05 Outubro 2024
Entrevista com o historiador Dipesh Chakrabarty, especialista em mudanças climáticas e estudos pós-coloniais. Seu último livro, Um planeta, muitos mundos, será publicado no dia 3 de outubro pelo CNRS.
A entrevista é de Pablo Maillé, publicada por Usbek & Rica, 02-10-2024. A tradução é do Cepat.
“Provincializar a Europa”. Este é o título do ensaio que tornou famoso o historiador indiano Dipesh Chakrabarty no início dos anos 2000. Neste livro essencial para os estudos pós-coloniais, o acadêmico fez a observação paradoxal de que a história europeia “já não encarna a história ‘universal’, (…) ao mesmo tempo que continua a governar as nossas representações políticas”. O desafio, escreveu na época, “é conseguir renovar as ciências sociais, a partir das margens, para escapar de uma visão que reduz as nações não europeias a exemplos de carência e incompletude, e pensar, pelo contrário, na diversidade de futuros que estão sendo construídos hoje”.
Um quarto de século depois, Dipesh Chakrabarty amplia a reflexão numa nova obra fascinante, Une planète, plusieurs mondes (Um planeta, muitos mundos), uma coletânea de três conferências respectivamente dedicadas à pandemia da Covid-19, ao movimento pós-colonial e à suposta unicidade do “sistema Terra”. É preciso dizer, no entanto, que o historiador expandiu muito o seu campo de pesquisa, integrando especialmente as questões do clima, da biodiversidade e deste tão debatido conceito de Antropoceno, segundo o qual a espécie humana tornou-se ela mesma uma “força geofísica”. Uma forma de continuar a “provincializar o humano”, enfrentando a complexidade sociopolítica do problema climático.
Para você, o episódio da pandemia da Covid-19 foi muito “revelador”, especialmente no que diz respeito à nossa “relação com o tempo”, que se teria tornado “saudosista”. O que quer dizer?
A pandemia foi mundial e planetária. Mundial porque nasce da nossa enorme capacidade de mobilidade, através das conexões aéreas e da globalização; planetária porque exigia uma resposta sanitária unificada, particularmente através da produção de vacinas. É porque estamos tão interligados que conseguimos fabricar vacinas tão rapidamente, transportá-las de um lugar para outro do mundo e disponibilizá-las a uma grande parte da população mundial.
Quanto à nossa relação com o tempo e a história, creio que foi impactada pela pandemia. Lembre-se: durante a Covid-19, quando falávamos com alguém por correio eletrônico, sempre começávamos perguntando: “espero que esteja bem”. Nos concentrávamos no futuro imediato, em nos desvencilhar da doença, em estar infectado ou não estar infectado. O tempo de repente pareceu muito curto. Era acima de tudo uma questão de sobrevivência, e não tanto de projeção para um mundo melhor, seja ele capitalista ou socialista. Este presentismo levou-nos a ignorar quase completamente a questão do futuro. E fechado esse parêntese, voltamos ao passado.
Hoje, estranhamente, tudo acontece como se tivéssemos esquecido a pandemia. Queríamos “voltar à normalidade” o mais rápido possível, sem nos fazermos muitas perguntas. É por isso que, desde a pandemia, a nossa relação com o futuro tornou-se saudosista: o futuro é agora percebido como um retorno à situação pré-pandêmica. Se surgir outra pandemia, provavelmente fabricaremos outra vacina e depois seguiremos novamente em frente. Vejo isto como mais uma prova do apego aos nossos estilos de vida que consomem muita energia.
Como explica na conclusão do livro, nenhuma “solução total” pode resolver por si só a complexidade do problema climático, nem “derrotar o capitalismo”, nem “sair do colonialismo ocidental”. Este último argumento pode parecer surpreendente vindo de você, que é de certa forma uma referência dos estudos pós-coloniais…
Parte do discurso pós-colonial subestima o apoio dos países não ocidentais à modernização e ao produtivismo. Durante a segunda onda de descolonização, muitas tecnologias modernas já fascinavam Gamal Abdel Nasser (ex-presidente do Egito, nota do editor), Jawaharlal Nehru (ex-primeiro-ministro da Índia, nota do editor) e até mesmo Sukarno (ex-presidente da Indonésia, nota do editor). Como todos os outros, estes líderes não estavam conscientes dos danos planetários que estavam por vir. Eles simplesmente observaram que a Europa vivia melhor graças a estas tecnologias e, portanto, pensaram que o mesmo deveria ser feito. Quando Deng Xiaoping “abriu” economicamente a China, ele o fez principalmente para tirar milhões de pessoas da pobreza. A mesma coisa aconteceu na Índia, no Japão…
Como resultado, a maioria dos consumidores em todo o mundo está agora localizada fora do Ocidente. É por isso que as pessoas que apresentam a situação atual como um conflito entre o mundo ocidental e o mundo não-ocidental estão, na minha opinião, equivocadas. A verdadeira linha divisória está entre a classe média globalizada e os perdedores da globalização, aqueles que não têm acesso à água potável e cujas vidas são precárias (mas que por vezes aspiram, justamente, a ingressar nesta classe média globalizada). A situação é, portanto, extremamente complexa: certamente, o Ocidente, o imperialismo e o capitalismo são os principais responsáveis pelo desastre atual; mas esta explicação histórica não nos permite compreender todos os desafios que enfrentamos agora.
Se o anti-imperialismo ou o anticapitalismo não são suficientes, em que horizonte filosófico deveríamos, no entanto, “aterrar”, para retomar a expressão do filósofo Bruno Latour, com quem muito intercambiou nos últimos anos?
Alguns dos meus amigos argumentam que basta sair do capitalismo. Mais uma vez, acredito que as coisas não são tão simples. Não podemos simplesmente “sair do capitalismo”, porque então todas as pessoas precarizadas que, no entanto, se beneficiam do capitalismo correm o risco de sofrer ainda mais. Retomo o exemplo da pandemia: quando o mundo parou, os trabalhadores assalariados sofreram menos que os taxistas, os trabalhadores migrantes independentes, todos aqueles que não tinham tantos benefícios sociais. A minha filosofia está mais próxima da de alguns defensores do decrescimento, que envolve o estabelecimento de condições de vida atentas à biodiversidade e ao respeito pelos limites planetários.
É também por isso que falo nos meus livros de um necessário descentramento. A este respeito, a história do oxigênio é eloquente: sem o oxigênio produzido pelas plantas, pelo fitoplâncton e pelas bactérias, os humanos não conseguiriam sobreviver. No entanto, este oxigênio tem sido produzido pelas plantas para as suas próprias necessidades, e as de outros animais, há quase 400 milhões de anos. Está, portanto, claro que não estamos no centro do mundo, ao contrário do que muitas vezes pensamos. Compreender isto significa admitir que a nossa espécie constitui uma forma de vida bastante menor. Ao contrário de todas as correntes filosóficas que consideram o ser humano especial e brilhante, as ciências ambientais colocam-nos numa posição de humildade. Reconhecer isso exige uma certa força, mas também uma certa capacidade de convivência com outros seres vivos.
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“Desde a pandemia, a nossa relação com o futuro é saudosista”. Entrevista com Dipesh Chakrabarty - Instituto Humanitas Unisinos - IHU