A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos 10,17-30 que corresponde ao 28° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Naquele tempo, quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?"
Jesus disse: "Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!"
Ele respondeu: "Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude".
Jesus olhou para ele com amor, e disse: "Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!"
Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: "Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!"
Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: "Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!"
Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: "Então, quem pode ser salvo?"
Jesus olhou para eles e disse: "Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível".
Pedro então começou a dizer-lhe: "Eis que nós deixamos tudo e te seguimos".
Respondeu Jesus: "Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna.
O texto sobre o qual meditamos neste domingo nos diz que Jesus saiu em uma viagem. Mais uma vez, vemos Jesus no caminho, passando por cidades e vilarejos, indo de um lugar para outro. O Evangelho de Marcos nos dá esse vislumbre de um Deus que não está parado, que está em movimento e, nesse ir e vir, ele comunica as boas novas do Reino a todos aqueles que o encontram e também ensina seus discípulos a vivê-las.
“Veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou”
Com essa breve introdução, nos preparamos para receber uma pergunta importante que desencadeia um diálogo muito profundo, no qual o amor de Jesus, sua ternura, seu olhar individual e amoroso serão revelados de forma significativa. É narrado que uma pessoa, às vezes identificada como um jovem - talvez também uma jovem mulher - vem correndo até Jesus.
Certamente essa pessoa o viu, seguiu-o, ouviu suas palavras, deixou-se tocar por sua mensagem e, quando viu que Jesus estava prestes a continuar seu caminho, saiu correndo para fazer-lhe esta pergunta.
É uma pergunta diferente das que ele já havia recebido antes. Não se trata de uma exigência, nem de um interrogatório, nem de uma interpelação, como fizeram os fariseus quando o interrogaram com a intenção de “tentá-lo”, como lemos no domingo passado. Essa pessoa está lhe fazendo uma pergunta “sincera”, que vem do coração de alguém que se sente tocado pelas palavras e ações de Jesus.
A narrativa do texto nos deixa abertos para imaginar a cena de alguém que, quase no fim, se deixa tocar “quase no fim” e ousa fazer sua pergunta: "Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?" Ele é uma pessoa religiosa que tem sua esperança na vida eterna, em fazer tudo para alcançá-la, em cumprir tudo o que é prescrito para merecê-la. Movido por esse profundo desejo, ele vai até Jesus, corre até ele e se ajoelha, reconhecendo-o como “bom Mestre”, e Jesus começa o diálogo dizendo-lhe: “Por que você me chama de bom? Só Deus é bom, e ninguém mais. Você conhece os mandamentos”. Reconhecido como um mestre, Jesus continua ensinando e deixa claro que somente Deus é bom. Com sua resposta, Jesus nos remete à imagem do Antigo Testamento, que em várias ocasiões falará sobre a bondade de Deus, como diz o Salmo 25,8. Nesse ponto, ele abre uma nova perspectiva para aqueles que testemunham esse momento. Jesus continua: "Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!"
Parece que Jesus aceita ser chamado de mestre, mas precisa deixar claro que suas ações, sua bondade, vêm do Pai, de seu relacionamento íntimo com Ele. Jesus não age para merecer a vida eterna! Sua presença, sua vida, sua ação em nosso meio não tem a ver com guardar os mandamentos e “ganhar a vida eterna”, como talvez tenha pensado o jovem que fez a pergunta. Ao deixar claro que somente Deus é bom, Jesus responde à pergunta com a declaração sobre os mandamentos que a pessoa já conhece.
E, diante da perseverança do jovem que responde "Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude", Jesus abre uma nova porta que leva a um caminho diferente: segui-lo, ser seu discípulo. Ele não é apenas um mestre, alguém a ser imitado em seu modo de viver ou agir. Jesus olhou para ele com amor e disse: "Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!". O Evangelho destaca o olhar de amor de Jesus, acompanhado do convite para segui-lo. Não se trata apenas de fazer algo, mas de dar aos pobres. Não se trata apenas de fazer o bem de acordo com um programa preestabelecido, mas do convite para deixar que seu amor toque nossas vidas. Permitir que seu olhar se irradie em nossa história, cure nossas feridas e liberte nossas ações. Mas, para isso, é necessário alargar nossos corações, deixar de lado nossas amarras e ousar navegar no aparentemente desconhecido.
A pessoa que vem a Jesus não ousa se desprender daquilo que lhe dá segurança, separar-se do que acumulou, e “quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico”.
Ele está se apegando às suas riquezas, à estabilidade e à aparente garantia que o cumprimento dos mandamentos lhe dá. Ele não é incentivado a caminhar com Jesus, deixando para trás uma religiosidade segura e controlada. Ser discípulo de Jesus implica entrar em uma nova realidade, Ele é o Caminho, e o convite é segui-lo com esperança Nele, em Seu amor. Caminhar com Ele é descobri-Lo permanentemente naqueles que nos rodeiam e deixar-nos habitar pelo Seu Espírito que nos encoraja na esperança diante das dificuldades, que nos leva a reconhecê-Lo de uma maneira nova a cada dia. A vida eterna não está “depois da morte”, como se poderia pensar, mas a vida eterna está aqui e agora: no seguimento de Jesus...
Neste domingo, Jesus nos convida a abrir mão de nossas seguranças, a não nos prendermos a projetos que se tornam pequenos “deuses pessoais”, bandeiras que voam “fazendo o bem”. Nós nos perguntamos: quais são essas atitudes ou maneiras de viver nossa vida cristã que “nos asseguram que estamos no caminho certo”? A que ou a quem estamos respondendo em nosso seguimento de Jesus?
Quais são esses mandamentos que, diante das palavras de Jesus, não ousamos abandonar porque continuamos apegados a eles, porque são nossos bens, aqueles que construímos em nossa jornada cristã, mas que hoje Jesus também nos convida a abandonar.