Dipesh Chakrabarty habita vários mundos. Nasceu na Índia, passa muito tempo lá, mas mora nos Estados Unidos e também dá aulas na Europa. É especialista em estudos pós-coloniais e seu campo também abrange a crise climática e o modo como nós, humanos, devemos enfrentá-la.
Professor da Universidade de Chicago, começou a pesquisar a mudança climática na perspectiva das humanidades e é autor de vários livros e ensaios, entre os quais se destaca O clima da história: quatro teses.
A entrevista é de Paula Escobar, publicada por La Tercera, 26-08-2022. A tradução é do Cepat.
A diferença é que quando pensamos “globalmente”, pensamos em termos do que os impérios e colônias europeias fizeram ao mundo, nos últimos 500 anos. Começando pelos portugueses e espanhóis na América, depois os franceses, os ingleses, os holandeses e outros. Eles construíram a tecnologia, o império e o capitalismo que uniram esta esfera, as pessoas que viviam em diferentes partes.
Como agora, que estamos juntos pelo Zoom. Faz parte da continuação, em certo sentido, do global. Ao passo que o “planeta” que argumento é algo sobre o qual não tivemos que pensar até que os humanos começaram a viver tão bem que sua população se expandiu, a tecnologia se expandiu, comemos mais e em muitas partes do mundo esquecemos da fome ...
Em 1900, a população humana era de 1,6 bilhão, em 2000, éramos 6 bilhões, agora, somos 8 bilhões indo para 10, então, tudo acontece muito rápido. No intervalo de uma vida e meia humana, de repente, a população humana faz boom!
Essa expansão exponencial nos fez perceber que há um preço a pagar, e o preço não é em termos do que você pensa do “global”. Quero dizer, tem um impacto no “global”, mas o preço é em termos de dúvidas sobre o planeta. Podem os mares, por exemplo, absorver o excesso de gases do efeito estufa que emitimos?
Se nós humanos não existíssemos e alguma erupção vulcânica estivesse lançando todos esses gases - digamos que dióxido de carbono -, o planeta levaria o seu próprio tempo para processá-los. Contudo, não está processando rápido o suficiente para nós, certo? Então, de repente, enfrentamos a questão de como o planeta funciona.
Quais são os sumidouros de carbono no mundo? O que acontece se você usa muito nitrogênio como fertilizante para alimentar 8 bilhões de pessoas? Desse modo, de repente, percebemos que existe o “global” - que é a história da expansão europeia, do capitalismo, da desigualdade -, mas existe essa outra grande história à qual pertencemos, e não é a “nossa” história em termos simples.
Pensar planetariamente é uma grande mudança. Qual deve ser a consequência política de pensar desse modo?
O que direi soa muito simples, mas é muito difícil de fazer. Houve um tempo na Índia em que bebíamos chá em xícaras de argila, simplesmente barro cozido, e depois de tomar o chá na rua, nós a jogávamos no chão e o chão as absorvia. As xícaras que usávamos, ao contrário da porcelana esmaltada de hoje, eram totalmente reutilizáveis e biodegradáveis.
Os cientistas dizem que a tecnologia humana, as cidades, terão que ser construídas sobre o mesmo princípio: que se degradem na terra, caso contrário, não são algo sustentável. Porque no futuro há previsões de que algumas cidades terão 90 milhões de habitantes.
Em 2007, metade da humanidade começou a viver em cidades, mas atualmente as cidades são construídas sobre princípios que as tornam insustentáveis. Porque as cidades, a tecnologia, são como parasitas... pegamos coisas da terra, transformamos em concreto e coisas assim..., mas o concreto não se dissolve.
Se já foi feito antes, por que é tão difícil?
A dificuldade é a seguinte: os cientistas dizem que este planeta é um - um sistema, uma atmosfera de ar, um mar, uma camada de ozônio -, mas a humanidade está sempre dividida. É muito difícil para nós agirmos como um. Mesmo que seja anunciado um bom princípio para ser colocado em prática, imediatamente, haverá uma discórdia. É muito difícil por causa da estrutura do mundo...
Só falamos de crescimento, crescimento e crescimento, distribuição, justiça, estas coisas. A maioria das pessoas coloca a mudança climática na cesta de coisas “muito difíceis de resolver”, razão pela qual, com efeito, tornam-se negacionistas do clima. Mas negá-lo também não nos ajudará.
Por que diz que o planeta é órfão?
É por isso. Ninguém quer pensar nele como “um”. Porque se pensarmos assim, precisaremos encontrar formas de superar nossas diferenças, sem negá-las. Por exemplo, se o Ocidente desenvolve tecnologia para energias renováveis mais rápido do que o terceiro mundo, talvez parte da tecnologia deva ser dada gratuitamente ao terceiro mundo.
Contudo, garantindo que não seja a elite do terceiro mundo a beneficiada, mas os pobres. São necessários muitos controles e contrapesos, mas, ao mesmo tempo, certa generosidade das nações mais ricas. Portanto, é necessário abordar o tema da justiça, caso se deseje tratar o planeta como “um”.
Temos instituições globais como a Organização das Nações Unidas. Qual é a diferença entre uma instituição global e uma planetária?
A Organização das Nações Unidas estava destinada apenas aos humanos e nações, porque acreditávamos que existia muito tempo para que os humanos resolvessem qualquer problema. Ao passo que o problema do clima é como um calendário definido, que diz: 'Você tem que fazer isso neste ou naquele prazo”. E não é assim que reagimos.
Como começar?
Note, o primeiro passo em direção ao planetário terá que ser, até certo ponto, à custa dos Estados-nação. E os Estados-nação terão que concordar. É por isso que temos que trabalhar com as organizações existentes, como a OMS. Poderíamos trabalhar com a UNESCO para declarar como patrimônio mundial não apenas os artefatos construídos pelo homem, mas também as formações naturais. Então, a tarefa diplomática é convencer os Estados-nação de que devem ceder alguns de seus poderes.
Você também disse que os humanos terão que continuar sendo políticos para resolver a crise climática. O que quer dizer?
Se você constrói instituições para o capitalismo, onde tudo é consumir enquanto está vivo - que é simplesmente consumir tudo -, não está deixando o mundo como herança para a próxima geração (...). Mas não é possível tomar medidas práticas sem incluir os Estados-nação.
Às vezes, quando as pessoas pensam em governança planetária, pensam em um conjunto de instituições completamente diferentes. Mas é isso é o que você quer (chegar a) ser, não é de onde parte. Você começa pelo que existe e, portanto, começa com pequenos passos, e acredito que o caminho para a governança planetária será através da governança regional.
Pode dar um exemplo de possível governança regional?
Posso dar um exemplo do Himalaia, porque sou de lá. O Himalaia é a cadeia montanhosa mais militarizada do mundo por causa da China, Índia e Paquistão. Cada nação trata as geleiras dentro de seu país como se fossem de sua propriedade. Mas os rios que nascem no Himalaia, na verdade, servem a oito ou nove países, do Paquistão ao Vietnã.
Então, por que não deveria existir uma autoridade regional que proteja a saúde dessas geleiras? Portanto, é possível convencer os Estados-nação que possuem interesses compartilhados para que renunciem certa autoridade em prol de seu próprio interesse, segurança e proteção a longo prazo. Penso que poderá ser um passo em direção à governança planetária.
Em seu livro “Provincializing Europe”, avalia que temos que repensar os valores ocidentais. Quais valores especificamente? E em que medida estão enraizados em nossas sociedades?
Penso que um capitalismo muito consumista é insustentável. Está muito claro que se você deseja levar as pessoas ao nível de consumo norte-americano, então, precisará de outros quatro planetas. Porque alguém fez uma diferenciação entre a terra em que você vive e a terra da qual você vive.
Nos Estados Unidos, as pessoas têm alimentos provenientes de todas as partes do mundo. Então, o número total de hectares demandados pelos estadunidenses não se limita aos hectares dos Estados Unidos, alcança a América do Sul, a Índia, todas as partes do mundo.
Os estadunidenses vivem nos Estados Unidos, mas vivem de 60% do mundo. Se você vive assim, não terá mundos suficientes, precisará de mais planetas. Claramente, isto é insustentável para todos. Sendo assim, se desejamos viver em um mundo mais igualitário e sustentável, devemos fazer mudanças em nossos estilos de vida, em nossos padrões de consumo.
A proposta de uma nova Constituição almeja uma mudança na visão e avaliação dos povos originários. O que significa para você descolonizar a forma como pensamos sobre nossas sociedades?
Penso que muito da literatura aponta para o capitalismo extrativista, para o esgotamento de nossos recursos naturais. Muito disso vem do Chile. Em primeiro lugar, não acredito que você possa renunciar a todos os aspectos do conhecimento ocidental. Há benefícios na medicina e em outros campos dos quais todos nós dependemos.
Além disso, embora o conhecimento ocidental, muitas vezes, tenha se desenvolvido a partir do colonialismo e da expansão imperial, também houve uma tradução do conhecimento indígena para o conhecimento ocidental, no que diz respeito à medicina, à geografia... Quando os europeus chegaram, tiveram que depender dos indígenas para saber de onde vinha a água, onde estavam os frutos...
Então, de certa forma, o conhecimento europeu cresceu sobre a base do conhecimento indígena. O que estou dizendo é que, embora tenha havido dominação através do poder, também houve tradução, houve modificação mútua até certo ponto. Não estou negando a destruição das sociedades indígenas, mas mesmo assim.
Como encontrar o equilíbrio?
Indo ao seu ponto sobre a descolonização. Algumas pessoas da América Latina argumentam que “temos que nos esquecer completamente do Ocidente e voltar ao que existia antes da chegada dos europeus”, o que para mim é uma solução tão total que não soa prática. Por isso, é necessário encontrar termos médios. E encontrar um meio-termo significa reconhecer que o Ocidente chegou e foi imperialista, destruiu vidas, sem dúvidas, mas também houve transações, conversas, aprendizado mútuo.
Falando do Sul Global ao qual pertencemos, algumas pessoas vão argumentar que não devemos pagar, aqui, pela desordem e os danos causados pelos países desenvolvidos…
É uma pergunta muito interessante. O que acontece é que o debate é entre elites de diferentes lugares. Porque quando dou uma conferência na Índia para pessoas instruídas, para instituições, e dizem: “quando considera que se tornará muito crítica (a crise climática)?”. Não sei, mas claramente possuem a sensação de que o aquecimento global está acontecendo, mas que ainda não foram tão afetados. Mas se você vai até as pessoas pobres, até as pessoas do litoral, já está acontecendo.
Você disse que a crise climática não é como um evento, como quando na Guerra Fria houve uma ameaça nuclear, um evento de uma só vez, mas é como a rã na água fervente... Como descreveria essa crise?
Fundamentalmente, pode-se dizer que os seres humanos são muito bons em ver um processo que aumenta de forma linear, a um ritmo constante, mas este é um processo que aumenta exponencialmente, e parece lento no início.
Então, é como a história da rã, você está enchendo um tubo de ensaio dobrando a quantidade, chega até a metade e no próximo movimento enche todo o tubo de ensaio... e os humanos são ruins em se preparar para eventos que não são lineares. Essa é realmente uma falha que temos e precisamos lutar contra ela.
Avalia com otimismo que encontraremos uma solução e pensaremos planetariamente?
Penso que eventualmente agiremos assim, não tenho dúvidas. A questão é: a que custo? Porque até aprendermos a pensar planetariamente, sofreremos mais incêndios, inundações e coisas assim, e algumas pessoas morrerão.