31 Outubro 2024
Quando os católicos falam sobre "eleitores de uma questão", ninguém precisa explicar qual é essa questão.
A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 29-10-2024.
A oposição à legalização do aborto é a questão "preeminente" da Igreja, de acordo com a conferência episcopal americana. Foi o que moveu o voto católico de um bloco solidamente democrata durante grande parte do século XX para a afinidade com o GOP [como é conhecido nos EUA o Partido Republicano], que cortejou eleitores religiosos antiaborto desde a década de 1980.
Agora, o chamado "voto católico" está dividido igualmente, refletindo o eleitorado como um todo. E embora o aborto ainda seja citado como um motivador, está claro que outras questões estão em jogo para os eleitores católicos, especialmente após a decisão da Suprema Corte que anulou o caso Roe v. Wade em 2022.
Em uma pesquisa recente com eleitores católicos em sete estados-pêndulo, o aborto e os direitos reprodutivos ficaram em oitavo lugar em uma lista de questões importantes nesta eleição — depois da economia, imigração, assistência médica e impostos, mas também depois de moradia acessível, controle de armas e outros.
Apenas 37% dos entrevistados em geral disseram que o aborto e os direitos reprodutivos estavam entre as questões importantes que estavam considerando nesta eleição. Quando perguntados se havia uma questão "quebra-negócio" que fosse tão importante que eles não votariam em um candidato que não se alinhasse com suas visões, apenas 17% citaram o aborto ou os direitos reprodutivos.
A maioria também disse que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos.
A pesquisa, conduzida pelo National Catholic Reporter, entrevistou 1.172 eleitores católicos no Arizona, Geórgia, Michigan, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin de 3 a 8 de outubro. A margem geral de erro é de mais ou menos 2,86%.
Dada a forma como as perguntas foram formuladas, os entrevistados que selecionaram "aborto/direitos reprodutivos" poderiam estar em qualquer um dos lados dessa questão. Em outra série de perguntas, a pesquisa descobriu que os eleitores católicos disseram que eram mais propensos a apoiar seu candidato preferido por razões que vão contra os ensinamentos da Igreja, sejam as opiniões de Harris sobre direitos reprodutivos, sejam as políticas anti-imigração de Trump.
No entanto, 87% dos entrevistados disseram que sua identidade católica era muito ou um pouco importante para eles. Isso significa que todos os católicos se tornaram "católicos de cafeteria", que escolhem quais ensinamentos seguir? A fé católica de um eleitor importa mesmo nas urnas?
"Não é correto dizer que ser católico não importa", disse Luis Fraga, professor de ciência política e de liderança latina transformadora na Universidade de Notre Dame, onde também dirige o Instituto de Estudos Latinos. "Se eles ainda se identificam como católicos, isso tem que significar alguma coisa", ele disse. "Mas ser católico não significa a mesma coisa para todos que se identificam como católicos".
Fraga acredita que os eleitores católicos levam sua fé a sério, mas também precisam conciliar suas crenças religiosas e os ensinamentos católicos com suas outras visões e valores quando se trata de tomar decisões de voto. "No âmbito político, onde há muitas questões diferentes a serem consideradas, ser católico exige fazer alguns julgamentos complexos, equilibrando suas visões religiosas com sua ideologia e visões partidárias", diz Fraga.
O resultado é que não há mais um "voto católico" unificado, uma realidade especialmente evidente ao longo de linhas raciais. Na pesquisa do National Catholic Reporter, os católicos brancos favoreceram Trump por 16 pontos percentuais, enquanto quase 7 de cada 10 católicos hispânicos e mais de 3/4 dos católicos negros apoiaram Harris.
Anthea Butler, professora da Universidade da Pensilvânia e comentarista da MSNBC, acredita que "políticas de identidade branca" estão em ação ao analisar o voto católico — especialmente o voto católico branco.
"Eles estão assumindo uma identidade política mais do que uma identidade católica", disse Butler, que está envolvido na divulgação católica para a campanha de Harris. "As pessoas sempre querem culpar o aborto. Eu acho que os católicos brancos se importam com o aborto. Mas acho que eles se importam mais com questões raciais e outras questões".
Parte da discrepância racial também pode ser explicada pela mudança em quem se identifica como católico, diz EJ Dionne, colunista político do The Washington Post e professor da Universidade de Georgetown.
"Acho que parte do declínio no voto democrata entre os católicos brancos é explicado pelo fato de que muitos jovens que foram criados como católicos e são progressistas não se identificam mais com a Igreja", disse Dionne por e-mail ao National Catholic Reporter. "Eles não aparecem como 'católicos' nas pesquisas porque não se dizem mais católicos".
A pesquisa do National Catholic Reporter descobriu que os católicos de cor eram mais propensos a acreditar que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos. Mas mesmo entre os católicos brancos, a maioria (55%) era a favor do aborto legal. Um número menor, 51% no geral, se considerava "pró-vida".
"Estamos aprendendo algo que já vem ficando claro há muito tempo: o eleitorado católico se parece muito com o restante do eleitorado", disse Steven Millies, professor de teologia pública na Catholic Theological Union em Chicago, onde também dirige o Bernardin Center. "Republicanos católicos são republicanos, e democratas católicos são democratas", acrescentou.
Uma estratégia política que prioriza o aborto acima de todas as outras questões contribuiu para a polarização na Igreja e no país, disse Millies. A pesquisa do National Catholic Reporter "confirma o dano que causou à Igreja como uma comunidade eclesial".
"A política do aborto nos privou da linguagem moral séria que a ética consistente tenta nos dar", disse Millies, que escreveu recentemente um livro sobre a ética consistente da vida, que conecta todas as questões relacionadas à dignidade humana. Chamar o aborto de "preeminente" deixa qualquer outra ameaça à vida humana agrupada como "outras questões, sem nome", explicou o autor. Isso não afetou apenas como os católicos votam, mas mudou as visões sobre o ativismo católico e a autoridade episcopal.
Outra tendência observada de perto tem sido uma ligeira mudança no voto latino em direção ao Partido Republicano. Fraga disse que é importante notar o contexto do apoio democrata contínuo de eleitores latinos e afro-americanos. "Uma esmagadora maioria de latinos ainda apoia o candidato democrata na corrida presidencial", disse Fraga. "É só que é uma esmagadora maioria menor".
Dionne também observou que, entre os hispânicos dos EUA, os católicos são consideravelmente mais democratas do que aqueles que se identificam como protestantes ou evangélicos.
A suposição tem sido que os eleitores latinos que estão se movendo em direção ao GOP estão fazendo isso por questões de guerra cultural, como o aborto. No entanto, a pesquisa realizada descobriu que os católicos hispânicos eram mais progressistas do que os católicos brancos em direitos ao aborto, questões LGBTQ e justiça racial. Eles eram ligeiramente menos propensos do que os católicos brancos a se identificarem como pró-vida e mais propensos a incluir outras questões de justiça nessa designação.
Pesquisas anteriores descobriram que a maioria dos católicos latinos se opõe ao aborto legalizado. "No entanto, isso não significa que é por isso que eles votam da maneira que votam", diz Fraga, de Notre Dame. "É uma questão separada. Eles têm maior oposição ao aborto, mas isso não é necessariamente determinante para seu voto".
Esta eleição também revelou uma lacuna de gênero recorde, com mulheres favorecendo Harris e homens optando por Trump. Embora a lacuna geral de gênero na pesquisa do National Catholic Reporter tenha sido pequena, ela foi mais significativa entre latinos e afro-americanos.
Em todas as categorias raciais, as mulheres eram menos propensas a se identificar como pró-vida do que os homens, e eram mais propensas a dizer que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos. Assim como os entrevistados mais jovens, de 18 a 25 anos. Essa faixa etária também foi para Harris, por sete pontos.
Isso surpreendeu J. Miles Coleman, da University of Virginia. Sua observação, como católico, é que os católicos mais jovens tendem a ser mais conservadores e têm visões mais populistas.
"Especialmente para os eleitores da Geração Z, do lado republicano, eles nunca conheceram ninguém além de Trump como chefe do partido", ele disse. "Ele foi o indicado republicano nas últimas três eleições".
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EUA. Católicos, aborto e eleição: é complicado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU