afeta porque dependemos diariamente do meio ambiente. Ele nos fornece os recursos necessários para sobrevivermos como espécie", adverte o biólogo.
O componente de classe também explica uma das características próprias das migrações climáticas. Apesar do mito de que, nesses êxodos, atravessam-se países inteiros, a verdade é que a maior parte dessas migrações são internas, e isso está diretamente relacionado à falta de recursos. As populações mais precárias mal dispõem de meios para arcar com os custos de um deslocamento em maior escala. Assim, no caso de eventos repentinos, os deslocamentos internacionais costumam ser descartados. Viviana afirma categoricamente: "Não me faltaram vontade de sair do país, mas, sem trabalho nem recursos, com meu pai idoso e doente e a carga de cuidar dos meus filhos, foi impossível". Seu desejo de migrar no futuro para um lugar que ofereça melhores oportunidades e condições de vida para ela e seus filhos não se desfez com o passar do tempo.
Alessandro Forina, antropólogo especializado em refugiados e gênero, ressalta a este meio que "em casos de terremotos, furacões e fenômenos similares, os elementos de classe têm grande importância, já que não é o mesmo dispor de formas de proteção contra desastres naturais, como casas mais resistentes ou recursos para migrar, do que não tê-los". Por esse motivo, muitas vezes, a pessoa migrante tende a deslocar-se por curtas distâncias, sem afastar-se muito de seu local de origem: em Honduras e El Salvador, vivem hoje mais de 318 mil deslocados internos.
Para falar dos deslocamentos por motivos ligados à crise ecológica, devemos referir-nos a essa realidade no feminino. As desigualdades de gênero fazem com que as mulheres, especialmente aquelas com menos recursos, sejam mais vulneráveis diante das catástrofes. A desigualdade de gênero limita seus recursos para reduzir os riscos de qualquer desastre, e as consequências de realizar um processo migratório são frequentemente especialmente árduas. Para elas, deslocar-se representa um perigo adicional e um risco permanente de sofrer abusos sexuais e outras múltiplas formas de violência, como o tráfico para fins de exploração sexual, tal como alerta Forina.
A isso se somam a falta de serviços básicos de saúde sexual e reprodutiva, educação e cuidado durante o período de trânsito e nas comunidades de acolhimento. No ano em que ocorreram as migrações climáticas derivadas do furacão Eta, a BBC informou que, nas áreas mais pobres de Honduras, houve numerosos casos de assédio sexual e discriminação durante os períodos menstruais em abrigos e centros de acolhimento para migrantes. Algumas mulheres recordaram com medo como outros residentes as espionavam enquanto tentavam se lavar, a ausência de materiais de higiene menstrual durante seus ciclos e os comentários sexualizantes durante sua estadia nesses espaços. Em geral, as agressões costumam ocorrer enquanto dormem, se lavam, tomam banho ou se vestem em abrigos, tendas de campanha ou acampamentos de emergência, conforme relatado recentemente pela ONU.
As rotas de deslocamento desertas ou altamente militarizadas, bem como a falta de presença institucional, tornam mulheres, adolescentes e meninas vulneráveis ao tráfico de pessoas para exploração sexual e à violência, segundo o ACNUR. A Organização das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) estabelece que, em muitos casos, a violência sexual é utilizada como meio de demonstração de poder por parte dos agressores. "A violência sexual também pode ser usada como forma de coagir outros migrantes que são forçados a presenciar a violação de seus companheiros de viagem. Em algumas ocasiões, utiliza-se a tecnologia para perpetuar a vitimização e o estigma por meio da difusão de material que contém essa violência sexual entre a comunidade da vítima", estabelece um estudo dessa organização.
Frequentemente, durante o trânsito e a estadia em abrigos, ocorrem gravidezes indesejadas e abortos que podem ser difíceis de enfrentar enquanto se está em movimento. A UNODC indica que, em consequência dessas gravidezes resultantes de agressões sexuais, as mulheres apresentam graves patologias físicas (além de traumas severos) e precisam interromper a gestação em países onde correm o risco de serem presas, já que essa prática continua sendo ilegal. Muitos abortos e partos acontecem em condições médicas insalubres, o que, por sua vez, resulta em múltiplas complicações. Mesmo nos raros casos em que conseguem acesso a recursos médicos, algumas mulheres os recusam por medo de ficarem para trás durante a jornada. Assim, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) conclui que "a desigualdade de gênero é um problema generalizado que amplifica o risco e a vulnerabilidade de mulheres e meninas diante de fenômenos meteorológicos extremos".
Para evitar a violência sexual, especialmente em Honduras, muitas mulheres ingerem pílulas para provocar sangramentos vaginais (dando a impressão de estarem menstruadas), além de anticoncepcionais antes das viagens para evitar possíveis gravidezes, algo que Viviana relata ter presenciado em mais de uma ocasião.
Apesar de se exporem a maiores riscos do que os homens durante os períodos migratórios, estima-se que 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas sejam mulheres, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Forina refere-se a esse fenômeno como uma "feminização" das migrações, destacando que cada vez mais mulheres estão migrando, muitas vezes sozinhas e acompanhadas de seus filhos, já que assumem, na maioria dos casos, as responsabilidades de cuidado de crianças e idosos. "Elas são protagonistas do fenômeno migratório e, na maioria dos casos, assumem o papel de provedoras da família e até mesmo o cuidado de todos os membros, mesmo estando longe", aponta um relatório da OIM.
Essa foi a realidade de Claudia Hernández, de 36 anos, também natural de La Lima e mãe de três filhos pequenos. Sua jornada até a zona residencial de Bosques de Jucutuma, em San Pedro Sula, foi extremamente difícil, pois, na época, estava cuidando das crianças. Sua situação se agravou um mês após as inundações, quando seu filho precisou passar por uma cirurgia de emergência de apendicite enquanto estavam abrigados em um local temporário muito precário: "Minha preocupação era não ter onde acomodar meu filho recém-operado". Nessas circunstâncias, a ansiedade pela perda da casa e a fome somam-se à responsabilidade de prover como a única adulta responsável pelos filhos, gerando estresse e insegurança.
Forina destaca que "muitas vezes, o fato de serem elas a carregar a responsabilidade dos cuidados familiares faz com que sejam as últimas a partir, tornando seu deslocamento ainda mais difícil". Assim como Viviana, Claudia trabalhava como vendedora ambulante de comida preparada e, quando o desastre ocorreu, perdeu tudo o que possuía para seu sustento diário: "Perdi meus insumos para trabalhar, a comida que vendia e todos os utensílios, não consegui recuperar nada". Ela conta que ficou três dias isolada em sua comunidade, abrigada em uma casa de dois andares, até que um amigo de seu marido conseguiu resgatá-los de barco quando a tragédia se agravou.
Após o desastre e depois de vários meses longe de sua comunidade, a maior parte dos habitantes de La Lima retornou à cidade para recomeçar do zero. Dado que as casas e os comércios sofreram inúmeros danos materiais, o governo estadual inicialmente comprometeu-se a auxiliar os moradores com bônus econômicos de 7.000 lempiras (cerca de 250 euros), mas essa promessa nunca se concretizou. A maioria das comunidades afetadas pelo temporal foi abandonada à própria sorte pelas instituições locais e estaduais: "Ainda não entendemos por que o governo ajuda algumas comunidades e não outras que são as mais desfavorecidas, como a nossa", declara.
Apesar da dureza das circunstâncias, destaca-se a extraordinária importância da solidariedade popular na comunidade, essencial para superar os estragos do furacão. "Foi um momento de muito apoio mútuo entre as que estávamos ali, o que faltava para uma, a vizinha fornecia", relata. As redes de ajuda coletiva, sustentadas principalmente por mulheres, substituíram a ausência de ação governamental para ajudar os hondurenhos das comunidades mais afetadas pelas enchentes. Além disso, o esforço conjunto de associações, organizações não governamentais e ativistas foi essencial para manter as pessoas de pé nos momentos mais difíceis da catástrofe. A iniciativa Operação Eta, formada por mais de 25 organizações de jovens hondurenhos, desempenhou um papel crucial na ajuda humanitária. Algumas dessas organizações incluíram Voces de Esperanza, Catrín, Operação Frijol, Abrazos de Plata e El Milenio Honduras, entre outras.
Nos últimos anos, a juventude hondurenha, no país mais afetado pelas mudanças climáticas, tem tomado consciência da crise ecológica. Isabella Boquín, ativista climática e uma das principais referências na luta por justiça ambiental no país, reconhece que existem atualmente diversos movimentos em prol do clima e da justiça social, a maioria liderados por jovens: "É uma luta que está crescendo em todo o país, e é incrível como a juventude está se levantando para exigir uma mudança tão necessária em Honduras", declara emocionada.
O furacão marcou um divisor de águas na consciência cidadã na América Latina. Boquín ressalta que, após o ocorrido, "vidas foram perdidas, casas foram destruídas, e foi algo muito intenso e doloroso, mas isso também abriu nossos olhos". A população está percebendo que, com o passar dos anos, não apenas os dias estão mais quentes, mas também os desastres naturais e os deslocamentos de pessoas estão se tornando mais frequentes. "A maior frequência de catástrofes ambientais está promovendo uma conversa sobre mudanças climáticas", ela avalia.
Os efeitos da crise climática não fazem senão acelerar, atingindo cada vez com mais intensidade as regiões mais vulneráveis do planeta. Por isso, Serrano insiste na importância de refletir e debater coletivamente sobre o modelo de produção dos países do Norte global: "O que pode acontecer nos próximos anos depende, sobretudo, das decisões que tomarmos e de como agirmos como espécie". O biólogo critica a sociedade como um todo, destacando que "começamos a nos preocupar quando percebemos que isso gera perdas econômicas. Só então os governos e empresas demonstram interesse em reverter essa situação". Ele propõe abandonar a tendência do "verde" como estratégia de greenwashing e "questionar a base estrutural do problema, encontrada nos modelos de produção atuais. O sistema está exaurindo recursos naturais, e isso exige repensar de onde extraímos os recursos, quanto extraímos e quais tipos de energia utilizamos".
Enquanto ocorre a 29ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP29) em Baku, no Azerbaijão, a OIM anunciou que seu pavilhão sobre Mudança Climática e Mobilidade Humana permitirá ouvir relatos de resiliência de migrantes climáticos, o que pode ajudar a conscientizar sobre uma questão que já faz parte de nossa realidade presente e futura. Uma das demandas históricas dessa organização é a implementação de ações concretas para abordar os impactos das mudanças climáticas sobre a migração.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As migrações climáticas: o êxodo invisível das mulheres na América Central - Instituto Humanitas Unisinos - IHU