Não há espaços de preferência ao lado de Jesus. Comentário de Ana M. Casarotti

19 Outubro 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 10,35-45 que corresponde ao 29° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: "Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir".
Ele perguntou: "O que quereis que eu vos faça?"
Eles responderam: "Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!"
Jesus então lhes disse: "Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?"
Eles responderam: "Podemos".
E ele lhes disse: "Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado, mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado".
Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João.
Jesus os chamou e disse: "Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos".

Tiago e João são dois irmãos, jovens que seguem Jesus desde o momento em que o conheceram. Juntos com o grupo que se formou ao redor de Jesus, eles também ouvem e acolhem seus ensinamentos, tentam aceitar o que ele disse sobre o Reino, o que significa segui-lo e os compromissos que traz ser seu discípulo. Relembramos alguns desses momentos e ensinamentos sobre os quais meditamos nos últimos meses.

Em primeiro lugar, lembramos que o Evangelho de Marcos, possivelmente escrito em Roma, é o primeiro Evangelho e, portanto, também é considerado um texto no qual se apoiam os Evangelhos de Mateus e Lucas. Sua redação é simples, e descreve Jesus como um peregrino que dialoga com as diferentes realidades que encontra no seu caminho apresentando-nos os hábitos junto com as reações das pessoas na escuta do seu ensino. A pergunta fundamental que perpassa este Evangelho é: quem é Jesus de Nazaré?

No escrito apresenta-se a Boa Nova, que é Jesus, o Filho de Deus e o Messias esperado. Ele é recebido pelas pessoas simples que o seguem, que ficam impressionadas com ele que ensina com autoridade, que fala em linguagem simples, apresentando um Deus que está próximo de nós e que nos ama. O texto nos oferece situações e diálogos pessoais com Jesus, onde diferentes grupos de pessoas lhe fazem perguntas, questionam suas atitudes, apresentam suas preocupações. Assim nos deixamos desafiar pela nova sensibilidade de Jesus quando ele se deixa desafiar pela mulher cananeia, abre os ouvidos para ouvir o apelo do povo pagão.

Fazemos memória do momento que está só com os discípulos e Jesus lhes faz duas perguntas fundamentais: quem dizem os homens que eu sou? E após escutar suas respostas, pergunta ao grupo de discípulos: e vós, quem dizeis que eu sou? Estas perguntas representam um ponto de transição para uma nova realidade. Pedro reconhece Jesus como Messias, mas, mesmo assim terá que vivenciar, junto de toda a comunidade, por um lento processo de assimilação do significado de Messias na novidade que Jesus traz: é um messianismo diferente do esperado. A partir deste momento Jesus começa a falar sobre o caminho que ele vai transitar, sobre o sofrimento, sobre sua paixão e morte na cruz. Esta nova realidade é rejeitada por Pedro com tanta convicção que ele é rejeitado por Jesus, que o chama de Satanás!

A partir desse momento, Jesus aprofunda o tipo de messianismo que apresenta. O seguimento dele não traz notoriedade ou importância segundo o mundo, ele não é um Messias glorioso como eles podiam pensar. Em várias ocasiões, ele tenta esclarecer como é o caminho que vai percorrer e o que acontecerá com aqueles que quiserem segui-lo. Mas, infelizmente, os discípulos não o compreendem. Quando Jesus lhes apresenta o caminho da cruz, a sua morte na cruz, eles estão discutindo sobre quem é o maior. Eles estão nas suas preocupações, no seu “mundo” e não recebem, nem compreendem suas palavras com a profundidade e verdade que elas têm. Não recebem as palavras de Jesus, porque como se diz: “Não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir”. Parece que eles estão ao lado de Jesus fisicamente por que eles o escutam, eles vão para um lado e Jesus vai para o outro, apresentando-lhes sua proposta, seu caminho. Uma forma de vida que não pertence exclusivamente a nenhum grupo, e aqueles que o seguem devem ter um coração generoso e uma mente receptiva a novidade que pode-se apresentar. Jesus ensina-lhes que o importante é fazer o bem com a humildade de quem está sempre aprendendo.

No domingo passado, Jesus olhou com amor para um jovem que veio correndo até ele porque queria saber como ter a vida eterna. Mas Jesus muda sua perspectiva e a vida eterna é deixar tudo e segui-lo. Não são um conjunto de mandamentos a seguir porque sua proposta é original para cada um, não está escrita num livro, somente no coração de Deus. Colocar nossa vida sob o olhar amoroso de Jesus é o encorajamento para cada jornada, é a força nas quedas, é a novidade que alimenta apesar da incerteza.

O texto deste domingo nos diz isso: Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: "Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir". É um pedido que parece mais como uma exigência, uma obrigação ou um mandato. Muitos de nossos pedidos a Deus ressoam como ecos distantes, dizendo-lhe o que ele deve fazer: cuidar dos pobres, curar os doentes, dar-nos paz etc. Jesus continua o diálogo e responde: "O que quereis que eu vos faça?" e eles respondem com total sinceridade: "Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!" É um diálogo sincero, que além do poder pode ser lido a partir desse desejo de estar ao lado dele, de continuar essa alegria de compartilhar a vida com ele, de estar perto dele até mesmo na glória. E Jesus mais uma vez aproveita a oportunidade para continuar a apresentar seu caminho: "Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?

Lembremos que cálice na tradição bíblica indica o destino de morte, de ruína reservado aos ímpios (Sl 75,9) e ao povo infiel (Is 51,17). Jesus se solidariza com este destino de pecado histórico, destino de uma humanidade embriagada e drogada pela violência, que se manifesta como tirania, guerra, exploração. E Jesus convida-os a partilhar esse destino. Os discípulos aceitam a proposta de Jesus que continua seu ensino sobre o pedido feito: sentar-se na seu lado: um à sua direita e outro à esquerda.

Na glória do Pai, no Reino de Deus, não há lugares de honra ou glória, não há um espaço preferencial que Jesus possa oferecer. O amor de cada pessoa no serviço ao próximo é a chave que abre esse espaço no coração do Pai. Seu amor é abrangente e aqueles que escolhem o caminho do serviço e da pequenez por amor e serviço aos outros já estão no próprio coração de Deus. Neste domingo pedimos ao Senhor que nos conceda ter um coração semelhante ao seu que soube escolher o ultimo lugar e ficar nele com profunda alegria!

Oração

Primazia dos últimos

Te foi dito:
és sempre o primeiro.
Tira as melhores notas na escola,
e rompe com teu peito a faixa de tua meta
em toda competição.
Que não vejas a ninguém diante de teus passos
nem se sentem à tua frente nos banquetes.
assombra a todos os amigos luzindo o último invento,
brinquedos caros de adulto para despistar o tédio.
que apenas o degrau mais alto seja o lugar de teu descanso.

Mas A Palavra diz:
Sente o olhar de Deus pousar-se sobre ti,
porque ele alenta possibilidades infinitas em teu mistério.
Desdobra-te todo inteiro sem travas que te amarrem,
nem medo dentro de ti, nem os rumores na rua,
nem a cobiça do investidor, nem as ameaças dos donos.
E não temas sentar-te em uma cadeira pequena
com os últimos do povo.
Ali encontrarás a alegria de criar com o pai
liberdade e vida para todos sem a escravidão de exibir
um certificado e excelência.
Na hora de criar o Reino os últimos deste mundo
podem ser os primeiros.

GONZALEZ BUELTA, Benjamin. Salmos para sentir e saborear as coisas de Deus.

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