07 Novembro 2024
“Os episódios cada vez mais frequentes de violência nas escolas pareceriam dar razão àqueles que gostariam de restaurar a severidade que existia antes de 1968, mas não é tão simples”. O psicanalista milanês Massimo Recalcati, 64 anos, falou no Festival Social Comunidades Educativas, na Gallerie d'Italia, em Turim, definindo “como loucura o pensamento nostálgico, porque, em primeiro lugar, a escola e a família antes de 1968 não funcionavam. O pai decidia por todos e a escola prolongava esse modelo fora de casa, extinguindo todo pensamento crítico e fantasia. O movimento de 1968 deu o direito de falar às mulheres e aos jovens, contudo não somos cegos e sabemos que o bebê foi jogado fora junto com a água do banho, de forma que agora é uma questão de reequilibrar, mas sem idealizar o passado”.
A reportagem é de Francesco Rigatelli, publicada por La Stampa, 05-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Até porque, explica Recalcati, “restaurar a autoridade é impossível, mas precisamos repensá-la”. A resposta curta é aquela reacionária que invoca Deus, pátria e família, como em todos os fundamentalismos.
"O Ocidente, por outro lado, tem a tarefa de preencher a autoridade de uma nova maneira, sem retroceder. Mas como posso me fazer ouvir se meu papel simbólico como professor não é mais suficiente? É preciso recomeçar pela palavra, pelo interesse, pelo desafio ao smartphone para mostrar com nossa própria ação cotidiana, com uma semeadura a longo prazo, que essa vida pode ser vivida com desejo”.
O psicanalista desafia os profetas do niilismo: “Não é que se não existe mais uma ideia do futuro, então falta o desejo. É exatamente o contrário. Quando um filho é vacinado com o poder do desejo, costumava dizer Pasolini, então o futuro se abre para ele. Caso contrário, todos nós nos acomodamos em um niilismo indistinto. Para os jovens, para a geração Covid que não existe, oferecemos psicólogos, antidepressivos, viagra, mas, em vez disso, é preciso lhes dar a troca geracional, responsabilidade, não o lamento de Cassandra”.
Estimulado pelas perguntas do vice-diretor do La Stampa Gianni Armand Pilon, que lembra o ex-assessor e professor Fiorenzo Alfieri, crítico da redução dos padrões escolares para atingir as camadas populares, Recalcati esclarece que “um país é julgado pela forma como trata a escola, e o nosso a trata mal. Houve tentativas de reforma, mas, de fato, a profissão de professor desfruta de pouco prestígio. Estamos vivendo uma proletarização e uma desconsideração por essa profissão, como acontece com os atendentes de saúde. Dito isso, devo dizer que eu faria uma seleção meritocrática para remover aqueles professores indecentes que também meus filhos tiveram. Um certo conservadorismo, mesmo nos sindicatos, teria de ser enfrentado. E quando o governo Renzi estava no poder, perdeu-se a oportunidade de uma reforma que envolvesse os professores com alguns padrões gerais”.
Pelo mesmo motivo, o psicanalista diz que é a favor do voto de conduta: “Ele é apoiado pelo ministro Valditara, que não desfruta de minha estima ou admiração particular, mas é correto. O respeito deve ter um valor. Um pensamento de direita? Não, claro que não. É o suficiente para considerar Valditara esclarecido? Não mesmo. Um prefeito que se preocupa com a segurança é de direita? Também não, por exemplo, em Milão há um problema enorme com Sala, em quem votei e que não assume completamente a responsabilidade por esse problema. Se você vir o exército nas ruas, isso é militarização? Não, apenas segurança. No entanto, meritocracia e segurança ainda são tabus para parte da esquerda”.
Fala-se de escola e não se pode deixar de tocar no tema do bullying. De acordo com Recalcati, “perdemos de vista a diferença entre o senso da lei e o respeito às regras. Todos nós invocamos o segundo, mas sem o primeiro não funciona. Multiplicamos as regras porque não há o senso da lei, ou seja, do limite, do não tudo: não se pode fazer ou ser tudo. Desde avançar o sinal vermelho em diante. O bullying se espalha apesar das regras porque não há senso da lei nas famílias e instituições. E também aqui não se pode usar um bastão para trazê-lo de volta, mas um incentivo. A violência, não apenas nas guerras, mas em geral, tomou o lugar da palavra. Onde há violência, há sempre um enfraquecimento da palavra, da política e da democracia. A escola deveria impor a lei da palavra e a renúncia à violência. A democracia não é por acaso o luto do um, ela é feita de passagens contínuas pelo discurso dos outros, é esforço”.
Recalcati também argumenta sobre o papel do professor: No filme Parthenope, de Sorrentino, que gostei muito, o professor interpretado por Silvio Orlando, quando perguntado sobre o que é antropologia, responde com o verbo ‘ver’. Mas para ver é preciso luz. O pré-requisito de todo conhecimento é a luz, que esquecemos quando falamos de escola como sendo uma empresa. A autoridade de um professor não depende do exercício de um poder, mas de sua capacidade de esclarecer. O outro significado da escola é acender o desejo, acender fogos ou o fogo do desejo. Não se trata de distribuir noções, mas de colocar a vida em movimento, de torná-la viva. Podemos elogiar um professor quando sua ação não se limita a transmitir conhecimento, mas coloca a vida em movimento”. Mas como a vida de nossos filhos, pergunta-se o psicanalista, pode adquirir uma forma, uma formação singular? “Acontece quando o desejo se torna um dever, superando a tradicional separação do prazer. E se tentássemos pensar que o verdadeiro dever seria viver de forma coerente com o nosso desejo”.
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Massimo Recalcati: “A violência não pode ser curada com o bastão. O que falta é o senso da lei” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU