22 Outubro 2024
Em meados de outubro, o Papa Francisco recebeu a irmã Jeannine Gramick, cofundadora do New Ways Ministry, e um grupo de católicos transgêneros, intersexuais e simpatizantes para uma audiência de 80 minutos em sua residência particular. Na audiência, os participantes deram os seus testemunho pessoais ao papa.
O testemunho de hoje é de Michael Sennett, homem transgênero e estudante de pós-graduação em teologia, que está envolvido com o ministério da igreja há muitos anos e é um colaborador regular do Bondings 2.0, publicado por New Ways Ministry, 19-10-2024.
O convite para descobrir o Divino em nossas vidas me forneceu uma base para a fé e me permite ver minhas experiências de fé na infância através de uma nova lente. Ver o sagrado em minha história me ajuda a entender melhor meu relacionamento com Deus — Ele sempre esteve comigo e permanecerá ao meu lado.
Enquanto crescia, as pessoas me descreviam como uma moleca — eu não tinha a linguagem para comunicar que era de fato um menino. Minha família nunca me forçou a me encaixar em um molde. Eles me amavam incondicionalmente.
Em 2004, minha turma estava se preparando para a Primeira Comunhão. Esperando na fila no dia da Primeira Reconciliação, eu inocentemente disse ao catequista meu desejo de usar um terno. Sua reação severa me surpreendeu. Ela disse que as meninas só podiam usar vestidos e que usar roupas de menino machucaria Jesus. Ela avisou o padre sobre nossa conversa. No confessionário, o padre gritou comigo: "Seus pecados são muito ruins! Você não receberá a Comunhão se fingir ser um menino!" Ele me disse que Deus não me reconheceria em roupas de menino. Ele disse que eu iria para o inferno se morresse com roupas de menino. Chorei porque estava convencido de que Deus me odiava. Eu tinha apenas 8 anos.
Ocasionalmente, na missa, os padres pregavam contra as pessoas LGBTQ+. Embora eu ainda não conseguisse expressar, no fundo eu sabia que eles estavam falando sobre mim. O medo de ser indigno acabou me alcançando. Parei de ir à missa na sexta série. A puberdade não foi simplesmente estranha; as mudanças corporais que ela trouxe foram mental e fisicamente angustiantes.
Na 8ª série, me deparei com o termo transgênero e, de repente, dei um clique: era eu. Essa percepção me aterrorizou e fiz tudo o que pude para negar meu verdadeiro eu. Mascarar-me veio ao custo da depressão e da ansiedade. Cortar-me tornou-se meu método de lidar com a dor, causando mais tensão no meu corpo.
Durante o 1º ano do ensino médio, cheguei ao fundo do poço e tentei o suicídio. Passei meu aniversário de 17 anos na ala psiquiátrica. Foi um dos pontos mais baixos da minha vida, mas também marcou o início da minha cura. Uma enfermeira católica e lésbica compartilhou sua história comigo e abriu meus olhos. Talvez não fosse impossível ser eu mesmo.
Quando saí do hospital, fui me confessar. Eu estava nervoso enquanto pedia perdão por ser transgênero. A resposta do padre foi vivificante. Ele disse: "Ser trans não é pecado. Você não precisa se arrepender de quem Deus o criou para ser. Negar quem você é, essa seria a tragédia".
Cerca de um ano depois, tomei minha primeira dose de testosterona. Minha rotina semanal quando tomo testosterona começa com um exame e termina com uma oração de gratidão a Deus pela bênção da terapia de reposição hormonal. Três anos depois, fiz uma mastectomia dupla, para ter um peito achatado. Esta operação foi um ato radical de autocuidado. Recebi uma histerectomia no ano seguinte.
Ao longo de minha jornada de transição médica, me conectei com duas histórias do Evangelho: A Ressurreição de Lázaro e O Batismo de Jesus. Como Lázaro, Jesus me chamou para fora do túmulo, ajudando-me a curar meu corpo e abraçá-lo. As partes de mim que foram constrangidas agora estão livres para viver plenamente.
E assim como a identidade de Jesus foi afirmada no Batismo, minha identidade é afirmada por meio de cuidados de afirmação de gênero. A cada passo, sinto a voz de Deus me chamando: "Tu és meu filho amado, em quem me comprazo". Hormônios e cirurgias não são apenas transformações físicas. São afirmações sagradas de quem eu sou aos olhos de Deus. Eu não interferi no plano de Deus para a criação. Eu simplesmente me tornei mais plenamente a pessoa que Deus me criou para ser.
Atualmente, além de começar a trabalhar em uma paróquia, estou estudando Pastoral na Fordham University. Meu objetivo é apoiar pessoas LGBTQ de fé por meio de encontros e diálogos. Eu acredito em cuidar da pessoa como um todo. Minha jornada me ensinou que viver autenticamente me aproximará de Deus. Deus me ama como Ele me fez maravilhosamente.
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"Assim como a identidade de Jesus foi afirmada no Batismo, minha identidade é afirmada por meio de cuidados de afirmação de gênero", diz católico transgênero em audiência com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU